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Afro-colombianos: vítimas do racismo e da violência

População negra na Colômbia lida com a invisibilidade, segregação e com a violência; Ativistas acreditam na conexão com os negros brasileiros para fortalecer a luta na América Latina

Imagem: Luis Robayo/AFP

Foto: Imagem: Luis Robayo/AFP

29 de março de 2023

Invisibilidade, dificuldade para acessar o mercado de trabalho, condições de miséria e vítimas preferenciais da violência. O cenário apresentado, que serve para descrever a situação de pessoas negras no Brasil, é um resumo dos problemas enfrentados pelos afro-colombianos. 

A segregação racial, outra barreira histórica, ainda é pouco discutida no cotidiano e se expressa de muitas maneiras na sociedade. 

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“É um sistema de opressão exercido desde o âmbito institucional, principalmente em relação à população afro e indígena. Ele se expressa a partir do governo, da religião e da mídia. É um racismo visivelmente invisível, porque é uma coisa que todo mundo vê, mas ninguém quer falar, muito menos discuti-lo na agenda pública”, afirma Ayda Córdoba, diretora da agência de notícias Niara, um canal de imprensa negra no país.

Segunda maior população negra da América Latina em números absolutos, os afro-colombianos são aproximadamente 2,9 milhões de pessoas, quantidade que representa 5% da população nacional. De acordo com o Censo Nacional Colombiano (DANE), são considerados afro-colombianos os negros, raizales e palenqueros. Os Raizales e os Palenqueros são comunidades tradicionais.

afro colombianoAfro-colombiano no centro de Bogotá na venda de produtos alimentícios (Foto: Pedro Borges/Alma Preta)

A população negra na Colômbia está mais concentrada em alguns municípios, como Cali, e nas regiões banhadas pelo oceano pacífico, de características mais rurais e florestais. Em cidades como Bogotá, capital do país, e Medelin, outra importante cidade, há uma menor presença dos afro-colombianos.

As regiões de maioria negra concentram importantes fontes de riqueza e os maiores canais de exportação do país, como o Porto de Buenaventura, o principal da Colômbia, com saída para o Oceano Pacífico. Só em janeiro de 2023, a exportação nacional gerou uma receita de US$3 milhões de dólares, segundo o censo oficial. Apesar disso, em 2021, a cidade portuária de maioria negra atingiu o índice de 31,3% de pessoas desempregadas. 

Em 2021, a taxa de desemprego nas populações Negras, Afrodescendentes, Raizales e Palenqueras atingiu 25,5%, número que chegou a 36,6% entre as mulheres afro-colombianas, o maior índice. O número é mais da metade da taxa de homens desempregados que não pertencem a nenhum grupo étnico-racial, que somam 16,8%. No mesmo período, o país registrou um aumento de 10,6% no PIB

Santiago Córdoba, artista e fundador da casa Kolombiesa, espaço de cultura afro em Bogotá, acredita que essas situações são um exemplo das desigualdades existentes no país. “Paradoxalmente, parte importante do PIB do país sai dos territórios onde vive a população afro e essa população tem os menores indicadores de bem-estar. Esse é o racismo na Colômbia”.

A Guerra 

A violência na Colômbia também se apresentou, durante os períodos mais duros da Guerra Civil, de modo preferencial entre os territórios negros e indígenas. O conflito político entre organizações de esquerda, como as Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARC), Exército de Libertação Nacional (ELN), M-19, entre outros grupos, e o governo colombiano e os paramilitares ocorreu de maneira mais truculenta na região do oceano pacífico, onde estão as comunidades negras.

Com duração de mais de 65 anos, a guerra civil colombiana é dividida em quatro períodos, com o início marcado em 1958, data do assasinato do candidato liberal à presidência, Jorge Gaitán. Segundo a Comissão da Verdade da Colômbia, em 1946, uma manobra política na troca de poder fez com que o partido conservador, que comandava o governo, usasse as forças armadas para tomar as terras dos camponeses liberais, que buscavam proteção com o ingresso nas guerrilhas marxistas.

“O Exército recebia ordens da época e estava do lado dos latifundiários, em sua maioria conservadores. Foi assim que muitos pequenos latifundiários liberais se juntaram à guerrilha comunista, buscando proteção (…)”, aponta o site da Comissão da Verdade, grupo responsável por apurar os crimes cometidos durante a guerra civil.

Ayda Cordoba recorda o narcotráfico, utilizado para financiar a guerra, como outro elemento utilizado para oprimir a comunidade negra durante as disputas armadas. “Infelizmente, o conflito colombiano afeta a população afro de duas maneiras: uma delas é o território onde está ocorrendo a guerra, onde está assentada a maioria da população negra colombiana. E a segunda é que todos os grupos de direita e esquerda envolvidos no conflito são financiados por recursos naturais e pelo narcotráfico, que se encontram nesses mesmos territórios. Em outras palavras, a população negra tem sido vítima de várias dimensões”.

Em 2016, os colombianos vivenciaram um momento importante para o Acordo de Paz, que foi a renúncia da guerra armada por parte das FARC, principal guerrilha marxista do país, que chegou a ter 20 mil soldados. O governo colombiano hoje lida com a ELN, que conta com aproximadamente 5 mil soldados, e há a expectativa de firmar um acordo com o grupo por parte do governo de Gustavo Petro e Francia Marquez.

Centro de Memória Paz e ReconciliaçãoO Centro de Memória Paz e Reconciliação é um espaço de resgate dos efeitos da guerra civil no país (Foto: Pedro Borges/Alma Preta)

Mesmo com o tratado de paz entre o governo da Colômbia e as FARC, em 2016, os conflitos civis não cessaram. O território colombiano segue como palco de disputa bélica entre grupos paramilitares de direita, dissidentes das FARC e militares do governo. A ONU estima que ao menos 600 crianças foram cooptadas pela guerra nos três anos após o cessar-fogo, mas especialistas alertam para um número maior que o anunciado.

Além do recrutamento infantil, os índices de assassinatos aumentaram nos últimos anos. Em 2018, o país apresentava a marca de 24 assassinatos a cada 100 mil habitantes, e em 2022, o número subiu para 27 a cada 100 mil. Para efeitos de comparação, 17 estados brasileiros atingiram um número superior a 24 homicídios a cada 100 mil habitantes no mesmo ano. Em médial, o Brasil conta com a média de 22,3 homicídios para cada 100 mil brasileiros.

A Colômbia também lida com os efeitos da guerra civil, com o grande contingente de pessoas “desplazadas”, que foram obrigadas a migrar internamente no país para fugir dos conflitos, a maioria das regiões do pacífico, onde há maior presença negra. 

Em sessenta anos, mais de oito milhões de colombianos foram forçados a deixar suas casas, e as comunidades negras representam 42% das vítimas desse deslocamento. Segundo a Defensoria do Povo, órgão nacional de direitos humanos da Colômbia, 15% da população nacional já foi vítima do deslocamento ao longo do conflito.

Essas pessoas se mudaram para as grandes cidades, como Bogotá, Cali e Medellin, onde encontraram dificuldades para se estabelecerem e têm dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, conforme conta Ayda Córdoba. “Esses grupos aumentam os cordões de miséria nos centros urbanos, vivendo na miséria, desconectados de seu umbigo que é a terra, desenraizados de seus costumes. Mesmo com as diversas formas de violência, o deslocamento intra-urbano é vivenciado atualmente”.

Germán Muñoz, doutor e especialista em Ciências Sociais, Infância e Juventude, da Universidade de Manizales, da Colômbia, também chama atenção para a situação dos jovens, vítimas do deslocamento. “Cerca de 70% dos desplazados são menores de 18 anos. É uma situação muito grave, que também se apresenta nas cidades, não somente nos territórios da periferia ou áreas rurais. Dentro das cidades, acontecem também, permanentemente, deslocamentos forçados, porque quando estes camponeses e indígenas deslocados chegam às cidades, não encontram acolhida, nem atenção.”

A violência é um motor do deslocamento interno até os dias de hoje. No campo ou nos centros urbanos, grupos paramilitares ou dissidentes das guerrilhas armadas disputam territórios do narcotráfico. No litoral do país, as regiões de Chocó, Valle del Cauca e Nariño concentram 75% dos casos de disputas armadas territoriais, como apontam dados da Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU.

Em 2021, o deslocamento forçado pela violência aumentou cerca de 181% no período de um ano. De acordo com reportagem, cerca de 74.000 pessoas migraram dentro do país de 2020 a 2021. 

Brasil e Colômbia

Países fronteiriços, com grandes contingentes de pessoas descendentes de africanos, populações que enfrentam o racismo, a invisibilidade e a violência, Santiago Córdoba acredita que pessoas negras de ambos países podem estreitar laços.

“Temos várias semelhanças com uma história comum, para a qual devemos ter abordagens acadêmicas, culturais, musicais, espirituais, técnicas, econômicas. Podemos ter vários tipos de relações. Isso é essencial se quisermos progredir como população afro”.

Apesar das barreiras linguísticas, resultado do processo de colonização dos países, Ayda Córdoba também acredita que as trocas devem ser feitas. “Conexões culturais, políticas, esportivas, midiáticas para fortalecer os laços existentes. Além disso, seria importante criar vínculos econômicos entre ambas as populações como uma forma única e poderosa de se conectar, apesar da barreira do idioma que restringe parte da comunicação em processos”.

Ambos países têm um histórico de colaborações importantes para a comunidade negra das Américas. O Primeiro Congresso de Cultura Negra da América Latina, que aconteceu em 1977 na Colômbia, reuniu importantes políticos, sociólogos e pensadores negros latinoamericanos.  

A cidade de Cali foi palco para discussões sobre negritude e diáspora, a partir da perspectiva de diversos países da América do Sul, América Central e Caribe. O evento discutiu raça e etnia, estruturas socioeconômicas, arte e outras pautas. O ativista e político Abdias do Nascimento participou da comissão de “Etnia Negra e Mestiçagem”, junto com a socióloga colombiana Nina Friedemann. 

A terceira edição do evento foi sediada em São Paulo, na PUC (Pontifícia Universidade Católica), em 1982, e teve Abdias como o principal articulador, à frente do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). “Diáspora Africana, Consciência Política e Cultural de Libertação” foi o tema central que guiou os 8 dias de atividades.

Aproximações recentes entre os dois países foram feitas pelos quilombos brasileiros e os palenqueros colombianos, grupos que guardam parte da cultura secular dissidente do continente africano. Em 2018, a Fundação Palmares e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras, Rurais e Quilombolas (CONAQ) realizaram um evento em uma parceria dos dois países, com a proposta de trocar experiências em relação a titulações fundiárias e outros desafios destas comunidades.

Laura Ayda e SantiagoLaura Angulo, Ayda Córdoba e Santiago Córdoba no espaço Kolombiesa, centro de cultura afro em Bogotá (Foto: Pedro Borges/Alma Preta)

A resistência e o fator Francia Márquez

A discussão sobre racismo na Colômbia ganhou mais força com a vitória da chapa Gustavo Petro, antigo militante do M-19, e Francia Marquez, mulher negra engajada em movimentos sociais antirracistas e defensora dos direitos humanos.

A primeira vez governado por políticos de esquerda e com uma mulher negra como vice, os afro-colombianos têm visto o debate sobre raça e racismo ganhar mais força na agenda pública.

“Diante do impacto do governo de esquerda, algo positivo aconteceu pela primeira vez, como trazer para o debate cotidiano o problema racial que existe na Colômbia. Por outro lado, ver em Ministérios como Educação e Esportes duas negras à frente da pasta, além de orgulho, criou novos referenciais para a atual geração”.

Advogada, ambientalista e de comunidade afro, Francia apresenta uma agenda política que coloca a população afro-colombiana e indígena em destaque. Em entrevista exclusiva à Alma Preta Jornalismo, a vice-presidente concluiu que o “objetivo é garantir que negros, indígenas e toda a humanidade vivam livres e com dignidade. Chegou a hora de mais de 200 milhões de afrodescendentes da América Latina se unirem e traçarem agendas políticas que enfrentem o racismo estrutural”.

Leia mais: ‘Brasileiros tomarão a decisão certa: o lado da vida’, diz Francia Márquez

Logo no início do mandato, o governo colombiano anunciou a criação do Ministério de Igualdade e Equidade, visando políticas que beneficiem as populações marginalizadas. Para Francia, “O objetivo é garantir que negros, indígenas e toda a humanidade vivam livres e com dignidade”.

A vice sofreu uma tentativa de atentado, em Yolombó, em janeiro (10) deste ano. Na ocasião foram encontrados sete quilos de explosivos na estrada próxima a residência de sua família. A visita ao seu antigo povoado estava agendada dias antes, e o material foi encontrado durante inspeção prévia da equipe de segurança.

No Twitter, Francia usou sua conta para denunciar o atentado. “No entanto, não vamos parar de trabalhar, dia após dia, até alcançar a Paz Total que você sonha e precisa. Não desistiremos até que em cada território seja possível viver em verdadeira harmonia”.

A luta contra o racismo na Colômbia, contudo, não se iniciou em 2021, com a vitória de Petro e Francia. Existem organizações históricas do movimento negro no país, que remontam à década de 1980, do século passado. O Processo de Comunidades Negras (PCN), Movimento Cimarrón, Movimento Rastafari e os Conselhos Comunitários, que funcionam de maneira independente ao governo.

Os afro-colombianos, como os brasileiros, também se utilizam da cultura para manifestar-se contra o racismo, como o grupo ChocQuibTwon, que mescla a influência dos ritmos tradicionais do litoral pacífico do país, com gêneros modernos e letras compromissadas com a luta antirracista. Gloria Martinez, Carlos Valencia e Miguel Martínez compõem o trio. O artista Santiago recorda que as barreiras impostas pelo racismo empurraram a comunidade negra para esses espaços.

“Esses espaços são ocupados porque é uma das poucas oportunidades oferecidas para se destacar como pessoa. Isso aliado a ter o biotipo, compreensão e relação com a natureza. Com isso, você pode crescer no campo esportivo e cultural”, conta.

Ele diz que o mesmo não ocorre no esporte, em que há grande presença de pessoas negras, em especial no futebol. A seleção colombiana é composta majoritariamente por atletas negras, alguns com grande destaque internacional, como Yerry Mina, Cuadradro, e históricos atletas, como Rincon e Armero. Eles, contudo, não se envolvem de maneira ativa na luta contra o racismo.

“Há pouco trabalho por parte dos atletas para enfrentar o racismo. Muitos são absorvidos pelo sistema e se dedicam à boa vida, esquivando-se do racismo depois da fama, mas igualmente tocados pelo peso do racismo. Eles são levados para morar em outros espaços e países. O trabalho com eles tem que ser feito desde pequenos”.

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