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Ngũgĩ wa Thiong’o morre aos 87 anos e deixa legado literário em defesa da expressão africana

Autor queniano foi referência na valorização das línguas africanas e na crítica aos efeitos do colonialismo
Foto do escritor queniano Ngũgĩ wa Thiong’o.

Foto do escritor queniano Ngũgĩ wa Thiong’o.

— Reprodução/Redes Sociais

29 de maio de 2025

Ngũgĩ wa Thiong’o, um dos mais influentes escritores do leste da África, morreu na quarta-feira (28), aos 87 anos. A informação foi divulgada por sua filha, Wanjiku wa Ngũgĩ, em uma publicação nas redes sociais. “É com o coração pesado que anunciamos o falecimento de nosso pai”, escreveu.

Diversas mensagens de homenagem circularam imediatamente após a notícia. A líder da oposição no Quênia, Martha Karua, descreveu Ngũgĩ como “gigante literário e patriota”, e a Anistia Internacional, que o reconheceu como prisioneiro de consciência durante sua prisão política, agradeceu por sua “escrita pela liberdade”.

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Obras e reconhecimento

Nascido em 1938 em Limuru, Quênia, Ngũgĩ wa Thiong’o cresceu em meio ao domínio colonial britânico e à luta do país pela independência, marcada pela guerra de Mau Mau. Essas experiências moldaram suas primeiras obras, como “The River Between” (em tradução livre, “O Rio Entre”), de 1965, que analisava a tensão entre o cristianismo europeu e as tradições africanas.

Durante a prisão, escreveu em papel higiênico seu primeiro romance em kikuyu, “Devil on the Cross” (em português, “O Diabo na Cruz”), de 1980. Em 1986, publicou “Decolonising the Mind” (em português, “Descolonizando a Mente”, uma de suas obras mais conhecidas, que discute o papel da linguagem na formação da identidade e da cultura nacional.

Sua produção também inclui três memórias, ensaios e o romance em verso “The Perfect Nine” (em português, “Os Nove Perfeitos: A Epopeia de Gĩkũyũ e Mũmbi”), de 2020, que conta a origem mitológica do povo kikuyu com elementos de folclore e alegoria.

No Brasil, três de suas obras estão disponíveis para a leitura em tradução na língua portuguesa, sendo elas: “Descolonizando a Mente: A política linguística na literatura africana”, “Sonhos em Tempos de Guerra” — frequentemente cotado para receber o Prêmio Nobel da Literatura — e “Um grão de trigo”, obra de 1967 que tem como pano de fundo o processo de independência do Quênia.

Abandono do inglês e defesa das línguas africanas

Durante a sua prisão sem acusação formal em 1977, após a encenação da peça “Ngaahika Ndeenda” (“Casarei Quando Quiser”), que criticava a elite do Quênia pós-colonial, Ngũgĩ decidiu nunca mais escrever em inglês. Passou a produzir exclusivamente em sua língua materna, o kikuyu, e também em sua língua nacional, o suaíli.

“Sou completamente horrorizado pela hierarquia de línguas”, afirmou em entrevista à AFP em 2022. Sua decisão foi inicialmente recebida com incompreensão, mas o transformou em símbolo da autonomia cultural africana.

Ngũgĩ deixou o Quênia em 1982 após a proibição de grupos teatrais no país e viveu exilado no Reino Unido e nos Estados Unidos, onde se tornou professor de literatura comparada na Universidade da Califórnia, em Irvine.

Seu retorno ao Quênia, em 2004, foi marcado por recepção popular calorosa, mas também por violência: ele e sua esposa foram atacados por homens armados. Ela foi violentada e ele espancado. As motivações do ataque não ficaram claras na época.

Um ativista literário

Ao longo de sua vida, Ngũgĩ reafirmou seu papel como ativista por meio da literatura. “Sou um ativista, quero ver mudança”, declarou, conforme noticiado pela AFP. Mesmo com o reconhecimento internacional e homenagens, ele manteve o foco na luta contra o racismo, a desigualdade social e o legado colonial.

Sua obra, agora um legado cultural, possui influência em debates sobre identidade, soberania cultural e justiça social na África e no mundo. Ao rejeitar os parâmetros da literatura ocidental e defender o uso das línguas africanas, Ngũgĩ construiu um pensamento literário e político que permanece atual.

Ngũgĩ wa Thiong’o deixa três filhos, dezenas de livros e um histórico de resistência cultural que seguirá como referência para escritores, intelectuais e movimentos de valorização das culturas africanas.

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  • Giovanne Ramos

    Jornalista multimídia formado pela UNESP. Atua com gestão e produção de conteúdos para redes sociais. Enxerga na comunicação um papel emancipatório quando exercida com responsabilidade, criticidade, paixão e representatividade.

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