O ativista Jackson Augusto, conhecido nas redes sociais como “Afrocrente”, é um dos nomes mais conhecidos na difusão de informações sobre teologia com o recorte racial; Na semana do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, contamos a história do articulador do movimento negro evangélico em Pernambuco
Texto: Victor Lacerda | Edição: Nataly Simões | Imagem: Imagine Desenhe
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Nascido na comunidade dos Coelhos, no Recife, Jackson Augusto, de 25 anos, carrega na bagagem a influência de um berço familiar evangélico, que desde seus primeiros passos o levou à Igreja Batista. Com a perda precoce do pai, foi criado pela mãe, também membra da igreja. Por ser técnica em enfermagem, ela tinha como um de seus pilares a luta pelos direitos dos funcionários públicos.
Inspirado na mãe, Jackson conta que nunca foi contraditório lutar por seus direitos e ter sua fé, o que hoje define sua atuação dentro do Movimento Negro Evangélico, espaço em que integra, atualmente, a coordenação nacional. Mas ocupar este espaço e poder dialogar com vários religiosos, congregações e instituições que envolvem a religião evangélica no país não foi de uma hora para outra.
Depois de 20 anos dentro de uma instituição religiosa, o jovem começou a refletir sobre situações em que teve de lidar com racismo e olhares preconceituosos. Em resposta à discriminação, ele conta que vieram os questionamentos sobre se reconhecer como um homem negro, assim como o espaço religioso em que estava inserido. “Será que nas minhas tradições religiosas eu posso encontrar respostas para situações que eu sofro?”, relembra Jackson, sobre a reflexão que foi o pontapé para a caminhada em busca de respostas que envolviam a racialidade.
O jovem percebeu que a igreja evangélica falava sobre questões políticas como violência contra mulher, abuso infantil, depressão, suicídio, mas não falava tanto sobre racismo. Além disso, Jackson já observava algumas distorções nas leituras bíblicas e na história da religião e notava alguns perfis de líderes religiosos que validavam posturas preconceituosas.
Movimento Negro Evangélico
Ter um olhar mais crítico fez Jackson estudar a bíblia por conta própria e correlacionar, através da “Teologia Negra”, a religião, as suas vivências e as necessidades de mudança de posturas no dia a dia também como uma pessoa negra. Para agregar no momento em que estava “virando a chave” e se mostrando aberto a novos horizontes, contou com a chegada da amiga Vanessa Barbosa, que estava em uma fase da vida parecida. “Me juntei com essa amiga e, juntos, decidimos ter um encontro com o Movimento Negro Evangélico Nacional – coletivo responsável por avaliar e pedir por mudanças estatais e da igreja – a fim de trazermos para Pernambuco um ponto de apoio”, lembra.
Dessa forma, em 2017, Recife tornou-se o primeiro núcleo nacional do movimento fora do eixo sudeste e teve como continuidade a adesão de mais religiosos através de encontros organizados por Jackson e mais ativistas na capital pernambucana. Os encontros começaram em pontos centrais da cidade, como a Praça 13 de Maio, até o núcleo regional conquistar confiança de outros líderes religiosos e ocuparem espaço em várias igrejas espalhadas pela cidade.
Debate sobre raça e religião
Os encontros para debater aspectos que envolviam a igreja e a raça entraram para o espaço da internet com a abertura do projeto “Afrocrente”, idealizado por Jackson, que ficou conhecido posteriormente pelo próprio nome da plataforma. Com objetivo de alcançar ainda mais jovens negros evangélicos, Jackson afirma que a ação foi resultado da vontade de ter um espaço nas redes sociais para falar com os seus, desde questões básicas sobre racialidade até o atravessamento com a religião. “Via a produção de conteúdo como uma forma de contato com a população da cidade e suas problemáticas, sempre tentando incidir em pautas plurais e religiosas”, afirma.
Hoje, o “Afrocrente” conta com a contribuição de outros jovens negros evangélicos do nordeste brasileiro, que produzem vídeos, textos e podcasts. O projeto tem como atuantes profissionais de áreas como direito, jornalismo, e tecnologia. Juntos, eles coordenam o movimento pautados pela necessidade de formação política-pedagógica no âmbito religioso e racial.
A plataforma levou Jackson a fomentar cursos de extensão e formação popular inter religiosa – pautando a teologia negra – por todo o país, além de ministrar cursos de curta duração em que discute a bíblia, negritude, a teologia negra e as contradições destes pontos.
O sonho da mudança estrutural
“Não tem como pensar em um país antirracista no futuro sem trabalhar o diálogo dentro das igrejas”, afirma Jackson, ao ser questionado sobre sua perspectiva de resultados de suas ações e de outros jovens inseridos no movimento evangélico. Ele traz o dado de que, dentro das congregações, 59% dos fiéis são negros. Com base nisso, o ativista acredita na mudança e maior abertura a discussões dos que compõem as congregações nacionais, a fim de promover, principalmente, a liberdade religiosa – contra à intolerância entre as instituições – e as necessidades e vivências do povo negro dentro e fora das igrejas.
“Acredito que futuramente teremos institutos teológicos que pensem negritude e que vão influenciar as pessoas que estão entrando para o seminário a estarem alinhadas com valores antirracistas”, prevê o ativista.
Jackson também acredita na possibilidade da inserção de espaços pedagógicos para crianças, adolescentes e adultos que ajudem na ressignificação da história bíblica e que tragam para discussão geral questões como a redução da maioridade penal e a reformulação da política nacional sobre drogas.
“Também torço para que o movimento negro evangélico funde suas escolas, seminários, igrejas e que dependam cada vez menos de estruturas tomadas pela branquitude. Acredito na autonomia do pensar e que cada vez mais pastores negros, por exemplo, não tenham medo de se posicionarem achando que vão perder espaço na instituição as quais integram”, finaliza o ativista.
Este conteúdo faz parte do especial do Alma Preta da semana do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, no qual contamos histórias de pessoas negras que se destacam em suas áreas de atuação.