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‘Estava um caos’: brasileiro que fugiu de Goma relata conflito na RDC e tenta resgatar grupo de crianças

O brasileiro Pedro Cerqueira coordena um orfanato na cidade da República Democrática do Congo e busca uma forma de retirar cerca de 100 crianças da região
Um membro do grupo armado M23 monitora o acesso à fronteira com Ruanda com pessoas ao fundo, Goma, República Democrática do Congo

Um membro do grupo armado M23 monitora o acesso à fronteira com Ruanda com pessoas ao fundo, Goma, República Democrática do Congo

— AFP

29 de janeiro de 2025

O conflito em curso na República Democrática do Congo se agravou nos últimos dias com avanços de combatentes do grupo armado M23, supostamente apoiado por Ruanda. Após a tomada do aeroporto da cidade de Goma, confrontos com as Forças Armadas congolesas e tropas de missão da Organização das Nações Unidas (ONU) deixaram centenas de mortos e feridos. Os avanços do M23 se concentram em uma região rica em minérios como o cobalto.

Em nota, na terça-feira (28), o Itamaraty condenou os ataques sofridos pela Missão da ONU para Estabilização da República Democrática do Congo (MONUSCO) e a missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral na RDC (SAMIRDC, na sigla em inglês). A MONUSCO foi estabelecida no país em 2010.

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Na mesma data, em meio ao aumento das tensões internas, manifestantes em Kinshasa, capital congolesa, atacaram as sedes diplomáticas de Estados Unidos, França, Uganda, Quênia, Ruanda e Brasil.

Em nota, o Exército brasileiro afirma que combates violentos estão acontecendo na região de Goma, resultando em uma crise humanitária e deslocamento de milhares de civis. Ao redor de Goma, posições defensivas foram adotadas com tropas congolesas e africanas na linha de frente e forças da ONU em uma segunda linha defensiva.

‘A situação é bem delicada’

O brasileiro Pedro Cerqueira coordena um orfanato com 100 crianças há cerca de um ano e meio em Goma e tenta mudar a operação para Kinshasa em meio ao conflito no país. Em relato à Alma Preta, Cerqueira explica que a mudança foi justamente por questões de segurança.

“Goma é um lugar muito instável. A ONU está lá, inclusive o Brasil é um dos comandantes da missão de paz, o general brasileiro [Ulisses De Mesquita Gomes] que comanda a missão de paz. E aí, por conta dessa instabilidade, a gente resolveu mudar as crianças para Kinshasa, a capital, bem mais segura no nosso ponto de vista”, disse.

Cerqueira levou quase um mês para organizar o necessário para receber as crianças em Kinshasa, mas no retorno para Goma, na semana passada, foi informado de que o M23 atacaria a cidade e deixou a região às pressas.

“Estava um caos a cidade, todo mundo tentando ir embora, o voo que era 200 dólares, já estava 700, 800 dólares. Enfim, saí. A gente ficou com o coração muito apertado, eu nem queria sair, por não poder trazer as crianças. Ainda estamos dependendo de uma documentação para tirá-las de lá. A gente está vendo todas as maneiras possíveis de tirar elas de lá”, relata.

Imagem de uma bandeira sendo rasgada pela população da República Democrática do Congo, durante protestos na capital congolesa nesta terça-feira (28). Entre os locais atacados está a embaixada do Brasil.
Imagem de uma bandeira sendo rasgada pela população da República Democrática do Congo, durante protestos na capital congolesa nesta terça-feira (28). Entre os locais atacados está a embaixada do Brasil (Chris Milosi/AFP)

O brasileiro afirma que enfrenta dificuldades para retirar as crianças de Goma, uma vez que o espaço aéreo e as fronteiras na região estão fechadas. Ele diz que parte da documentação necessária já está pronta, mas o futuro segue incerto.

“A situação é bem delicada. Eles estão sem luz lá, sem água, fecharam todas as rotas de suprimento da cidade, estão sem Internet também. Então estou sem comunicação nenhuma. A gente não tem o que fazer, não tem como ir lá, não tem como ninguém sair, não tem como se comunicar com eles. A gente está crendo mesmo que eles são guardados por Deus e, em breve, tudo vai se acalmar e vamos conseguir tirar eles de lá.”

‘As coisas nunca se complicaram tanto’

O brasileiro Pedro Cerqueira conta que passou cerca de um ano na RDC e que já viveu outras situações de tensão semelhantes a essa, mas foi pego de surpresa pelo crescimento do conflito durante essa semana.

“Nós passamos algumas situações, sempre essas ameaças de invasão, mas sempre muito pouco prováveis, assim como essa. Porque a ONU está lá, são mais de 50 países. […] Existe agora lá uma guerra declarada mesmo, as coisas nunca se complicaram tanto em toda a história desse conflito. Inclusive, as coisas estão se complicando com a África do Sul e outros países por conta de soldados da ONU que foram mortos”, afirma.

A caminho do Brasil, onde deve passar um mês, ele acredita, apesar da escalada no conflito, que em breve a situação deve se estabilizar na RDC e que poderá retornar ao solo congolês. 

“Acredito que é o tempo das coisas começarem a tomar um rumo mais definitivo.”

Conflito já vitimou milhões de pessoas

O conflito na RDC, o segundo maior país africano em extensão territorial e lar de cerca de 102 milhões de pessoas, ocorre há cerca de 30 anos e já deixou aproximadamente dez milhões de vítimas.

Os confrontos estão focados na parte oriental do país, onde fica a cidade de Goma, capital da província de Kivu do Norte. Apesar do protagonismo do grupo armado M23, o principal pivô dos conflitos atualmente, estima-se que dezenas de grupos semelhantes existam no país.  

O Congo sofreu umas das mais brutais experiências do colonialismo, com o massacre de milhões de pessoas sob o domínio da Bélgica. A independência veio somente em 1960, sob a liderança de Patrice Lumumba, assassinado um ano depois. Desde então o país vive ciclos de instabilidade e conflitos que se agravaram nas últimas três décadas.

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  • Solon Neto

    Cofundador e diretor de comunicação da agência Alma Preta Jornalismo; mestre e jornalista formado pela UNESP; ex-correspondente da agência internacional Sputnik News.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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