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Violência e apagamento: a história da comunidade negra na Argentina que não nos ensinam nas escolas

21 de fevereiro de 2019

A comunidade afroargentina tem uma trajetória bastante violenta, repressiva e marcada pelo apagamento

Texto / Agustin Elián
Tradução / Karen Valentim
Imagem / Reprodução

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Em 1729, a cidade de Buenos Aires, capital argentina, estava povoada por umas 24 mil pessoas, das quais 7 mil eram de origem africana. Mais adiante, quando terminou o século XVIII, os afros, mulatos e zambos eram maioria em várias províncias. Em Tucumán constituíam 64% da população, em Santiago del Estero 54%, em Catamarca 52% e em Salta 46%. Essa enorme proporção se justifica pela escravidão, que era muito praticada no noroeste argentino.

Mais de 30 milhões de pessoas foram levadas da África ao continente americano. Viajavam em condições tão precárias, que mais da metade morreu durante a travessia. Se algum dos prisioneiros resistisse em consumir alimentos, colocavam um funil em sua boca para força-los a comer.

Os traficantes não podiam permitir que seus escravos perdessem peso. Eles os queriam com saúde e fortes para poder vender com um bom preço. Todo aquele que apresentava sinais de enfermidade era jogado acorrentado ao mar. Eles os banhavam com água salgada do oceano. Com os rebeldes que tentavam escapar, aplicavam os piores castigos. Os queimavam vivos, esfolavam até a morte, aplicavam as mais desumanas torturas. Os principais donos dos africanos eram os representantes da civilização ocidental, grande parte ingleses, ainda que os portugueses e holandeses também se dedicassem ao tráfico de pessoas. Com bastante frequência, quando algum traficante ilegal se encontrava encurralado pelas autoridades, afogava seus escravizados como último recurso para evitar ser descoberto.

Aqueles afros que conseguiam escapar eram chamados de forma negativa pelos seus escravizadores como “cimarrones”, termo que, segundo o dicionário, referência o animal doméstico que escapa de seus senhores e se torna silvestre. Alguns deles chegaram a formar seus próprios refúgios, chamados “palenques” ou quilombos. Nesse momento no território argentino, os maiores proprietários de pessoas escravizadas eram os jesuítas. Em seus conventos alojavam mais de 3 mil africanos que trabalhavam em oficinas têxteis.

Ao chegar em Buenos Aires, os africanos eram armazenados em uma casa na esquina entre Belgrano e Balcarce, mas por causa das constantes denuncias dos vizinhos por encontrarem cadáveres negros na rua, mudaram o depósito para a região onde hoje está a “Plaza San Martín”. Ali próximo, no bairro Retiro, efetuavam a venda das pessoas escravizadas. Mais adiante a atividade comercial se mudaria para as proximidades do Rio Riachuelo, depois para Quilmes, e finalmente a Enseanda de Barragán.

Os principais comerciantes de pessoas escravizadas em Buenos Aires eram Martín Simón de Sarratea, sogro de Liniers e pai de Manuel de Sarratea, Isidro José Basavilbaso, avó de Carlos María de Alvear, Martín de Álzaga e José Martínez de Hoz, esse último conhecido por ter jurado com benção sua fidelidade à coroa britânica em 1806. Era o mesmo sujeito que três dias antes da formação da Primeira Junta tentou segurar a Cisneros como vice-rei. Fez parte da primeira linhagem que produziu várias gerações de personalidades nefastas para a vida dos argentinos.

As principais atividades que se destinavam aos africanos e suas descendentes consistiam em tarefas domésticas, confecção de roupas, trabalhos agrícolas, produção de artesanatos e preparação de alimentos em conserva. Mas além disso, os senhores obrigavam aos seus escravos o pagamento de um tributo. Eles tinham, então, que procurar outro trabalho para pagá-los. Assim os viajantes europeus relataram em suas cartas que os africanos em “Río de la Plata” eram tratados com maior consideração que em toda América porque eles permitiam que trabalhassem onde quisessem. A realidade é que esse círculo vicioso de crueldade se baseava no temor a não tributar aos seus senhores, o que ocasionavam em castigos que iam desde chicotadas até a prisão.

Os poucos que conseguiam comprar sua liberdade viviam no bairro do Mondongo, nome que faz alusão aos que vieram do Congo por consumir as entranhas da vaca, costume mal visto pelas pessoas “decentes” da época. Outros se instalavam na atual zona de Monserrat e San Telmo. Nos feriados saiam em procissãoo e dançavam ao ritmo dos tambores. Era a maneira de preservar os costumes que formava sua identidade africana. Com frequência os bailes eram reprimidos. Em 1820, o ministro Rivadavia proibiu aos afros que realizassem seus famosos ‘candombes’.

Durante as invasões inglesas, se formou o batalhão de pardos e morenos, formado por pessoas escravizadas cedidas por seus donos. Não eram pagos. Apenas proviam de armas e alimentos se precisassem. A retribuição prometida pelo governo foi um agradecimento pelos serviços prestados. Um dos poucos ganhos que se reconheceu foi uma moção de Juan José Castelli para que os soldados afros pudessem adicionar o gentil “don” a seu nome. Já que não podiam acessar cargo de oficiais dos regimentos, ao menos se ofereceu esse minúsculo e atrativo reconhecimento.

Em 1821, com motivo da designação das autoridades do Primeiro Triunvirato, se impediu a don Bernardo de Monteagudo ocupar o cargo de “triunviro” por sua “dúvidos filiaçao materna”. Monteagudo era descendente de africanos. O curioso do caso é que seu principal impugnante foi Bernadino Gonzáles de Rivadavia, mesmo que negando e com vergonha disso, também tinha antepassados em África.

argentina negros corpo

Apagamento histórico da comunidade negra argentina (Imagem: Divulgação)

Na Assembleia Geral Constituinte de 02 de fevereiro de 1813 se decretou que todas as crianças nascidas em território das Provincias Unidas do Rio da Plata fossem considerados livres a partir de 31 de janeiro deste ano em diante. Porém, a emancipaçao não era tao real, já que que os filhos de pessoas escravizadas dependiam do patrocinio do Estado. Assim, os afros passaram a formar parte maioritária dos exércitos que por mais de vinte anos participaram de numerosas batalhas e guerras, onde eram enviados a frente da linha de fogo. A populaçao masculina de origem africana foi descendo bruscamente. Dos 5 mil homens que cruzaram os Andes pelo comando de San Martín, a metade eram afroamericanos. Don José os considerava como os mais temidos e valentes de seus soldados. Pouco mais de 100 deles voltaram com vida a Buenos Aires.

Durante a época de Rozas, os afros desfrutaram de seu maior momento de participaçao social. A presença do Restaurador das Leis estava garantida nos candombes. Solía ia com sua esposa Encarnación Ezcurra e sua filha Manuelita. Os homens de raça negra formavam parte dos exercitos rosistas e também dos grupos de espiãs que se infiltravam em casas unitárias. Em 1840, Rozas declarou a aboliçao total do tráfico de pessoas escravizadas no Rio da Plata, mas apenas em vinte anos depois aconteceu a absoluta proibiçao da escravidao. Apesar da nova situaçao libertaria, o racismo nao desapareceu. Em 1857 somente quatorze escolas portenhas aceitavam alunxs de origem africana. No entanto, alguns entraram na politica. O coronel José Morales, do partido mitrista, chegou a ser deputado provincial, constituinte junto ao Eugenio Cambaceres, e senador em 1880. Outro militar negro, Domingo Sosa, foi deputado em duas oportunidades e constituinte em 1854.

A segunda causa mais determinante do exterminio afro goi a epidemia da febre amarela de 1871, onde morreram quase 10 por cento de toda populaçao da cidade de Buenos Aires. A maioria eram pobras que viviam em condiçoes pauperrimas de saúde e higiene. Muitos eram africanxs e afrodescendentes.

Mas também teve muito a ver com a exploraçao que os afros deveriam sofrer. As condiçóes de vida que seus senhores lhes davam eram desastrosas. A mortalidade infantil dos descendentes africanxs duplicava a das crianças brancas. O indice de nascimentos era baixissimo, já que os donos das pessoas escravizadas tratavam de imperdir os casamentos e gravidez. Muitos afroargentinxs foram para o Uruguai.

Dessa maneira, a populaçao de africanos e afrodescendentes argentinxs foi desaparecendo até transformar-se em uma excentricidade; uma raridade. Esta percepçao genralizada da sociedade moderna nao era tao real. As guerras e das epidemias foram as principais causas, as correntes migratorias que chegaram ao país também colaboraram na formaçao dessa ideia tao enraizada em nosso tempo que ignora a existencia do afro argentino. Sem duvidas, a influência que tiveram na cultura nacional é inegavel, mesmo com os esforços dos governos conservadores e parte de seus historiadores para oculta-la. O tango, a musica mais diferente dos argentinos, surgiu em reunioes celebradas pelas pessoas escravizadas, as que chamavam “tangó”. Os termos musicais “milonga”, “malambo”, “payada” e “chacarera” provém da lingua africana.

O famoso pagador radical Gabino Ezeiza era afrodescendente. Também era descendente de africano o compositor de tango Carlos Posadas, Horacio Salgán, Enrique Maciel, Cayetano Silva, Zenón Rolón e Rosendo Mendizábal. O popular “lunfardo” portenho se nutril de diversas palabras provenientes da comunidade afro argentina, como “bochinche”, “quilombo”, “marote”, “catinga”, “mandinga” ou “mucama”.

Segundo dados do censo nacional de 2010, vivem na Argentina cerca de umas 150.000 pessoas de raça afrodescendente. E 92 por cento sao de nacionalidade argentina. A menoria restante provem em sua grande parte de outros países americanos, como Republica Dominicana, Equador ou Cuba. A proporçap principal de nascidos na África tem origem do Senegal, Cabo Verde, Nigera e Guine Equatorial.

Fonte: https://is.gd/8MCHHC

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