A 2ª Vara Criminal de Nova Friburgo aceitou a denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) contra a pastora Karla Cordeiro, denunciada por praticar, induzir e incitar preconceito e discriminação contra as pessoas pretas e pertencentes à comunidade LGBTQIA+. No dia 31 de julho passado, a pastora da Igreja Sara Nossa Terra fez uma live onde criticou os fiéis que defendem causas raciais, políticas e da comunidade LGBTQIA+.
Durante a transmissão via redes sociais, a pastora disse aos fiéis: “É um absurdo pessoas cristãs levantando bandeiras políticas, bandeiras de pessoas pretas, bandeiras de LGBTQIA+, sei lá quantos símbolos tem isso aí. É uma vergonha. Desculpa falar, mas chega de mentiras, eu não vou viver mais de mentiras. É uma vergonha. A nossa bandeira é Jeová Nissi, é Jesus Cristo. Ele é a nossa bandeira. Para de querer ficar postando coisa de gente preta, de gay. Para. Posta a palavra de Deus que transforma vidas. Vira crente, se transforma, se converta”.
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A denúncia contra a pastora Karla Cordeiro foi apresentada no dia 20 de agosto pelo MP-RJ. Segundo a denúncia, “a pretexto de enaltecer sua ‘bandeira’, a denunciada induziu e incitou menosprezo pelas pessoas de cor preta e por aquelas integrantes da comunidade LGBTQIA+, praticando discriminação e preconceito contra aquelas e suas causas ao enfatizar a ‘vergonha’ que tais ‘bandeiras’ importariam se fizessem parte das manifestações sociais dos seus ouvintes. Karla agiu com menoscabo e preconceito contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queers, intersexuais, assexuais, não binários e pessoas com orientação sexual e identidade de gênero diversas, ao zombar da sigla representativa da comunidade que os agrega”, cita o MP-RJ.
O Ministério Público também ressaltou que a declaração, divulgada de forma virtual e presencial, foi feita a jovens, “destilando intolerância a pautas sociais de inclusão e cidadania com alcance presencial e remoto, potencializando o alcance da mensagem e, assim, o desvalor do resultado e as consequências do delito”.
Após a apresentação da denúncia, Karla Cordeiro chegou a compartilhar uma nota de retratação onde pediu desculpas pelas falas e argumentou que não tem nenhum tipo de preconceito. “Eu, na verdade, fui infeliz nas palavras escolhidas e quero afirmar que não possuo nenhum tipo de preconceito contra pessoas de outras raças, inclusive meu próprio pastor é negro, e nem contra pessoas com orientações sexuais diferentes da minha, pois sou próxima de várias pessoas que fazem parte do movimento LGBTQIA+”, escreveu a pastora.
Decisão judicial
Na decisão da 2ª Vara Criminal, o juiz Marcelo Alberto Chaves Villas argumentou que a denúncia apresenta indícios suficientes para o recebimento da ação penal. Para o magistrado, a declaração da pastora Karla Cordeiro ultrapassa os limites da liberdade de expressão e classificou a conduta como indução e incitação ao preconceito e à discriminação contra pretos e pessoas da comunidade LGBTQIA+.
“[O discurso] perpassa a noção inicial de que a intenção da agente seria, de fato, de induzir ou de incitar a discriminação ou preconceito de raça e cor, bem como o preconceito ou a discriminação de grupos identificados pelo ponto comum da vulnerabilidade com o movimento LGBTQIA+”
O juiz também ressaltou os impactos dos discursos de ódio contra grupos vulneráveis na sociedade, como o racismo, a homofobia e diversas formas de violência.
“No entanto, as práticas do racismo e da homofobia em nosso país apresentam aspectos nefastos, sobretudo no que tange a violência que é praticada contra os grupos mais vulneráveis. Destacando-se, por exemplo, a atuação de grupos de extermínio de jovens negros em regiões periféricas de grandes cidades ou a verificação de elevados índices de homicídios e outros atos violentos perpetrados contra homossexuais e transsexuais. Razão pela qual uma excessiva contenção do Direito Penal também poderia se revelar vulneradora de direitos fundamentais, compreendendo-se, portanto, a lógica punitiva contra discursos de ódio”.
Com o recebimento da denúncia, a pastora fica intimada a apresentar defesa, argumentações e testemunhas para o andamento do processo judicial. Caso seja condenada, a pastora pode ser enquadrada na Lei nº 7.716/89, que prevê pena de 2 a 5 anos, além de pagamento de multa.