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Protagonismo negro é cada vez mais comum em HQs brasileiras

Brasil conta com diversas histórias em quadrinhos que valorizam aspectos não-estereotipados da negritude, mas artistas ainda precisam de mais apoio
Imagem mostra exemplares da HQ "Jeremias", que o protagonista é um menino negro.

Foto: Divulgação

13 de outubro de 2023

Famosas por abordar diversos temas sociais com uma pitada de fantasia que estimula a imaginação e reflexão, as histórias em quadrinhos, ou HQs, fazem parte da literatura consumida por pessoas de todas as idades.

A publicação “O Menino Amarelo”, de Richard D. Outault, publicada em 1895 no Sunday New York Journal, marcou o início das HQs na forma como são conhecidas hoje. Desde então, movidas por grandes editoras, as histórias em quadrinhos não pararam de ganhar espaço na mídia. 

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Segundo o artigo “Os negros nos quadrinhos: entre a invisibilidade e a representação inferiorizada”, dos historiadores Guilherme da Conceição Barroso e Bruna Cataneo Zamparetti, uma vez que os quadrinhos cresceram no território norte-americano, com forte influência eurocêntrica, os personagens retratados, em sua maioria, eram homens brancos.

As obras, no entanto, demonstravam um evidente desrespeito quanto a representação dos personagens negros, sempre retratados com pele extremamente escura, lábios enormes e intelectualmente inferiores, subordinados ao homem branco. “O que é fruto do racismo social instaurado nesses países devido ao seu processo de colonização”, destacam os autores.

Porém, como forma de estimular as mídias em geral, as HQs tendem a seguir as mudanças sociais e históricas. Com a crescente luta da população negra por reconhecimento e respeito, as produções passaram a ser vistas como possibilidades de protagonismo. Obras como “A Tempestade” e o brasileiro “Mancha Solar” dos X-men, Pantera Negra, Luke Cage, Blade, são alguns exemplos da editora Marvel Comics, enquanto “Super Choque”, “Raio Negro”, “Cyborg “e  “Vixen” são destaques da DC Comics. 

Pantera Negra, da Marvel.
HQ “Pantera Negra” é uma das mais famosas do gênero. Foto: Divulgação

Quebra de estereótipos negativos

Atualmente o Brasil conta com diversos autores e obras de HQs voltadas para o público negro e que trazem personagens complexos e ao mesmo tempo pensados para valorizar a negritude

Segundo o quadrinista Rafael Calça, um dos autores da série de HQs “Jeremias”, é importante o fomento dessa centralidade negra, pois estereótipos e preconceitos chegam nas casas das pessoas a um preço relativamente baixo – como o valor de uma TV simples ou um celular barato, por exemplo, “normalizando uma hierarquia social tenebrosa”. 

“HQs fazem parte da vida de muitas pessoas, mesmo que no Brasil seja mais frequente na infância. Então é preciso que, não apenas os quadrinhos, mas todas as mídias estejam trabalhando em desfazer essa percepção, mesmo que seja difícil reverter um trabalho feito a sangue frio por gerações”, afirma.

Para Marcelo D’Salete, quadrinista das obras “Angola Janga” e “Cumbe”, existe historicamente uma falta construída silenciosamente para menosprezar HQs com protagonismo negro não-estereotipado.

“Hoje em dia explorar esse universo é não só trazer esses personagens como protagonistas. É criar novas histórias para esses personagens, o que é algo extremamente desafiador e relevante”, avalia. 

HQ “Angola Janga”, de Marcelo D’Salete, reconta a história de Zumbi dos Palmares. Foto: Divulgação

Protagonismo negro

Rafael Calça é autor de títulos como “Jeremias – Pele”, “Jeremias – Alma” e “Jeremias – Estrela”, ao lado de Jefferson Costa, e “O Fim da Noite”, com Diox.

Para quem deseja conhecer o universo das HQs com protagonismo negro, além de suas próprias obras, o quadrinista recomenda, com exclusividade à Alma Preta, os seguintes títulos: “Os Santos e Confinada”, de Triscila Oliveira e Leandro Assis; “Roseira, Medalha, Engenho e Outras Histórias”, de Jefferson Costa; “Em Ti Me Vejo”, de Regiane Braz e Marília Marz; e “Angola Janga” e “Cumbe”, de Marcelo D’Salete.

“Todos os autores negros que citei nas minhas recomendações, além das cineastas Misha Green e Issa Rae, fizeram parte da minha infância ao escreverem com maestria e sensibilidade para os super heróis que adorava. Eles moram em tudo o que escrevo, mesmo que eu não perceba o tempo todo”, relata.

O artista sugere ainda outras HQs, como “Casagrande”, de Robson Moura; “Província Negra”, de Kaled Kanbour e Kris Zullo; “Crisálida”, de Vinícius Velo; e “Pantera Negra”, de Ta-Nehisi Coates.

“Através dessas histórias entendi que era a parte emocional e as fragilidades que me aproximaram dos quadrinhos, a humanidade dos personagens – mesmo alienígenas ou sobrenaturais – que determinaram que as histórias seriam a minha casa quando o mundo fosse pesado demais. Espero, de coração, poder oferecer isso também através do meu trabalho”, diz Calça. 

Já Marcelo D’Salete recomenda HQs como “Carolina”, de João Pinheiro e Sirlene Barbosa, que retrata a história de Carolina Maria de Jesus

O pesquisador e pedagogo Carlos Antônio Teixeira, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), lançou recentemente duas histórias em quadrinhos com foco no protagonismo negro e feminino na área científica. Fruto de sua pesquisa de pós-doutorado, os projetos tiveram apoio da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e do Consulado dos Estados Unidos.

A HQ “Meninas e Mulheres na Ciência”, por exemplo, traz como personagem principal uma garota negra que sonha em ser cientista. A história traz no decorrer de suas páginas aspectos sociais e culturais da sociedade brasileira. A missão da personagem é discutir com seus colegas a presença feminina na ciência nacional, citando nomes como o de Enedina Alves Marques, primeira mulher negra a se formar como engenheira civil no país.

Como apoiar o trabalho de quadrinistas negros?

No Brasil, os quadrinistas negros ainda enfrentam barreiras como a falta de conhecimento das pessoas a cerca da existência de seus trabalhos. Marcelo D’Salete aponta o fomento de discussões sobre essas narrativas como uma forma de apoiar esses artistas.

“Quadrinistas negros e negras aqui no Brasil ainda estão à procura do seu público, como boa parte do quadrinho nacional, inclusive. Acho que nós precisamos fomentar a discussão desses autores, discutindo, trazendo para a pauta essas obras, trazendo uma crítica interessante sobre esses trabalhos para que as pessoas possam ter mais acesso a essas novas narrativas que estão surgindo”, avalia. 

O quadrinista Marcelo D’Salete. Foto: Renato Parada/Divulgação

Rafael Calça, por sua vez, menciona a necessidade de mais oportunidade de publicação, pois os leitores irão desenvolver interesse pelo o que estiver na prateleira. Segundo o artista, os consumidores de HQs feitas por quadrinistas negros ou com temática racial podem ajudar a fortalecer os trabalhos com a indicação para outras pessoas, sugestões de novas narrativas ou até mesmo presenteando entes queridos com os quadrinhos.

“Reforçar a presença dessas histórias em seu dia a dia pode parecer pouco, mas temos um poder enorme em moldar a nossa realidade e a das pessoas ao nosso redor. Com isso, surgirão novos leitores, que desejam narrativas que os mostrem como um espelho, e não uma caricatura maldosa”, reforça.

O quadrinista Rafael Calça. Foto: Divulgação

O quadrinista acredita que grandes editoras precisam fazer parte de uma mudança positiva para constatarem que há público para histórias diferentes das que foram estabelecidas por tanto tempo. 

“As editoras deveriam sentir vergonha de ter 80% de publicações contando histórias brancas,  deveriam sentir vergonha de publicar autores racistas e eugenistas como Lovecraft e Monteiro Lobato. Elas devem decidir de que lado da história estão e que tipo de pessoas são por trás de uma empresa”, conclui Calça.

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  • Caroline Nunes

    Jornalista, pós-graduada em Linguística, com MBA em Comunicação e Marketing. Candomblecista, membro da diretoria de ONG que protege mulheres caiçaras, escreve sobre violência de gênero, religiões de matriz africana e comportamento.

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