PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Indígena cria linha de bonecas para promover história do povo Tikuna

Iniciativa é da artista plástica, ativista e empresária amazonense We'e'ena Tikuna e as suas bonecas homônimas que pretendem recontar a história não contada nos livros sobre seu povo e apresentar a sua aldeia de origem, a Umariaçu, no Amazonas; miniaturas pretendem promover mais representatividade e desconstruir preconceitos de forma lúdica 

Texto: Victor Lacerda / Edição: Lenne Ferreira / Imagem: Divulgação/Brasil Eco Fashion Week

weeena-tikuna-bonecas

3 de maio de 2021

Linguagem lúdica para reconstruir a história não contada nos livros e representar a pluralidade de códigos culturais dos povos indígenas. Esses foram os fatores que motivaram a ativista, designer e empresária We’e’ena Tikuna a criar uma linha de bonecas em homenagem à sua aldeia de origem, a Umariaçu, no Amazonas, território da nação Tikuna. Com produção de três a cinco dias, os grafismos, o algodão cru e a fibra vegetal retirada do pé de Tururi – espécie local e milenar – são os materiais que dão vida às pequenas. Formada em artes plásticas no Instituto Dirson Costa de Arte e Cultura do Amazonas e com 12 de suas obras compondo o acervo permanente da exposição no Museu Histórico de Manaus, a amazonense usa do consumo consciente para informar.

Em entrevista para a Alma Preta Jornalismo, We’e’ena, que na língua Tikuna significa “a onça que nada para o outro lado do rio”, conta que o desejo de criar as miniaturas surgiu após um convite feito em 2019 para desfilar outros produtos da sua marca, que leva seu nome, como peças de vestuário no Brasil Eco Fashion Week. Com a identificação expressiva dos espectadores e consumidores pela sua arte, a designer decidiu democratizar o acesso e atingir todas as idades, trazendo para cada look da passarela, uma boneca. 

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

Dona da primeira marca de moda contemporânea projetada inteiramente por uma indígena nativa, sem intermediários, We’e’ena conta que seu intuito sempre foi informar sobre a sua origem através das suas expressões artísticas. Com as miniaturas não foi diferente. “Desde o princípio, trabalhei com grafismos sagrados do meu povo, com estamparia colorida e com materiais que representassem o nosso dia a dia. A intenção sempre foi reafirmar que o consumidor não estava ali levando apenas uma boneca de pano, mas, sim, uma história, que vai contra o preconceito e o não conhecimento da verdadeira história do meu povo”, conta. 

Leia também: Festival Afro e Indígena reúne artistas em documentário musical para resgate das raízes brasileiras

A preocupação em educar as novas gerações por meio dos brinquedos acessa um lugar íntimo da memória da idealizadora. Natural do povo Tikuna, We’e’ena foi para Manaus ainda criança pelo propósito dos pais de educar seis 6 filhos. Em sua chegada na escola, ela relata que sofreu racismo e foi humilhada por não falar português. “Foi uma situação difícil quando ainda era jovem. Tive que repetir o colegial várias vezes por não entender o português.  Até os 12 anos, só tinha contato com a língua nativa Tikuna, minha língua-mãe. Isso foi motivo de preconceito na escola, mas foi quando entendi que ninguém nasce com o pré julgamento e, com conhecimento, você passa a respeitar o outro e suas particularidades”, pontua. 

weena tikuna boencas2

“A intenção sempre foi reafirmar que o consumidor não estava ali levando apenas uma boneca de pano, mas, sim, uma história, que vai contra o preconceito e o não conhecimento da verdadeira história do meu povo”, conta a idealizadora 

A chave de virada foi buscar dar informação e meios de conquistar crianças e jovens pela educação de base. Hoje, a marca de We’e’ena pretende reeducar e contar a verdadeira história do seu povo, aquela que não está nos livros como forma de reafirmar a cultura indígena e sua importância para a formação e entendimento de quem é o povo brasileiro. “Até nas visitas que fazia nas escolas, quando paramentada com minhas roupas tradicionais, as crianças fugiam, choravam e eu não conseguia compreender as reações. Depois entendi que aquilo era resultado da associação da figura passada pelos livros, uma visão que coloca o indígena como alguém que flecha, que mata e que assusta. Um retrato errado de quem somos”, denuncia a empresária.

We’e’ena traz uma pluralidade de modelos de bonecas em miniatura com seu próprio nome, mas com roupas e formas diferentes. A ideia central é não reproduzir o que já existe no mercado, nem na representação do povo de sua origem, nem na estética como um todo. “As bonecas We’e’ena Tikuna também chegam como forma de representar o corpo real, sem cintura fina, sem traços lidos como padrões da sociedade. Quis trazer com elas o que é ser nativa e as possibilidades que um corpo brasileiro pode ter. Tudo para gerar identificação e exercitar um olhar de amor a quem somos desde pequenos. Uma tentativa de exercício que fala, também, sobre aceitação”, explica.

Sobre o futuro de suas produções, uma nova roupagem será preparada para o próximo período de produção, marcado para o Dia das Crianças, em outubro. “Pretendo colocar mais pinturas nos rostos das bonecas para contarem ainda mais sobre os significados dos traços, do processo de criação e da nossa história. Espero que continue sendo um meio de sensibilizar os pais para o repasse de conhecimento aos seus filhos. Com informação, conseguirei concretizar o desejo de que meu povo, cada vez mais, seja respeitado”, finaliza We’e’ena. 

Mesmo com o estoque das bonecas Tikuna esgotado, outras peças de produção autoral estão disponíveis no link. Para a próxima remessa, um calendário será disponibilizado e os pedidos poderão ser feitos on-line e com entrega para todo o Brasil. Mais informações podem ser encontradas no Instagram da marca.

Leia também: Resistência Indígena: Entenda porquê o termo “índio” é considerado pejorativo

Apoie jornalismo preto e livre!

O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo.

Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor.

O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade.

Leia Mais

PUBLICIDADE

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano