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Secundaristas de Serra Leoa lutam pela saúde da mulher

24 de janeiro de 2018

Coletivo promove encontros com garotas pelo país e distribui informações sobre menstruação e absorventes, mais caros que a renda média diária da população local. Índices nacionais de violência sexual e de gênero são altos

Texto / Carolina Piai
Imagem / Reprodução

Neste mês, o Girl Up Vine Club Sierra Leone completa dois anos. O grupo, criado como um espaço de acolhimento e luta, reúne-se semanalmente na Escola Secundária para Garotas Vine Memorial, que fica em Freetown, capital de Serra Leoa. Seu maior projeto é distribuir absorventes e conversar com meninas do país sobre os cuidados necessários no período menstrual.

Cerca de 86.7% da população nacional não têm acesso à instalações de saneamento básico, de acordo com informações de 2015, da Agência de Inteligência Central (CIA). Atualmente, os absorventes custam de 7 a 10 mil lions. Por outro lado, mais de 70% das pessoas vivem com menos de 7,6 mil lions por dia, aproximadamente R$ 3,20, dados do relatório de 2013 do Departamento do Estado dos Estados Unidos.

Além disso, segundo informações da ONG Plan International, alguns grupos no país acreditam que a reutilização de absorventes descartáveis pode deixar mulheres estéreis. Serra Leoa é o quarto país do mundo com maior índice de mortalidade materna e o 15o. com maior taxa de natalidade, dados de relatório da UNICEF e da CIA.

“As consequências da falta de itens de higiene e informações sobre menstruação são garotas que não estão empoderadas de seus corpos, em termos de direitos, de sua saúde sexual, reprodutiva. Quando uma menina não tem acesso a esses produtos, seja por conta de questões financeiras ou porque não sabe que existem absorventes, por exemplo, ela usa materiais inadequados. Muitas vezes é tecido e mesmo que seja lavado todo dia pode causar infecções, com fungos, bactérias. Qual água é usada para lavar? Tem a cólera… Às vezes é água estagnada, pode transmitir malária, por ser um ponto de alta incidência de mosquitos”, afirma Yasmine Bilkis, fundadora do Girl Up Vine Club.

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Yasmine Bilkis conversa com crianças e jovens de Gbinleh-Dixon Chiefdom, no estado de Kambia, em Serra Leoa, durante encontro promovido pelo Girl Up para discutir saúde e distribuir absorventes (Foto: Reprodução/Facebook)

O coletivo promove encontros com garotas pelo país para discutir saúde da mulher e distribuir kits de higiene menstrual montados com a renda que coletam em campanhas de financiamento coletivo online. “Nós sensibilizamos garotas em escolas e instituições sobre como se cuidar durante o período”, conta Suad Baydoun, jovem serra leonesa presidenta do grupo, que subsidia os custos das atividades com a venda de cartões postais por suas participantes. Elas não recebem nenhum apoio fixo institucional.

Quando se encontram, trabalham em planos de atuação direcionados ao combate à violência sexual e de gênero, acompanham iniciativas parecidas de garotas ao redor do mundo e exercem o bem viver, com meditação e yoga por exemplo.

Anualmente, o grupo é composto por cerca de 20 meninas. Para Suad, alguns dos maiores aprendizados nesses dois anos foram “ser autosuficiente, segura, falar em público, perceber a maneira que falo com as pessoas, priorizar bons hábitos alimentares”. Com seus projetos, afetaram aproximadamente 300 garotas e promovem conversas sobre saúde da mulher e violência de gênero.

Yasmine afirma: “Violência sexual e de gênero é o principal problema em Serra Leoa, porque está em casamentos forçados, casamentos infantis, mutilação genital feminina, estupros, violência doméstica, abusos… Então esse é o principal problema, porque é estrutural, é emocional, é físico, é social, é político”.

Segundo relatório realizado pela Human Rights Watch, a alta incidência de casamentos infantis é um dos fatores que mais contribui para as taxas exorbitantes de mortalidade materna, pois muitas vezes as meninas engravidam sem estar com o corpo completamente maduro. O documento também revela que durante a guerra civil, ocorrida entre 1991 e 2002, serra leonesas foram estupradas por todas as frentes do conflito armado, inclusive por forças missionárias de paz.

No que diz respeito à saúde, Yasmine comenta: “Nós não vemos absorventes distribuídos a preços mais baixos ou gratuitamente nos hospitais e postos públicos, só camisinha masculina. Ou seja: o setor da saúde prioriza a saúde do homem”. Ela pontua que o Estado poderia também distribuir absorventes reutilizáveis ou investir em produção local, pois os que existem no país são importados e, portanto, mais caros.

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Integrantes do projeto Girl’s Up (Foto: Reprodução/Facebook)

A situação política do país

Desde 2007, Serra Leoa é governada por Ernest Bai Koroma, do partido Congresso de Todo o Povo (All People’s Congress). Segundo a BBC, a corrupção é tema tabu na imprensa local e há uso indiscriminado de leis criminais de calúnia, que restringem a prática jornalística e exercem censura. Em entrevista para o jornal Awoko, o secretário geral da Associação de Jornalistas de Serra Leoa Ahmed Sahid Nasralla denuncia a falta de liberdade de imprensa no país por conta dessa legislação e recorda que, antes de seus mandatos, o próprio presidente já foi um ativista contrário à lei — a instituição luta pela sua revogação há 20 anos.

A polícia também se mostra truculenta — no último ano, um estudante foi morto pelas forças de segurança pública durante protesto que se originou com o não pagamento pelo governo dos professores da Universidade de Njala, na cidade de Bo. Recentemente, proibiu inclusive que grupos de corrida se exercitem pelas ruas no país. Veja nas reportagens sobre o assunto em texto e vídeo.

Em março, serão realizadas eleições e Koroma não pode mais se reeleger. Conforme o Facebook da Associação de Jornalistas de Serra Leoa, o governo pode banir o uso de redes sociais e da internet durante as eleições. “É um momento muito perigoso”, conta Yasmine, enquanto comenta que as atividades do Girl Up não devem se estender pelo país durante o período por conta da corrida presidencial.

Nota

“Quando os primeiros europeus desembarcaram na costa africana em meados do século XV, a organização política dos Estados africanos já tinha atingido um nível de aperfeiçoamento muito alto. As monarquias eram constituídas por um conselho popular no qual as diferentes camadas sociais eram representadas. A ordem social e moral equivalia à política. Em contrapartida, o desenvolvimento técnico, incluída a tecnologia de guerra, era menos acentuada. Isto pode ser explicado pelas condições ecológicas, sócio-econômicas e históricas da África daquela época, e não biologicamente, como queriam alguns falsos cientistas” (trecho de “Negritude: usos e sentidos”, do antropólogo Kabengele Munanga, professor da Universidade de São Paulo).

 

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