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Abrigos sociais são sinônimo de medo e violência para mulheres negras

Segundo os dados do segundo semestre de 2022, o perfil do agressor é: homem, branco, cristão, voluntário ou colaborador dos abrigos, diz o MDH
Reprodução/Unifesp

Foto: Reprodução/Unifesp

12 de janeiro de 2023

Dados do Ministério dos Direitos Humanos (MDH) referentes ao segundo semestre de 2022 mostram que as principais vítimas de violência em abrigos sociais são as mulheres negras. Dentre as 436 denúncias registradas pela pasta no período, 291 casos registraram maus tratos contra mulheres negras – incluindo mulheres trans. São Paulo é o estado com maior número de denúncias, contabilizando 175 ocorrências.

As informações do MDH ainda apontam que os agressores nos abrigos são majoritariamente homens brancos, de faixa etária de 35 a 50 anos, cristãos, e que possuem cargos nesses locais – ou seja – as mulheres negras sofrem violência de quem deveria acolhê-las.

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“Quando a gente procura um desses abrigos para passar a noite, tomar um banho, já é uma coisa humilhante por que todo mundo deveria ter isso, todo ser humano. Só que nos abrigos isso depende de quem está lá de plantão. Se for mulher, normalmente dá tudo certo. Se for homem dá medo, porque a gente não sabe como estará o humor dele”. É o que diz a moradora das ruas de São Paulo, Cátia Cristina da Silva, de 38 anos.

Assistência social não é o bastante

Kelly Almeida, formada em serviço social e funcionária de um dos polos do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) no litoral paulista, explica que o trabalho em abrigos e locais de acolhimento é feito, muitas vezes, por pessoas que não estão aptas ao cargo.

“Nem todo mundo entende a importância do acolhimento. Eu mesma já presenciei cenas de muita violência psicológica em abrigos em que fui voluntária e percebi o quanto as mulheres têm medo de quem trabalha nos abrigos, ainda mais se forem homens”, comenta. “Quando via que algum colaborador ou voluntário extrapolava, eu sempre denunciei, porque as vítimas têm medo de falar”, completa.

O Ministério dos Direitos Humanos mostra que das 436 denúncias de violência em abrigos registradas, 388 foram feitas por terceiros, em vez da própria vítima. “Isso acontece porque se elas denunciam pode ser que encontrem esse funcionário novamente. E aí a violência poderá ser pior. Assistência social não é o bastante. É necessário um programa de políticas públicas que olhe para essas mulheres”, lamenta Kelly.

“Apanhar doeria menos”

Segundo a moradora de rua Cátia Cristina, que conversou com a Alma Preta Jornalismo, com o tempo, pessoas em vulnerabilidade social aprendem a lidar com a violência de maneira complacente, em especial, quando optam por pedir auxílio em abrigos e albergues.

“Falar que a gente apanha, eu nunca vi. Estaria mentindo para você. Mas às vezes apanhar doeria menos do que as palavras que a gente escuta. Os abrigos nem são desses caras, né? É da prefeitura. E eles [funcionários] agem como se fossem nossos donos e que o lugar fosse deles. Parece que estão nos fazendo um favor”, conta a mulher negra, que está nas ruas desde 2019.

“Eu já ouvi que eu era uma ‘macaca suja’ que vivia às custas do governo. Já ouvi que teria sorte se alguém quisesse transar comigo, que eu tenho doença. Ouvi que mesmo depois do banho eu continuava fedendo por que gente de cor tem cheiro forte. Engoli muito comentário calada por medo, mas só Deus sabe o quanto eu já chorei lembrando dessas coisas. Se para mim era difícil, você não imagina o que as mulheres trans e travestis ouviam”, desabafa a vítima.

O MDH aponta que um terço da violência sofrida por mulheres negras em abrigos sociais é cometida contra travestis e transexuais negras.

Esperança

Dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a população em situação de rua supera 281,4 mil pessoas no Brasil, e cresceu 38% entre 2019 e 2022, quando atingiu 281.472 pessoas. Já o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua mostra que São Paulo tinha 75,8 mil famílias em situação de rua cadastradas para receber benefícios sociais do governo federal em 2019. Esse número subiu para 85,9 mil em setembro de 2022.

Segundo Kelly, com a troca de governo e nomeação do advogado Silvio de Almeida para o Ministério dos Direitos Humanos, há esperança de que políticas públicas voltadas aos moradores de rua e pessoas que buscam abrigos sociais sejam prioridades, o que, segundo ela, não ocorreu na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

“Vimos um desmonte social no Brasil. Trabalhar com serviço social nesses anos em que o Bolsonaro foi presidente foi terrível, a cada semana uma pessoa nova nos abrigos, uma família nova nas ruas. Fome, desemprego, descaso. Torço para que o novo ministro dos direitos humanos, que é um homem negro que entende o Brasil como ele é, nos ajude a restabelecer a dignidade dessas pessoas, que precisam tanto”, finaliza a assistente social.

Leia também: ‘Mulheres negras são as principais vítimas de constrangimento em visitas a presídios’

  • Caroline Nunes

    Jornalista, pós-graduada em Linguística, com MBA em Comunicação e Marketing. Candomblecista, membro da diretoria de ONG que protege mulheres caiçaras, escreve sobre violência de gênero, religiões de matriz africana e comportamento.

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