Há 216 anos, em 1º de janeiro de 1804, o Haiti conquistava sua independência, fruto da luta intensa de africanos que nunca aceitaram a condição de escravizados imposta pelos colonizadores franceses e que culminou na Revolução Haitiana, a maior revolta bem-sucedida de escravizados em nações coloniais.
A colonização do país, na época chamado de Ilha de São Domingos, em 1492, começou com um massacre que resultou na extinção das comunidades originárias e impulsionou o tráfico atlântico de escravos do continente africano. Estes povos da África foram submetidos a um cenário de extrema violência. Semelhante aos negros escravizados no Brasil, eles resistiram e formaram comunidades conhecidas como Maroons – termo equivalente aos Quilombos.
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Em 14 de agosto de 1791, o combatente Vicent Ogé convocou uma revolta em uma cerimônia religiosa. O levante ficou conhecido como o estopim de uma revolta contra os franceses. Em poucos dias, mais de 100 mil escravos aderiram à revolta e tomaram a Província do Norte.
Com a captura e morte de Ogé, Toussaint Louverture assumiu a liderança na luta dos africanos pela liberdade. Os haitianos derrotaram os donos de escravos, mais de 60 mil soldados enviados pela Inglaterra e, também, 43 mil soldados do exército de Napoleão Bonaparte, tido na época como “o invencível”.
Em 1803, Louverture foi preso e assassinado pelos franceses e seu guerrilheiro Jean Jacques Dessalines assumiu a liderança da revolução e conduziu o país à independência no 1º de janeiro do ano seguinte. O país declarou oficialmente o fim da escravidão e passou a se chamar Haiti, em homenagem aos povos originários exterminados pelos europeus.
As haitianas da revolução
Apesar de a revolução do Haiti ter sido composta por homens e mulheres, a história “apagou” a participação feminina, que exerceu um papel fundamental na luta em conjunto com figuras como Louverture e Dessalines.
É o caso de Suzanne Sanité Bélair, que participou ativamente na luta contra a escravidão. Suzanne serviu ao exército de Louverture como sargento e em razão de suas habilidades de persuasão se tornou uma tenente à frente da maioria das batalhas em sua cidade natal L’artbonite e responsável pela revolta de quase toda a população escravizada contra seus proprietários. Ganhou ainda mais destaque ao participar do confronto com o exército de Napoleão.
Descrita como “Tigreza da Revolução”, ela foi capturada pelos franceses em outubro de 1802 e condenada à morte por decapitação. Mesmo diante da morte, manteve sua bravura e em seu último ato gritou “Liberdade. Não para a escravidão!”.
Outra figura feminina de importância na revolta dos haitianos, entre várias, é Marie Claire Heureuse Felicité Bonheur. Ela atuou como enfermeira e liderou uma procissão de mulheres e crianças com comida, roupas e medicamentos para atender cidades situadas pelo exército haitiano. Marie Claire também trabalhou no campo da educação, onde aconselhou e ensinou o povo africano e da diáspora a ler e escrever. De 1804 a 1806, foi a imperatriz do Haiti ao lado do marido Dessalines.
Crise até os dias atuais
Com a sua independência, o Haiti possuía um grande potencial de desenvolvimento, mas foi submetido a sanções bancárias por parte da França. O país europeu exigiu uma série de reparações que se reverteram em grandes dívidas condicionadas ao reconhecimento da independência do Haiti. Essa condição destruiu a economia e a infraestrutura local e fez com que o país seja até hoje o mais pobre da América Latina.
Desde julho de 2018, o país haitiano enfrenta um estado de insurgência popular com picos de mobilização massiva e períodos de estagnação. Uma das razões que levou cerca de 1 milhão e meio de pessoas às ruas foi a tentativa do governo de aumentar o preço dos combustíveis em 51%, com impacto no preço do transporte público, da alimentação e do custo de vida em geral.
Outra crise vivenciada pelo país é a política, marcada por escândalos de corrupção como o desvio de pelo menos 2 bilhões de dólares dos acordos de cooperação energética da Petrocaribe por parte de diversos integrantes da classe política, entre eles, o presidente Jovenel Moïse e o Partido Haitiano Tèt Kale.
Mais recentemente, em setembro de 2019, o país saiu da Petrocaribe devido ao bloqueio dos Estados Unidos sob a Venezuela. O bloqueio impede a chegada de navios cargueiros de petróleo à costa haitiana. Neste ano, o Haiti também retirou seu reconhecimento ao governo de Nicolás Maduro, apoiou o movimento contra a Revolução Bolivariana e se alinhou a geopolítica de guerra dos EUA, firmando uma posição inédita em sua história.