Formado por congressistas negros e democratas, o Black Caucus (BC) é uma articulação política de parlamentares que luta contra o racismo e pelos direitos dos afroamericanos. Ao todo, 56 parlamentares da Câmara de Representantes e 2 senadores compõem o grupo político, com destaque para alguns papéis de liderança na Câmara.
Pilar na luta contra o racismo da polícia estadunidense e contra o sistema de justiça criminal, o BC tem ampla atuação na política dos EUA. O grupo político busca enfrentar a disparidade racial do país no legislativo, pelo Congresso, em prol da população afro-americana, e as demais comunidades marginalizadas nos EUA. Dentre as prioridades do grupo, estão a garantia ao acesso à educação de excelência; assistência médica acessível e de qualidade; salários justos e condições de trabalho seguras; oportunidades ampliadas para empreendedores; e maior acesso às tecnologias do século XXI.
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O grupo foi fundado em 1971, por 13 parlamentares negros da Câmara dos Representantes, resultado de anos de luta do movimento por direitos civis. “Como muitos membros do BC vieram de movimentos ativistas, geralmente como lideranças de movimentos pelos direitos civis, eles trouxeram suas preocupações com a justiça racial e econômica para seus novos cargos. Eles logo entenderam que não eram mais manifestantes do lado de fora, mas, em seus novos papéis como legisladores”, comenta David Ruffin, jornalista e analista político.
Uma Caucus é um grupo formado por parlamentares que compartilham o mesmo objetivo e se reúnem para representarem seus ideais no Congresso norte-americano, similares às bancadas da Câmara no Brasil.
Com o cargo de líder da maioria da Câmara, James E. Clyburn é um representante da Black Caucus, assim como o Presidente do Caucus do Partido Democrata, Hakeem Jeffries, ou Barbara Lee, co-presidente do Comitê de Política e Direção Democrática. Além deles, outros 33 representantes do Black Caucus ocupam presidências de comitês e subcomitês da Câmara.
Atualmente, a presidência do BC é ocupada pela deputada democrata Joyce Beatty, que possui longo currículo de legislações e financiamentos conquistados para a população afro-americana. São mais de 90 peças legislativas, entre diversos aportes financeiros e uma presença no apoio das manifestações do “Black Lives Matter”. Em 2015, a deputada teve sua peça legislativa de combate ao tráfico infantil adicionada na Lei de Justiça para Vítimas de Tráfico, sancionada pelo presidente Barack Obama.
O Congresso estadunidense
Nos Estados Unidos, o Congresso é composto pela Câmara dos Representantes e pelo Senado. Similar à nossa Câmara de Deputados, a Câmara dos Representantes possui parlamentares eleitos de cada estado, que juntos somam 435 cadeiras distribuídas entre Democratas e Republicanos. Já o Senado possui 100 parlamentares, também eleitos por voto popular. Apesar de já terem tido participação dos Republicanos ao longo da história, hoje o Black Caucus apresenta um corpo político inteiramente democrata.
Na fatia de democratas da Câmara dos Representantes, o BC representa 12,87% dos deputados. No Senado, onde os democratas possuem a maioria sobre os Republicanos, o grupo ocupa 2 das 50 cadeiras disponíveis para o partido. Nos EUA, a porcentagem da população de afro-americanos é de 13,6%, segundo censo oficial.
Desde sua criação, a BC busca equiparação racial dentro das Casas Legislativas no país. O início da articulação veio na década de 1950, quando a influência separatista da Guerra Civil impediu a inserção negra por anos. De acordo com David Ruffin, isso só aconteceu após a aprovação da Lei dos Direitos de Voto, conhecida como Voting Rights Act, no final da década de 1960.
David conta que o partido democrata também sofria com resquícios supremacistas e manteve a segregação na política até o ano de 1935. “Durante o século XIX e o primeiro terço do século XX, o Partido Democrata foi dominado por pessoas que mantinham a prática da escravidão e eram defensoras da segregação racial.”
Com a pressão dos movimentos sociais, a legislação norte-americana passou a ter mais espaço para elaborações de legislações progressistas. Esse avanço teve relação direta com a aprovação da Lei dos Direitos Civis e a Lei do Voto, que permitiu pessoas negras a participarem das eleições e trouxe maior representação negra para a política estadunidense.
No presente, a Caucus ainda possui grande peso na democracia norte-americana. Em resposta à brutalidade policial contra a comunidade negra, em 2021, a CBC aprovou projeto de lei na Câmara de Representantes que limita a violência policial. O nome do projeto é em memória a George Floyd, homem negro morto por policiais em 2020 em Minneápolis.
O Black Caucus e o desafio do perfilamento racial estadunidense
O projeto de lei “Lei George Floyd de Justiça no Policiamento”, aprovado em 2021 na Câmara de Representantes, facilita a punição para agentes policiais que violarem direitos constitucionais dos suspeitos. Além disso, coíbe práticas consideradas violentas, como o sufocamento que levou Floyd à morte. Além do abuso de força, o pacote também mira em abordagens que violam os direitos constitucionais.
Dois anos depois da BC ter conseguido sua aprovação na Câmara, onde os democratas possuem mais força política, o projeto enfrenta empecilhos para ser aprovado no Senado. Em fevereiro deste ano, a bancada de congressistas se encontrou com o presidente Joe Biden, no salão oval, para discutir a urgência da aprovação e possíveis medidas para alavancar a proposta.
A pauta retomou espaço após a morte de Tyre Nichols, de 29 anos, espancado pela polícia de Memphis em janeiro. As investigações do caso tornaram público a unidade especial da polícia destinada ao patrulhamento de rua, a unidade Scorpions. Na reportagem do NY Times, moradores da cidade e outras vítimas da unidade denunciam o modus operandi de brutalidade. As investigações indicam que a unidade de patrulha urbana era usada como dispositivo de violência contra a população negra de Memphis.
O nome da unidade servia como sigla para “Street Crimes Operation to Restore Peace in Our Neighborhoods”, ou “Operação de Crimes Urbanos para Restaurar a Paz em Nossos Bairros”.
O assassinato reaqueceu a discussão sobre o texto, que segue parado no Senado desde sua aprovação na Câmara. Durante esse período, diversos outros casos de brutalidade policial explodiram nos EUA. O ano de 2022 terminou como o mais letal para a população negra nos últimos 10 anos. Ao menos 1.117 pessoas foram mortas pela polícia estadunidense no ano passado.
Dias antes da reunião, a vice-presidenta, Kamala Harris, discursou brevemente no funeral de Tyre, na igreja Mississippi Boulevard Christian Church. A democrata, que participou da criação do projeto de lei enquanto ocupava o cargo de senadora, prestou condolências à família.
Apesar de já ter sido aprovada em 2021 na Câmara dos Representantes, o pacote de leis enfrenta dificuldades em passar pelo Senado. Para sua aprovação será necessário reunir 60 votos dos senadores. Como o Senado possui representação igual entre os partidos, será preciso conquistar 10 votos dos Republicanos. Na última votação, em 2021, apenas um republicano votou a favor da emenda. A queda da imunidade qualificada, que impede o processo de penalização de policiais, divide opiniões dos congressistas.
Black Caucus e o Brasil
A comunidade negra ao redor do mundo também é uma preocupação para o Black Caucus. Em entrevista com David, o jornalista explica que um dos princípios do Caucus é “que a política externa dos EUA promova o direito fundamental da dignidade humana em relação à África e países em outras partes do mundo”.
Em 2019, o Congresso Black Caucus contou com a presença da Coalizão Negra por Direitos, representada por Douglas Belchior (Uneafro Brasil), Sara Branco (Ceert) e pela ativista Juliana Góes, em Washington DC. No evento, a Coalizão buscou apoio para enfrentar as investidas do governo Bolsonaro contra territórios quilombolas, com a base de Alcântara.
Na ocasião, o congressista Hank Johnson demonstrou apoio à comitiva brasileira. “O governo brasilero deve seguir a sua constituição e consultar as comunidades quilombolas antes de impor a base essencial de Alcântara sobre eles”, concluiu o parlamentar. Em outro momento, na tribuna do Congresso americano, o político se posicionou contra as negociações de Trump e Bolsonaro sobre o território quilombola.
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