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“O que dói mais é saber que isso foi fruto da brutalidade”, diz homem que perdeu a visão no Recife

A bala de borracha que cegou um dos olhos de Jonas Correia de França, de 29 anos, também atingiu sua família; em conversa exclusiva com a Alma Preta Jornalismo, ele relata as consequeências da ação criminosa da Polícia Militar de Pernambuco durante ato Fora Bolsonaro

Texto: Victor Lacerda / Edição: Lenne Ferreira / Imagem: Reprodução/Acervo pessoal

Jovem que perdeu a visão vítima de ação policial afirma que situação atual é perturbadora para ele e sua família

10 de junho de 2021

“Isso não mexeu só comigo, mas adiou o sonho do meu filho”. É com pesar que Jonas Correia de França, de 29 anos, fala sobre os desdobramentos após ser atingido no olho por uma bala de borracha no último ato “Fora, Bolsonaro!” no Recife, que ocorreu no dia 29 de maio. Completamente sem a visão do olho direito, o autônomo, em conversa com a Alma Preta Jornalismo, fala sobre a dor após ser vítima de ação truculenta orquestrada pela Polícia Militar de Pernambuco. 

Desde o dia do ocorrido, Jonas não pôde voltar para casa por conta da recuperação. Segundo a equipe médica que o acompanha, a volta para a morada poderia gerar complicações no tratamento. A justificativa está nas condições da residência onde mora, no bairro de Santo Amaro, que apresenta estrutura inadequada para sua atual condição, um espaço quente, com poeira proveniente da rua e com a possibilidade de visitas de populares que conhecem o jovem. Antes do acidente, Jonas se organizava para de juntar dinheiro e consertar o telhado de casa. 

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No dia do ocorrido, ele afirma que estava trabalhando descarregando container na Rua da Praia, no centro do Recife, passou pelo Mercado de São José para comprar carne para o almoço e seguia para casa. O dinheiro do dia serviria também para comprar mantimentos para a filha, que só estava com três fraldas. O que era uma simples volta para casa de bicicleta, se transformou em um pesadelo que, para sempre, mudaria a sua vida. 

Questionado sobre as imagens que circulam nacionalmente nos veículos de comunicação e nas redes sociais, Jonas afirma que voltar ao dia do ato, revendo o ocorrido, é perturbador. “Rever o que aconteceu é desesperador para mim. Por diversas vezes acordo acabado, seja no físico ou psicologicamente. É de mim ser um cara ativo e gostar de estar em movimento. Hoje, me encontro em uma situação difícil. O que me dói mais é saber que isso foi fruto da brutalidade, não de um acidente. As pessoas que viram o vídeo perceberam que o policial mira para acertar meu olho. Não tem como dizer que foi uma bala perdida. Eu estava passando. Só queria ter ganho meu dinheiro do dia e ter ido para casa”, relata.

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Em recém conversa com a Alma Preta, a esposa, Daniella Barreto, também se mostrou indignada diante do ocorrido. “Não é porque nós somos pretos, pobres e de favela que temos que ser tratados desse jeito. Pelo que parece, o plano é nos verem mal ou nos matar. Isso foi um ato de covardia”, denunciou. É ela que hoje divide seu tempo entre cuidar dos filhos do casal, a mais jovem de 1 ano e 6 meses, e o mais velho, Jonatha Darlan Barreto de França, de 9 anos, e buscar suporte jurídico. Os dois tiveram reações ao fato, a garota está tendo dificuldades para comer e o menino apresentou febre emocional.

Para Jonas, a impossibilidade de passear pela comunidade onde mora com a filha e não levar o filho para a escolinha de futebol só agrava a tristeza. “Quando eles me questionaram, eu fiquei sem ação para responder. Só dizia que iria melhorar e que iríamos voltar a fazer o que fazíamos antes. Até o sonho do meu filho foi parado, algo que eu estava correndo atrás dia e noite, minha esposa está de prova. Eu batalhava para dar o melhor dentro de casa e fazia bico de carregar peso para, aos sábados, ter um trocado. Agora é difícil. Como é que vou pagar a escola do meu filho?”, questiona, em tom de desabafo. 

Em média, Jonas conta que conseguia, por semana, entre R$500 e R$600. O dinheiro que recebia como autônomo era destinado às reposições necessárias em casa, para as necessidades da companheira e dos filhos. “Lutei cinco anos atrás de um prego e eu tinha as duas vistas. Com uma visão só, não encontro emprego mesmo. Até a equipe médica que me acompanha afirmou que vou passar um bom tempo sem poder fazer força e, talvez, até não possa voltar a trabalhar com o que fazia, carregando peso. Isso por causa do tiro da bala de borracha que complicou a possibilidade de recuperação, por ter sido de perto e forte”, relata. 

Atualmente, Jonatas encontra-se em um hotel no Recife e recebe as medicações necessárias para auxiliar na recuperação. Estadia e medicamentos são custeados pelo Governo de Pernambuco, que, segundo o autônomo, passou a ajudar uma semana após o incidente. Antes, a ajuda de custo veio de familiares. Por agora, só pode sair unicamente para as consultas médicas. 

Da gestão estadual, ele afirma o que espera. “Tenho a expectativa de que farão o certo. Não só com o que estão fazendo hoje, mas mantenham uma assistência fixa a cada mês. Pretendo lutar pela minha aposentadoria, que sei que é um direito meu, mas não quero só esse apoio como assistência. A partir do que aconteceu, a minha vida mudou. Por isso, eu espero, acima de tudo, responsabilidade”, pontuou. 

Sobre a ação da polícia, Jonas relata que ficou surpreso com toda a forma que as ações foram tomadas e espera mudança na postura da corparação local. “Esperava que eles tivessem sabedoria, até pelos treinamentos que existem. Eu e Daniel Campelo, o outro rapaz atingido, não éramos ameaças de jeito algum. Os integrantes da corporação que honram as fardas que vestem sabem como e quando agir. Quando a pessoa identificada se apresenta como ameaça ou não. A polícia precisa proteger o cidadão, é para isso que são pagos. As pessoas que fizeram isso comigo e com os outros não são dignas de exercerem essa função. Todos estávamos agindo pacificamente”, finaliza.  

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