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Black Lives Matter: Trump e mídia brasileira representam a direita branca

8 de julho de 2016

Entrevista: Pedro Borges / Entrevistada: Ashley Yates, integrante do Black Lives Matter / Tradução: Pedro Borges e Pedro Figueira

Ashley Yates é organizadora e estrategista da campanha Black Lives Matter (Vidas negras importam). Ashley participou da articulação dos protestos em Ferguson, Missouri, depois do assassinato do jovem Michael Brown pelo policial Darren Wilson. Ela acompanha a luta anti-racista no Brasil. Ashley mostrou encanto com o momento vivido pelo movimento negro no país e descontentamento com o avanço da direita.

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Quais os impactos do movimento Black Lives Matter nos EUA e na vida da comunidade negra?

Black Lives Matter, como movimento de agrupar o sofrimento negro, tem estimulado a comunidade negra nos EUA e criado uma bandeira comum para a população negra utilizar contra, não somente a violência policial, mas também as múltiplas formas de violência estatal, a pressão econômica e o racismo estrutural.

Por que é necessário afirmar que “black lives matter” (as vidas negras importam)?

Nós temos que afirmar que as vidas negras importam pelo mesmo motivo que a gente deve afirmar que todas as vidas importam, porque todos os seres humanos merecem o mínimo de dignidade e muitas vezes as vidas negras não têm isso.

Por que algumas pessoas ficam incomodadas com o fato da expressão Black Lives Matter (vidas negras importam) ser usada no lugar de All Lives Matter (todas as vidas importam)?

Acreditar que as vidas negras importam não significa dizer que nenhuma outra importa. Afirmar que as vidas negras importam não vem no sentido de desconsiderar as demais. Amar pessoas negras não é necessidade de ninguém, mas às vezes, por conta do pensamento das pessoas, é necessário afirmar.

Historicamente, a população branca afirma sua identidade negando direitos básicos à população diferente deles. As pessoas que ficam incomodadas com a frase “Black Lives Matter” são normalmente temerosas de que o que elas deram para nós possa retornar em algum sentido. Esse é um problema para eles resolverem e superarem, não nosso.

Por que a união negra é tão importante?

A unidade negra é a chave para a transformação do poder e para a organização de pessoas que têm sido discriminadas e julgadas por conta da cor da sua pele. É necessário que a gente se veja refletido em cada um através das barreiras que a opressão, a colonização e os efeitos que o racismo criaram de maneira intencional para nos manter numa condição de não nos identificarmos uns com os outros. Aqueles que se beneficiam da nossa opressão são dependentes dessa divisão, para assim manter a falsa supremacia que na verdade só é positiva para a minoria dos seres humanos em todo o mundo.

O movimento Black Lives Matter age de maneira a impedir a violência policial contra a comunidade negra. Esse é o princípio central? Quais são os demais da organização?

Ênfase significativa tem sido dada em um determinado problema social, de como com frequência aqueles que são responsáveis por servir e proteger são na verdade os que atuam de maneira extrajudicial (fora da lei), matando e enfrentando nenhuma consequência.

Isso acontece em partes porque o movimento Black Lives Matter ganhou atenção mundial nas redes sociais depois da não acusação de Darren Wilson, em St. Louis, minha cidade natal, em Missouri. Wilson atirou em um desarmado adolescente negro, Michael “Mike” Brown, e por meses nós promovemos massivos protestos.

Durante esse momento, a polícia jogou gás em nós, atirou balas de borracha, prendeu e cometeu mais uma série de atos de violência contra todos aqueles que estavam protestando não só contra a morte de Mike Brown, mas contra as muitas anteriores. Imediatamente depois, protestos em solidariedade aconteceram em centenas de cidades por todo o mundo, e em muitos casos a frase Black Lives Matter foi utilizada para descrever a causa.

Enquanto a violência policial estava motivando a movimentação e continua a ser um motivo para nos motivar, as pessoas começaram a trabalhar sob a ideia de as vidas negras importam em todos os aspectos da vida. Pessoas lutam pela vida negra através da economia, ecologia e por muitas outras questões em que todos entendem que as pessoas negras frequentemente recebem o pior e todos nós concordamos com um ponto: é hora de mudança!

Qual a sua opinião sobre o show de Beyonce durante o Super Bowl e de Kendrick Lamar’s durante o Grammy? Qual foi a repercussão nos EUA?

Tem uma frase entre as pessoas negras mais velhas aqui nos EUA que é a seguinte: “Quando o movimento é forte, a música vai ser forte”. A elevação da identidade negra no mainstream musical é um reflexo direto do incansável trabalho dos organizadores e das destemidas ações de toda comunidade negra, que têm crescido nos últimos anos.

Como você enxerga a possibilidade do Donald Trump ser o presidente americano?

A ofensiva racista contra o primeiro presidente negro dos EUA, alimentada pelas falsas narrativas de que o mandato de Obama curou em alguma medida o racismo americano, corrupção e hipocrisia, significa que o nosso momento cultural é mais bem vindo do que nos últimos anos ao racismo declarado.

A população negra está lutando de maneira coletiva e negando a injustiça de um modo que a minha geração não havia visto. O medo da equidade por parte de racistas e brancos proporciona o suficiente de votos para de maneira simbólica eleger o racista Donald Trump, como uma força contrária à ideia de que a opressão não é natural e que as vidas negras importam.

Entre os princípios do movimento Black Lives Matter, estão o destaque para a luta internacional contra o racismo e a empatia entre a comunidade negra. Como você avalia a situação da população negra no Brasil?

Nossos opressores se organizam de maneira global, por isso precisamos fazer o mesmo. Quando a polícia lança gás em mim ou em Ferguson, eles estão usando táticas e equipamentos conquistados por meio de visitas e relações com Israel, que os usam contra a Palestina no Oriente Médio.

Os policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) que atuam nas favelas brasileiras foram treinados pelo FBI e pela polícia das cidades de Chicago e Los Angeles, duas das mais violentas e corruptas polícias de nosso país. A razão da organização global e da conexão internacional também é explicada por isso e por causa do imperialismo e da economia global.

Como você avalia o movimento negro brasileiro na atuação contra o racismo?

O Brasil vive um belo momento de crescimento do orgulho de ser afro-brasileiro. As mulheres negras brasileiras tiveram a sua marcha de orgulho no ano passado e o número de pessoas se identificando enquanto pardos ou pretos é maior do que em qualquer outro momento. Os negros brasileiros parecem viver o momento do Orgulho Negro e do Poder Negro (Black Power) como o movimento negro nos EUA viveu durante os anos de 1970 e 1980.

Mais negros brasileiros estão frequentando as universidades, o que pode crescer a perspectiva da população e alimentar o orgulho negro, principalmente por meio do conhecimento histórico.

O problema em potencial do acesso vem quando aqueles que não gostam de nós ou que não carregam o nosso interesse no coração, passam a controlar cada vez mais a educação.

Qual a importância de discutir gênero e sexualidade dentro do movimento negro?

Orgulho negro deve incluir toda a população negra, por isso a afirmação de diferentes gêneros e sexualidades. É importante o entendimento de como as muitas interseccionalidades oprimem não só a comunidade negra, mas como também a comunidade negra é atingida pelo sexismo, homofobia e transfobia. Isso é necessário para uma luta conjunta em que todos possamos ser por completo quem somos.

Nós temos no Brasil, assim como nos EUA, uma ideologia racista e fascista ganhando força. Os partidos de direita querem dar um golpe de estado no país. O que você pensa sobre isso? Qual o problema dessa situação para a população negra?

Existem no Brasil cinco famílias que controlam 70% de todos os veículos de comunicação. Aqui nos Estados Unidos, os seis maiores conglomerados de mídia controlam 90% de tudo o que se assiste, lê e escuta.

Nós estamos vendo os reais efeitos disso na nossa corrida eleitoral, em que nós temos um candidato que se identifica como socialista concorrendo à presidência como um democrata. O raciocínio posto foi que ele sabia que tinha que se inserir no panorama do nosso sistema (efetivamente) de dois partidos para ganhar tempo de debate, cobertura de TV e ser considerado um sério candidato.

Isso também é sentido na quantidade de tempo midiático que Donald Trump recebe– quem vomita uma retórica racista e encoraja violência nos seus comícios e em outros momentos. Ele está na frente de todos os nossos candidatos a presidência por uma larga margem no atual momento. Todos os seis principais veículos de mídia escolheram divulgar somente os seus discursos de vitória, ignorando completamente todos os candidatos à esquerda.

Como nos protestos e nos ataques da mídia no Brasil, o motivo é porque ele representa os interesses da direita, dos conservadores, das classes médias altas e do grupo racial privilegiado. Isso é uma direta reação aos protestos que eu ajudei a organizar em Ferguson que se espalharam em todo o país e então ganhou uma solidariedade internacional depois da morte de Mike Brown.

As massas populares estão querendo mudanças em nossos dois países usando a única ferramenta entendível que nós temos – nossos números. Mas mesmo que a gente controle o governo ou parte dele, a gente precisa encontrar um jeito de combater a guerra da informação que conspira ativamente para tirar das pessoas o seu real poder.

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