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Lula ganha em 12 dos 15 países africanos que votaram no primeiro turno

Para especialistas, resultado reflete política internacional do governo Bolsonaro nos últimos anos por negligenciar o continente

A foto mostra o candidato a presidência Luis Inácio Lula da Silva

Foto: Ricardo Stuckert

6 de outubro de 2022

“A polarização vivenciada no Brasil se estendeu para todo o continente africano”, diz Gustavo Carvalho, pesquisador no Instituto Sul-africano de Assuntos Internacionais. Ele mora na África do Sul há 13 anos e já passou por quatro eleições brasileiras no território. Em entrevista à Alma Preta Jornalismo, ele conta que a perda de Bolsonaro nos países africanos demonstra uma tendência ao isolamento político do governo.

Segundo o pesquisador, o Brasil está em um momento de decisão política que impacta não apenas a população que vive no Brasil. No continente africano existe uma grande expectativa com o resultado das eleições, um interesse em saber qual será o papel brasileiro dentro de discussões globais. 

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“As decisões que estamos tomando têm um impacto global muito mais amplo e o que se espera é um fortalecimento das relações bilaterais e multilaterais”, disse Carvalho

Dentre os boletins de urna de 15 países africanos, o candidato à presidência Luís Inácio Lula da Silva ganhou em 12 deles. Bolsonaro ficou na frente apenas em Moçambique, Namíbia e República Democrática do Congo. A reportagem avaliou os boletins de urnas das seções e zonas eleitorais que ficam apenas nas capitais. Os documentos foram disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no site Resultados

Lula se destacou com ampla vantagem em países como África do Sul, Angola, Costa do Marfim, Egito, Gana, Cabo Verde, Marrocos e Zâmbia. Na Tunísia, Senegal, Quênia e Guiné-Bissau, a diferença foi de até três votos entre os dois competidores. 

Ao todo, nas 15 capitais de países do continente, Lula (PT) recebeu 569 votos e Bolsonaro (PL), 492. Em terceiro lugar, o eleitor brasileiro ou naturalizado que está em solo africano escolheu Ciro Gomes (PDT), com 49 votos. Simone Tebet (MDB) ficou com 42 votos. Filipe D’Ávila (Novo) teve 11 votos; Vera Lúcia (PSTU) e Sofia Manzano (PCB) tiveram 4 votos cada; Soraya Thronicke (União) recebeu 3 votos; e Padre Kelmon (PTB), Eymael (DC) e Léo Péricles (UP) receberam 1 voto cada. 

Para Carvalho, nos primeiro e segundo governos Lula houve um discurso muito forte do Brasil ser líder entre os países emergentes, mas já no governo Dilma, a partir de 2015, começou a acontecer uma ruptura nesta narrativa. O especialista diz que após o impeachment, houve a consolidação dessa ruptura, em parte pela recessão econômica que vem acontecendo no Brasil, mas para o governo atual, ideologicamente, a África passa a não ser mais uma grande prioridade.

“Vimos o governo Bolsonaro romper com os países do sul global para se unir muito mais aos Estados Unidos e Europa, porém, esse pacto também se ruiu. Então, [o bloco econômico de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] os BRICS começaram, ironicamente, a voltar a ser uma opção de apoio ao governo”, diz. 

O pesquisador afirma que, independentemente de quem esteja como presidente, o importante é observar qual é o papel dos países africanos dentro de uma política externa brasileira e que essas reflexões tragam ações práticas. “Nos governos petistas, políticas públicas de incentivo à educação e de intercâmbios faziam com que uma elite econômica, intelectual e cultural africana viessem para o Brasil para estudar, se formar e fazer estágios profissionais. Com o governo atual governo esse tipo de migração cai consideravelmente. Isso acontece de uma forma paralela a um outro tipo de deslocamento, pois existe no mundo um tendência às migrações em busca de melhores oportunidades econômicas”. 

“Existe uma atratividade do Brasil para essas pessoas, até por ter uma população afrodescendente muito maior que em qualquer outro país. Esse movimento deve ser acompanhado de políticas públicas para que consiga lidar com a questão dos deslocamentos. O Brasil é um país constituído pelo seu histórico de migrações, olhar para isso é uma forma de fazer valer a história brasileira”, concluiu Carvalho.       .  

Renato Ferreira, advogado, especialista em relações raciais e professor de Direito Internacional, considera que com a polarização, as pautas morais e os acordos com parte do Congresso Nacional, o atual governo pode abafar possíveis falhas de sua gestão com uso indevido da máquina pública, mas na ordem internacional as relações de poder são muito mais nítidas.                

“Neste sentido, o que se viu do resultado eleitoral em países do continente africano, se viu na  maioria dos outros países. O resultado das urnas reflete a péssima imagem que o atual governo tem fora do Brasil”, disse o especialista.       

Para ele, a derrota de Bolsonaro entre os brasileiros que vivem no exterior, em especial no Continente Africano, em que mais de 3 mil pessoas estavam aptas a votar em 17 países, está diretamente ligada à sua política de isolamento internacional. “Visto como um pária  nestas relações, principalmente com o continente africano, com o qual não  passou de gestos simbólicos, sem cooperação efetiva”.        

O professor ressalta que durante os governos petistas, além do bloco econômico de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS), houve uma abertura econômica que gerou muitos empreendimentos. Segundo ele, os negócios com a África geraram, em média, 4 bilhões de dólares nos anos 2000. Em 2010 já ultrapassavam 20 bilhões, mas a partir de 2017 começaram a cair, chegando em 7,5 bilhões em 2019. Cabe salientar, ainda, que em 2020 após 40 anos, a Petrobras encerrou suas atividades no continente africano.

“Ao permanecer este cenário, o Brasil perderá a capacidade de se credenciar como um dos maiores parceiros de países africanos no século XXI. A esperança é a mudança política  para que voltemos a ser grandes parceiros. Cada vez há mais no Brasil um interesse em África, o que é muito bom por conta de nossa formação histórica, econômica e cultural, formada principalmente com o trabalho de africanos e de seus descendentes no Brasil”, destacou o docente.

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