A seleção belga participa dessa Copa do Mundo com um atacante de origem congolesa, Romelu Lukaku. A história de dominação da Bélgica no continente africano tem dois capítulos marcantes de violência, em Ruanda e no Congo
Texto / Pedro Borges
Imagem / Getty images
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A Bélgica não é exceção nessa Copa do Mundo. Levantamento feito pela Organização Mundial para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD) mostra que uma parte significativa das seleções europeias tem uma maior presença de jogadores imigrantes e de descendentes deles do que a proporção normal do país.
A seleção de Kevin De Bruyne, Thibaut Courtois e Eden Hazard não foge à regra. Se 12,1% da população é composta por imigrantes, 47,8% da equipe nacional masculina de futebol é formada por imigrantes e seus descendentes.
Um dos exemplos desse processo é o centroavante e artilheiro do time, o atacante do Manchester United (ING), Romelo Lukaku. De origem congolesa, o atacante escreveu para um site internacional especializado em esporte que quando seu desempenho é bom, é o “jogador belga”. Quando vai mal, é o “jogador belga de origem congolesa”.
A diferença de tratamento apontada por Lukaku faz uma direta menção ao racismo e à relação histórica entre as duas nações, a Bélgica e o Congo. A nação africana foi colônia belga por mais de 50 anos, e vítima de um dos regimes de dominação mais violentos da história.
Os belgas também participaram de outro capítulo triste da história da humanidade, que foi o genocídio em Ruanda, rivalizado entre os grupos étnicos tutsi e hutus.
Congo
O continente africano, pós revolução industrial, passou a ser repartido pelas grandes potências europeias com o intuito de dividir mercados e áreas de extração de matéria prima e com mão de obra barata.
Leopoldo II, rei belga, recebeu o território como Estado “Livre” do Congo, uma área 76 vezes maior do que a Bélgica, durante a Conferência de Berlim de 1885, com a presença de 14 países europeus e os EUA.
O rei, que acreditava ser necessário expandir os territórios belgas para que o país se tornasse uma potência mundial, fez logo uma divisão do território hoje conhecido como o Congo, de forma a impedir a instalação de colonos nas terras sem o pagamento de uma quantia regular, e cobrava uma parte do produzido pelos nativos.
Os interesses na região começaram com a retirada do marfim e a colheita da seiva de seringueiras para a produção da borracha.
Independente do produto, os métodos de controle e as punições para aquelas e aqueles que não cumpriam com as metas pré-determinadas foram muito violentos, com a mutilação de pessoas, incluindo crianças, chicotadas e outros tipos de tortura.
A independência do Congo viria décadas depois, em 30 de Junho de 1960, com um processo de luta que conta com a participação de um dos maiores líderes africanos, Patrice Lumumba, e com a articulação do Congresso Pan-Africano, que em 1958, apresentou a necessidade de se fortalecer lideranças nacionais e africanas.
Ruanda
Em 1994, em menos de 1 anos, cerca de 800 mil pessoas foram assassinadas em Ruanda. A maioria étnica do país, os hutus, com 85% de representação entre os cidadãos do país, vitimaram os membros da minoria étnica, os tutsi, com 15%.
O conflito é até os dias de hoje, apresentado como uma demonstração de barbárie, é resultado de um processo de dominação belga.
Quando os belgas chegaram ao país, os tusti eram pastores e os hutus, agricultores. Segundo as teorias eugenistas e o dwarvinismo social, os belgas decidiram pelos tusti como um grupo “superior”, e escolhem por se aliar a eles para governar, e dominar os hutus.
A proximidade dos belgas começa a mudar quando os tusti passam a exigir a independência do país, o que faz os belgas mudar de lado e passar a apoiar os hutus.
A independência belga ocorre em 1959, com a posse de um governo hutu. O que ocorre na sequência, depois de tenciona a rivalidade entre as etnias, é o início a uma perseguição aos tusti, com muitas pessoas se exilando em países vizinhos como Uganda, Burundi e Tanzânia.
Anos mais tarde, um grupo de exilados forma a Frente Patriótica Ruandesa (FPF), invade o país em 1990, e se inicia um primeiro conflito pela direção do território, que vai ser pacificado em 1993.
O estopim da guerra ocorre em 6 de Abril de 1994, quando o avião do presidentes de Ruanda, Juvenal Habyarimana, e do Burundi, Cyprien Ntaryamira, ambos hutus, sofre um ataque, é derrubado, e os dois são vitimados.
Grupos extremistas hutus responsabilizam a FPF, e então se iniciam os ataques mais violentos. Os tutsi dizem que o ataque fora de responsabilidade de grupos armados hutus, que almejavam uma justificativa para o extermínio.
Independente das justificativas, a matança seguiu por muito tempo, com poucas interferência da ONU, ou mesmo das potências europeias.
A pesquisadora Andréia Couto, autora da obra “O país das mil colinas”, em entrevista para o professor Dennis de Oliveira, afirma que “seria incorreto analisar a eclosão do genocídio somente a partir das relações de opressão/submissão seculares entre as duas etnias. Enquanto existentes localmente, sem a inferferência externa do elemento europeu, essas ligações eram reguladas por mecanismos internos da própria sociedade. Uma vez chegados os colonizadores, essa engrenagem é propositalmente desestabilizada para os fins políticos coloniais.”