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Racismo no Leste Europeu é herança nazista, avalia cientista política

Durante a fuga de civis da Guerra da Ucrânia, são inúmeros os relatos de tratamento discriminatório dado aos imigrantes africanos; veja análise de especialistas sobre as origens desse comportamento na região

Batalhão Azov em formação na Ucrânia, grupo tem histórico de racismo e usa símbolo nazista

Foto: Imagem: Azov

10 de março de 2022

O mapa da Europa nas últimas décadas foi redefinido pelo racismo incorporado pela crença nazista de raça pura ariana, ideologia ainda muito presente em diversos países do Leste Europeu – região do conflito entre Russia e Ucrânia -, segundo a cientista política Juliana Silva.

“Desde o pós Segunda Guerra Mundial, a Ucrânia, que fazia parte da União Soviética, queria sua independência. Muitos setores da sociedade se aliaram aos alemães e seus ideais nazistas, infiltrando-se em áreas do sistema administrativo e na polícia. Nas disputas a favor e contra o alinhamento do país à União Européia dos últimos anos, ressurgiu com força esse sentimento nazista na população ucraniana com manifestações de violências raciais, sejam elas simbólicas ou físicas”, explica Juliana, que é também editora do blog Brasilidade Negra.

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O caráter discriminatório do nazismo, ao propagar o ódio contra negros, judeus, ciganos e população LGBTQIA+, teve abrigo em diversos movimentos nacionalistas de países do Leste Europeu, como Hungria, Polônia, Bulgária, Ucrânia e Lituânia, que resgatam uma suposta superioridade da raça branca. 

Segundo a cientista, a partir de novembro de 1991, com o fim da URSS e a separação dos antigos territórios comunistas, a Europa passou por diversas ondas de movimentos separatistas e incorporação de territórios deflagrados por sentimentos nacionalistas de extrema-direita, com inclinações racistas contra pessoas negras.

O grupo neonazista ucraniano conhecido como Batalhão Azov é oficialmente membro da Guarda Nacional do país desde 2014 e atua no treinamento de civis que irão combater na guerra contra o exército russo. O Batalhão Azov é um dos grupos que acreditam na supremacia da raça ariana e usa um símbolo nazista no seu emblema. Em 2010, o comandante do Azov afirmou que a missão da Ucrânia seria liderar as raças brancas numa cruzada contra judeus.

Para Flávio Francisco, professor de Relações Internacionais de Relações Internacionais da UFABC (universidade Federal do ABC), é importante destacar que a região tem um histórico de intolerância racial anterior ao nazismo alemão.

“As repúblicas bálticas, por exemplo, têm um longo histórico antissemita e de eliminação de populações romanis (conhecidas genericamente como ciganas), diminuindo esse grupo em 50% na década de 1940. A Lituânia teve a sua escola de eugenia na virada dos séculos XIX e XX e constituiu uma inteligência preocupada com o melhoramento da raça”, afirma o professor.

A própria história da Rússia tem contornos políticos que foram marcados pela segregação. “As ex-repúblicas soviéticas são reconhecidas como sociedades multiculturais, em que a dinâmica soviética contribuiu para deslocamentos populacionais que colocaram poloneses, russos, ucranianos e outras minorias em diferentes territórios. No processo de desmantelamento da União Soviética, as repúblicas, preocupadas em constituir maiorias populacionais, criaram diferentes dispositivos para expurgar as populações ‘não originais’”, aponta Flávio.

O que está acontecendo atualmente com refugiados, estrangeiros e outras pessoas de pele negra durante os desdobramentos da guerra na Ucrânia seria um reflexo também do passado de intolerância, racismo e rejeição.

“Essas são regiões nos quais cruzam rotas de refugiados de conflitos na África e no Oriente Médio. Embora algumas autoridades se preocupem em criar estratégias para a recepção de refugiados, o sentimento da população geral é de rejeição. Os refugiados, principalmente aqueles com marcadores físicos considerados não europeus, são tratados como uma ameaça externa à cultura nacional”, comenta o professor.

De acordo com Flávio, o oriente europeu construiu historicamente suas próprias hierarquias a partir da ficção da raça. “Quando africanos e latino-americanos que não são lidos como brancos se deslocam para essa região, passam a ser enquadrados em dinâmicas raciais que foram constituídas originalmente para judeus e ciganos”, diz.

Olhar de ódio

A baiana Paula Augot viajou por mais de 50 países, sendo 30 deles na Europa, e é editora do blog ‘No Mundo da Paula’. Em 2019, ela publicou um texto sobre os países mais racistas da Europa (Finlândia, Letônia, República Tcheca, Hungria, Croácia e Polônia) e as experiências de uma pessoa negra viajando por esses lugares. Por conta do crescimento da extrema direita e o racismo, hoje ela não recomenda que pessoas negras viagem sozinhas para esses destinos.

“Na Europa não existe a questão do colorismo. Existem os brancos e os não-brancos, quem é mais moreninho que a Xuxa já é considerado não-branco por lá. No norte da Polônia, as pessoas me olhavam com um olhar de ódio”, lembra Paula.

Na Croácia, na capital Zagreb, Paula conta que além dos olhares de ódio, ela chegou a ser seguida na rua. “Foi muito desconfortável. Era um olhar de mal. É uma experiência que eu não quero repetir. As pessoas me seguiam nas lojas”, comenta.

Já sobre Budapeste, na Hungria, onde existe um histórico de xenofobia e influência da extrema direita, ela conta: “Me senti péssima lá. Não queria ser tratada daquele jeito. Não esperava ser recebida com uma recepção calorosa, queria ser tratada como uma turista comum, mas o que recebi foram olhares de que você não é bem-vinda aqui”, relata.

A experiência de Paula na Europa reflete o tipo de tratamento que pessoas negras estão recebendo ao deixar o território de conflito na Ucrânia em direção a outros países na Europa. “A Polônia, por exemplo, está rejeitando e preterindo refugiados de pele negra nos primeiros dias do conflito”, pontua a cientista política Juliana Silva.

A União Africana, entidade que reúne 55 países, divulgou um comunicado, no começo do mês, com um alerta sobre o tratamento que pessoas negras que querem deixar a Ucrânia estão recebendo. O presidente da entidade Macky Sall, também presidente do Senegal, disse que os relatos de racismo são chocantes e violam acordos internacionais.

A estudante nigeriana Jessica Orakpo disse que chegou a andar por 20 horas para sair do país. Ela contou à BBC que caminhou por 12 horas e foi proibida de entrar no ônibus que estava na fronteira com a Polônia. Ela ouviu que os negros deveriam ir a pé. A estudante de medicina teve então que andar por mais oito horas.

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