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No 3º dia do encontro, Ciclo Afro em Bogotá debate novos fazeres artísticos

Terceiro dia do encontro teve discussões sobre cinema, literatura e presença negra nas universidades; atividades seguem até sábado durante a programação da Feira do Livro de Bogotá
Pedro Borges/Alma Preta

Foto: Pedro Borges/Alma Preta

25 de abril de 2024

O Cinema e a Diáspora Africana foram os temas da primeira atividade do terceiro dia do Ciclo Afro durante a programação da Feira do Livro de Bogotá (FILBo), no dia 24 de abril, quarta-feira, entre as 10h e as 11h30. Os convidados para a discussão foram Bernardo Oliveira e Zulay Riascos, com a mediação de Indhira Serrano.

Bernardo Oliveira, professor adjunto da faculdade de educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresentou uma série de reflexões sobre o fazer cinema, as imposições feitas pelo mercado e as possibilidades para o desenvolvimento da técnica. Para ele, “existem muitas possibilidades de cinema, nem todas caras” e ainda há uma grande possibilidade de crescimento da arte, muito recente na história na comparação com a literatura, por exemplo.

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O cineasta acredita na possibilidade do cinema ocupar as escolas, participar do cotidiano de formação dos jovens e de se pensar em oficinas itinerárias nos territórios periféricos e negros como forma de formação técnica dos profissionais. 

Por fim, Bernardo Oliveira fez uma crítica às imposições do mercado feitas pelas plataformas de streaming, que tem ditado a forma de fazer cinema e restringido a arte para um grupo restrito de pessoas. “Não podemos restringir as potências do cinema negro do Brasil às plataformas”, afirmou. 

Como sugestão, falou da possibilidade de uma plataforma pública de cinema, que consiga abarcar obras de outros artistas, fora dos nichos mais comerciais, e pensar em novas estruturas de fazer cinema.

Diretora e produtora de cinema e televisão, Zulay Riascos sinalizou a necessidade de se construir parcerias e redes entre as pessoas que fazem cinema na Colômbia e pensar em estratégias de democratizar o acesso à tecnologia, algo fundamental para o desenvolvimento da arte.

“Há muitas pessoas fazendo cinema, mas o cinema é tecnologia. Temos que fortalecer o acesso das pessoas negras às ferramentas necessárias, assim como toda a cadeia de cinema. Fortalecer não somente a parte criativa, mas ampliar também quem escreve sobre cinema e quem distribui. Faltam mais mostras, festivais e outros distribuidores com enfoque afro”, afirmou.

Para além das maiores conexões e da necessidade de se ampliar o acesso à tecnologia, Zulay Riascos apresentou uma reflexão sobre um novo fazer cinema, que permita um modelo diferente do “extrativista”, que deixe um legado para os territórios não apenas artísticos, mas também comunitários. “Encontrar outras formas de viver e habitar o cinema”, afirmou.

‘Empresas que antes viam a gente como problema, como racistas, hoje tentam limpar o nome com isso’

Na segunda atividade, o tema foi “Estéticas, lugares e linguagens na construção de saberes antirracistas”, com a presença de Allan da Rosa, escritor, e Amanda Hurtado, antropóloga, com a mediação de Luanda Sito.

Hurtado iniciou com uma crítica acerca do racismo, como um elemento capaz de hierarquizar formas de conhecimento e com capacidade de acabar com o diálogo com diferentes formas de saber. O que ela vai identificar como um racismo epistêmico também vai subalternizar o conhecimento criado por alguns grupos, em especial o de mulheres negras.

Ela também destacou o histórico de luta colombiano contra o racismo, com a marcação de intelectuais dos anos 1940 e 1970, que conseguiram aproximar os debates sobre raça e classe no país. As discussões raciais na Colômbia, segundo Amanda Hurtado, ganharam novos contornos a partir dos anos de 1990, com o fortalecimento de uma agenda neoliberal e uma ideia associada ao multiculturalismo.

A presença do mercado foi criticada pelo escritor brasileiro Allan da Rosa, que fez uma reflexão sobre o que é ser antirracista, a partir da ideia de que determinada noção foi capturada por empresas como Carrefour e Itaú. “Empresas que antes viam a gente como problema, como racistas, hoje tentam limpar o nome com isso”, afirmou.

Allan da Rosa destacou a importância do futebol para a cultura de afrodescendentes no país e apontou o esporte como uma boa fotografia sobre as relações entre negros e brancos na cidade de São Paulo no início do Século XX.

Como exemplo, Allan da Rosa falou sobre o goleiro Barbosa, apontado como o responsável pela derrota brasileira na Copa do Mundo de 1950, no Maracanã, na final contra o Uruguai. A posição, vista como de segurança e confiança, não caberia para uma pessoa negra, de acordo com o racismo nacional.

‘Algo que me mobiliza é pensar a Amazônia como o centro do mundo’

Na parte da tarde, o tema de discussão foi “O Núcleo GERA e a formação de professores para uma Educação Antirracista: avanços e desafios”, com a presença de Wilma de Nazaré e Erinaldo Cavalcanti, com a mediação de Juliana Santana.

Professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Wilma Nazaré contou sobre a experiência do Núcleo de Estudos, Investigações e Formação de Professores(as) e de Relações Étnico-Raciais (GERA/UFPA), grupo ao qual faz parte.

Ela apresentou o histórico de grupos focados em pesquisas sobre a vida de pessoas negras nas universidades brasileiras, com a recordação do surgimento do Centro de Estudos Afro-Orientais, em 1959, na Universidade Federal da Bahia. 

Desde então houve uma profusão de núcleos com pesquisas sobre os povos africanos e da diáspora e, a partir de 2008, núcleos direcionados para investigar os povos indígenas. Para a professora, esses núcleos surgem com a necessidade de ampliação de reflexões em torno da temática racial no Brasil e na diáspora.

Wilma Nazaré conta que os núcleos também ganharam força com a Lei 10.639, que obriga o ensino da história africana e afro-brasileira nas instituições de ensino, e depois a Lei 11.645, que amplia a necessidade para os povos indígenas.

Hoje, os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs) têm 19 eixos estruturantes de pesquisa em todo o Brasil, o que permite para esses grupos analisarem os mais variados aspectos da vida cotidiana brasileira.

Erinaldo Cavalcanti, também professor da UFPA, contou sobre o papel na coordenação do núcleo GERA, apresentou o funcionamento do grupo e as conexões com universidades da região, do Brasil e dos países vizinhos, a maioria da região amazônica. “Algo que me mobiliza é pensar a Amazônia como o centro do mundo”, afirmou.

Depois, o professor apresentou ao público o relato de estudantes e professores negros e indígenas na universidade sobre os desafios enfrentados. Um dos depoimentos foi de uma mãe, ao final de um ano letivo.

“Eu vou lhe falar uma coisa porque eu tenho certeza que minha filha nunca lhe disse – isso no final do ano – no primeiro dia de aula, quando ela chegou em casa, ela chegou feliz, alegre, pulando, porque ela disse que a professora tem a mesma cor que ela e eu nunca vi ela assim tão dedicada – era uma turma de quarto ano – a fazer as atividades como eu vi ela esse ano” (e mãe me falou isso chorando e eu logicamente também ouvi chorando) “e eu não tenho como te agradecer simplesmente por ter sido professora dela porque eu sei que para ela foi muito importante”. Aí eu pensei: caramba, eu preciso entender melhor isso”, em referência ao maior entendimento sobre o racismo e as relações étnico-raciais.

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  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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