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Adolescentes negros e pobres são maioria cumprindo medida socioeducativa na Bahia

Perfil é de jovens, do gênero masculino, com idades entre 18 a 20 anos, ensino fundamental incompleto e sem emprego. Maioria tem núcleo familiar sem a presença da figura paterna

Texto: Dindara Ribeiro | Edição: Lenne Ferreira | Foto: Divulgação

Adolescentes negros, sem ensino completo e emprego são 90% em medida socioeducativa na Bahia

29 de novembro de 2021

Na Bahia, 90,4% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa nas Comunidades de Atendimento Socioeducativo (CASEs) são negros, com mais da metade com idades entre 18 a 20 anos, com ensino fundamental incompleto e sem emprego. O perfil desses jovens foi traçado por um relatório produzido pela Defensoria Pública do estado (DPE-BA) e analisou dados de quatro unidades. Em duas delas, localizadas em Feira de Santana, 100% dos adolescentes em medida socioeducativa são negros.

Para o relatório, foram analisados dados de quatro CASEs da Bahia: na CASE CIA, em Salvador; CASE Irmã Dulce, em Camaçari, região Metropolitana de Salvador; e nas CASEs Juiz Melo Matos e Zilda Arns, ambas no município de Feira de Santana. Todos os 172 adolescentes identificados no relatório são do gênero masculino. Os negros representam 90,4% nas unidades, enquanto os brancos constituem 8,9% do total. Apenas um adolescente foi identificado como indígena e em 26 casos não havia informação sobre a cor da pele do adolescente, o que indica uma subnotificação dos dados raciais dos adolescentes flagrados em atos infracionais. A presença dos adolescentes negros é maior na unidade de Salvador, onde eles totalizam 37 adolescentes, enquanto os brancos somam cinco.

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Em relação à idade, mais da metade (72%) dos adolescentes têm entre 18 a 20 anos, tendo predominância maior dos jovens de 18 anos. Aqueles com idades entre 14 e 15 anos totalizaram cinco adolescentes em cumprimento socioeducacional.

Segundo a defensora pública e cordenadora da assessoria de Gabinete para pesquisas estratégicas, Fernanda Morais, o relatório expõe a seletividade operada pelas agências de segurança pública, visto que os dados evidenciam os fatores de vulnerabilização que caem, sobretudo, sobre os jovens negros.

“Ter conhecimento dessa realidade, inclusive quando analisada de forma empírica – como proporcionado por esta pesquisa – permite que sejam elaboradas e implementadas políticas públicas próprias para a redução desses fatores de vulnerabilização, consubstanciados principalmente no que diz respeito à garantia dos direitos sociais mais básicos (educação, saúde, lazer etc.) e mais especificamente sobre a população negra”, explicou a coordenadora à Alma Preta Jornalismo.

Leia também: Como a redução da maioridade penal afeta a população negra?

Roubo é a principal causa da apreensão dos adolescentes, o que significa que 53,49% cumprem medida pela infração. O homicídio é a segunda maior causa de apreensão dos adolescentes, totalizando 29,65%. Em quase metade dos casos (43%), os adolescentes estavam acompanhados por adultos na prática dos atos infracionais. Em 81,6% dos casos os adolescentes cumprem tratamento mais gravoso do que o adulto, que poderia ser responsabilizado legalmente, mas cumpre ação penal em liberdade, enquanto os jovens cumprem medida socioeducativa nas Cases.

De acordo com o defensor público Bruno Moura, da Especializada da Criança e do Adolescente da DPE/BA, o tratamento gravoso para os adolescentes é fruto do menorismo, visto como um sistema discriminatório e desigual direcionado, sobretudo, para os jovens de classes mais populares.

“Ainda vivenciamos uma cultura tutelar que permanece entre os atores da justiça juvenil, o que leva a relativização de direitos e garantias, bem como a aplicação, por vezes, de punição mais rigorosa, sempre sob o argumento que a medida socioeducativa seria ‘algo bom’ para a formação do adolescente, o que sabemos ser esta uma afirmação bastante controversa”, disse o defensor durante apresentação do relatório, na última quinta-feira (25).

Mais de 90% dos jovens em medida socioeducativa não completaram o ensino fundamental e a maioria mora com a mãe e irmãos

Na análise da escolaridade, o relatório mostrou que 94% dos jovens em medida socioeducativa não completaram o ensino fundamental, sendo que apenas dois adolescentes têm o ensino médio completo. O percentual dos adolescentes sem ensino fundamental registrou um crescimento em relação à pesquisa anterior, que apontava 87,8% dos adolescentes na mesma situação escolar.

Ao todo, 48,26% dos adolescentes que cumprem medidas estavam matriculados em escolas quando foram apreendidos. Já o percentual daqueles que não estavam matriculados foi de 37,79%.

“A ausência da escola e de tudo que ela proporciona – não somente ensino, sabemos, mas também a experiência da vida escolar como um todo – se revela como um fator importante no contexto social em que o adolescente está inserido quando comete um ato infracional […] Nesse sentido, a Defensoria Pública da Bahia intensificará o seu diálogo com a Secretaria Estadual de Educação para demandar a adoção de providências voltadas à redução desse quadro”, pontua a defensora Fernanda.

Sobre a composição familiar, o núcleo da maioria dos jovens que cumprem medidas é composto apenas por mãe e irmãos, sem a presença paterna, representando 31,40% dos adolescentes. O núcleo familiar com pai e irmãos é de apenas 1,16%. Só 2.91% dos adolescentes vivem com o pai e com a mãe e 3.49% moram apenas com a mãe. Dos 172 jovens, 21 possuem filhos (12,2%). Em comparação à pesquisa anterior, houve uma redução do percentual, que antes era de mais que o dobro: 24,7%.

Para a defensora pública, esse dado é extremamente preocupante já que o seio familiar desencadeia uma série de efeitos que impactam diretamente no gozo de direitos sociais. Sendo assim, a ausência da figura paterna se torna um agravante já que as mães solo ficam sujeitas a maiores responsabilidades, tanto financeira quanto afetiva.

“Evidentemente, a ausência do pai significa também a ausência de apoio material ao seu pleno e saudável desenvolvimento, o que faz com que as mães, por exemplo, tenham que enfrentar jornadas triplas de trabalho para garantir o mínimo sustento aos seus filhos. Via de consequência, também os filhos se verão privados de um convívio direto com as mesmas mães, que precisam se desdobrar para prover financeiramente as suas casas. Dito de outra forma, a ausência da figura paterna contribui para uma fragilização dos vínculos familiares, o que, somado a outros aspectos, acabam por empurrar o adolescente para o cometimento do ato infracional”, pontua.

Clique aqui para conferir mais detalhes sobre o relatório Adolescentes em Medida Socioeducativa de Internação (MSEI) – ano 2021.

  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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