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Africanas são as principais vítimas de abordagens violentas

Levantamento aponta que as abordagens policiais de mulheres migrantes suspeitas de algum delito são diferentes a depender das características socioeconômicas, territoriais e raciais das pessoas detidas 

Imagem: Reprodução/Richard Prose

Foto: Imagem: Reprodução/Richard Prose

8 de agosto de 2022

As mulheres migrantes da África foram as principais vítimas de violência institucional e policial no Brasil durante a abordagem para detê-las entre 2008 e 2019. É o que diz o estudo “Geografia da Criminalização: uma análise dos locais de prisão das mulheres migrantes em conflito com a Lei”, elaborado pelo Instituto Trabalho, Terra e Cidadania (ITTC).

O levantamento visa analisar as consequências relacionadas ao local da prisão das mulheres migrantes em conflito com a lei a partir de dados primários de atendimentos realizados entre os anos de 2008 a 2019, com o objetivo de investigar de que modo variáveis geográficas se correlacionam com dinâmicas específicas de criminalização e violência.

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Os dados da análise apontam que quando presas na rua, as mulheres estarão mais propensas a sofrer violência institucional, pois serão abordadas, sobretudo, pela Polícia Civil e Militar, “sendo que esta última já assumiu realizar abordagens diferenciadas a depender das características socioeconômicas, territoriais e raciais das pessoas interpeladas”..

“Vale reforçar, também, que as mulheres migrantes de nacionalidades africanas são as mais abordadas por estas polícias, o que também pode estar vinculado a um contexto de racismo”, enfatiza o ITTC.

Apenas uma mulher em cada dez é encaminhada ao hospital

O estudo constatou que a maior parte das mulheres migrantes foram presas em aeroportos, sobretudo no Aeroporto de Guarulhos (62%). Em seguida, aparecem as mulheres presas na rua (8%), em rodoviárias (6%), principalmente na Rodoviária da Barra Funda (SP), e rodovias (6%). Prisões em hotéis e em residências também são mencionadas, mas em menor proporção.

Após o flagrante, a grande maioria das mulheres foi encaminhada para a delegacia sem qualquer atendimento médico mesmo em estado de risco de saúde.

“Chama-se atenção para o fato de que cerca de uma em cada dez mulheres foram encaminhadas para o hospital, sendo que 82% estavam transportando a droga no estômago”, destaca a análise.

As mulheres com residência na América do Sul e no continente africano são as que mais utilizam aeroportos, 45% e 29% respectivamente. As migrantes da América do Sul recorrem com mais frequência a rodoviárias (50%), em comparação às demais.

Além disso, a proporção de mulheres migrantes residentes em países da América do Sul que costumam carregar drogas no estômago é maior do que a das demais mulheres migrantes atendidas.

Na rua, a violência durante a ordem de prisão é maior

No que se refere aos relatos de violência institucional, o ITTC destaca que as mulheres presas na rua são as mais suscetíveis ao cenário de violência: cerca de cinco em cada dez a expressaram. As mulheres migrantes presas em rodoviárias, por outro lado, são as que menos relataram ter sofrido algum tipo de violência (19%), seguidas das mulheres migrantes presas em aeroportos (24%).

O contexto de violência institucional está diretamente ligado à polícia responsável pela prisão, de acordo com os dados.

“Mulheres migrantes presas na rua são as mais abordadas pela Polícia Militar (39%), principalmente as mulheres provenientes de países do continente africano (45%). As mulheres presas em rodoviárias geralmente são abordadas pela Polícia Civil (71%). Já a Polícia Federal atua, sobretudo, em aeroportos (97%)”, detalha o estudo.

Mulheres africanas são também as principais vítimas de tráfico de pessoas

Em relação às vítimas de tráfico de pessoas para fins de criminalidade forçada, o aeroporto é o principal local de prisão. Apesar das latino-americanas serem maioria nos flagrantes dos aeroportos, as mulheres migrantes africanas costumam ser vítimas de tráfico de pessoas com mais frequência, segundo o ITTC.

“Neste caso, o país de residência é mais determinante do que o local da prisão, pois o aliciamento ocorre frequentemente antes da viagem e se correlaciona com as dinâmicas locais do país de origem. No entanto, a forma através da qual estas mulheres serão tratadas dependerá do local onde forem presas, uma vez que os responsáveis pela prisão também mudam”, avalia o levantamento.

Impotência

A análise aponta ainda que a geografia da criminalização possui um sentido duplo: o espaço marcado pela criminalização e a criminalização descrita através do espaço. O Aeroporto de Guarulhos, por exemplo, torna-se um local não apenas de embarque e desembarque internacional, mas, também, o local de prisão mais comum entre as mulheres migrantes em conflito com a lei.

“É um espaço marcado pela presença da polícia e de diversos mecanismos de controle de corpos: câmeras, scanners, detectores de metais, entre outros. É um local já marcado por um histórico de práticas delituosas específicas; que se volta para a identificação de ilegalidades e, portanto, se estrutura em vista desse processo”, diz.

Em contrapartida, o local em que as mulheres embarcam e desembarcam – assim como o local onde desembarcariam – ajudarão a definir a acusação e, deste modo, o tipo de crime, o tratamento dado às migrantes, e o acolhimento às vítimas (em caso de tráfico de pessoas para fins de criminalidade forçada).

“Sendo o tráfico de drogas considerado um crime hediondo pela legislação nacional, o corpo das mulheres ‘mulas’, as quais têm pouco ou nenhum poder de decisão sobre a gestão do tráfico, torna-se ainda mais perigoso e é ainda mais excluído dos espaços políticos hegemônicos”, pondera o estudo.

A análise elaborada pelo ITTC ainda destaca que existem diversos fatores sobre os quais muitas mulheres migrantes não têm nenhum controle: país de nascimento ou residência, meio de transporte (muitas vezes escolhido pelos aliciadores), local da prisão, entre outros.

“Nesse sentido, as configurações geográficas se tornam mais um elemento do poder exercido sobre a vida das mulheres migrantes em conflito com a lei. Portanto, se o espaço pode ser tão político e incidir tão profundamente na vida das mulheres, este também deve ser um elemento a ser pautado, disputado e transformado no que diz respeito à luta por direitos humanos”, finaliza.

Leia também: “Dos 90 diplomatas brasileiros em África, apenas um é negro”

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