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Avanços e frustrações: como foi a primeira década de afrodescendentes da ONU?

Ativistas participantes da terceira sessão do Fórum Permanente para Afrodescendentes da ONU avaliam a primeira década que tinha como foco atuar por reconhecimento, justiça e desenvolvimento
O saguão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas durante encontro do Fórum de Afrodescendentes da ONU, em Genebra, Suíça, entre os dias 16 e 19 de abril de 2024

Foto: Pedro Borges/Alma Preta

20 de abril de 2024

A primeira Década Internacional de Afrodescendentes chega ao fim em 2024 sob os lemas de desenvolvimento, justiça e reconhecimento. Apesar da proposta da ONU ter avaliações diferentes, há um sentimento compartilhado de que poderia ter sido feito mais pelos africanos e afrodescendentes.

O balanço do período, iniciado em 2015, foi feito durante a 3ª sessão do Fórum Permanente para Afrodescendentes da ONU, que ocorreu entre os dias 16 e 19 de abril, em Genebra, na Suíça. Um dos entrevistados pela Alma Preta, o advogado Rodnei Jericó da Silva, integrante do grupo Raça e Igualdade, apontou uma frustração com os resultados.

“Particularmente para mim, não senti efeito algum, razão pelo qual inclusive a própria própria ONU, o alto Comissariado, também até por um pedido de movimento negro, afro-latina-americano e caribenho, começou a pensar na possibilidade de uma segunda década”, disse.

A avaliação de Justin Hansford, integrante do Fórum Permanente para Afrodescendentes da ONU, é de que uma das poucas conquistas foi a criação do prêmio entregue às 100 pessoas afrodescendentes mais influentes do mundo. Essa foi uma estratégia para aumentar o engajamento de pessoas negras com a iniciativa da Organização das Nações Unidas. Esse avanço pode abrir portas para outros objetivos e meios, como a necessidade de mobilizar recursos e intervir na sociedade.

“Eu acho que um dos principais problemas é que não mobilizamos recursos o suficiente em termos de dinheiro e engajamento das pessoas e comunicação”, afirmou. 

Epsy Campbell, ex-vice presidente da Costa Rica e antiga porta-voz do Fórum Permanente, acredita que houve pouco compromisso por parte dos países membros durante a primeira década.

“Os resultados da primeira década são insuficientes. Em alguns casos houve retrocessos importantes, mas conseguimos um importante reconhecimento, pois poucos desconhecem hoje a existência de milhões de afrodescendentes pelo mundo. Mas a segunda década deve envolver compromissos, com planos, orçamentos e metas essenciais para mudar vidas e dar dignidade a essas populações”, observa.

A visão de Campbell é compartilhada por Michael McEachran, representante do Fórum Permanente para Afrodescendentes, que acredita que houve pouco compromisso por parte dos estados membros, mas vê com otimismo a criação do mecanismo da ONU.

“Foram feitas várias recomendações de implementação para os Estados-Membros e poucos a fizeram. No entanto, também foi sugerida a criação do Fórum Permanente e uma declaração já está em construção, com os resultados da década, então eu diria que o evento já é um enorme resultado”, destaca.

Pessoas entrevistadas pela reportagem sinalizam para a carência de mais avanços concretos, mas reconhecem a construção de alguns marcos, como a criação do Fórum Permanente, que tem mantido uma periodicidade de encontro.

Lígia Batista, diretora executiva do Instituto Marielle Franco, acredita que o Fórum “é uma criação importante, ainda que tenha os seus desafios porque a gente está falando de uma instância que compõe o sistema ONU”. Para ela, um passo importante é fortalecer a estrutura do evento.

Estes encontros aumentam a expectativa dos participantes sobre suas frequências, uma vez que se tratam de eventos que aproximam a sociedade civil das diferentes nações, e possibilitam uma maior cobrança dos estados nacionais. Com isso, Gaynell Curry, também integrante do Fórum Permanente, prevê que a segunda década será mais proveitosa e com mais conquistas concretas.

“Eu tenho feito pesquisas sobre o que já foi feito para melhorar a vida dos afrodescendentes a nível internacional no âmbito dos tratados de direitos humanos. Há recomendações que são concretas para os governos e outras entidades da ONU, por isso estou esperançoso para a próxima década”, contou.

O que esperar da segunda década?

A segunda década foi uma recomendação direta do Fórum de Afrodescendentes, solicitação que apareceu na carta final do encontro. O pedido foi endossado pelo governo brasileiro a partir da figura de Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial. e pedido endossado pelo governo brasileiro, na figura da ministra Anielle Franco.

De acordo com Rodnei Jericó da Silva, do grupo Raça e Igualdade, é necessário realizar uma análise do que foi feito nos países nos últimos 10 ou 20 anos, para chegar a um diagnóstico preciso e assim caminhar para uma segunda década.

“Cobrar efetivamente os estados que não cumpriram nada ou parcialmente o plano de ação de dúvida. Aí sim, eu acho que nós teremos uma segunda década que seja mais efetiva. Sem isso, nós teremos mais uma década sem qualquer mudança nesse cenário, infelizmente”.

Para ele, é necessário que se tenha ações como a Conferência de Durban, de 2001, evento onde movimentos sociais negros e de outros grupos raciais participaram ativamente da construção de metas  para a criação de políticas. O documento de Durban foi importante para o movimento negro brasileiro exigir a criação de políticas afirmativas, por exemplo, como a de cotas raciais em concursos públicos e universidades, além da lei 10.639, que obriga o ensino da histórica africana e afro-brasileira na rede de ensino.

Ele, inclusive, não acredita na necessidade de uma nova declaração por parte do Fórum Permanente, por conta da existência dos documentos de Durban e da não superação dos problemas observados em 2001. A princípio, a expectativa é que, dentro de meses, seja feita a publicação de um documento, a partir do que foi colhido nos três encontros presenciais e em todo trabalho executado pelo Fórum Permanente.

A declaração divide opiniões. Ligia Batista, por sua vez, defende a revisão do que foi decidido em Durban e a produção de um documento  que esteja mais conectado com os desafios do presente.

“É porque, no fim das contas, eles têm trabalhado para sistematizar as recomendações tanto da sociedade civil quanto a partir da escuta dos estados, para produzir essa declaração, que seria um documento que é mais atual. Durban falava sobre temas, inclusive, que não eram só de racismo contra a população negra. Falava de xenofobia, de questões indígenas, das populações ciganas, de várias dimensões”, explica a diretora do Instituto Marielle Franco.

“A criação de uma declaração é justamente para aterrizar nos tempos atuais. Retomar a pauta a partir de novas lentes e dos novos desafios que enfrentamos”, completa.

Independente dos caminhos, Rodnei conclui que o Brasil é um dos países que mais avançaram com a agenda e tem a possibilidade de apresentar bons resultados a nível internacional.

“O estado que mais avançou na agenda de Durban foi o Brasil. Se nós observarmos ações afirmativas tanto nas universidades como nas empresas públicas e privadas, vemos a adoção do sistema de cotas. É uma pequena parte do que chamamos de reparação, mas o país avançou”.

Thiago Thobias, assessor da Diretoria de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), PONTUA que essa é uma oportunidade do Brasil liderar o processo dentro do Fórum Permanente de Afrodescendentes por conta da posição estratégica do país.

“Com o início da nova década dos afrodescendentes, que é uma década que vem sendo construída para reparação, justiça e desenvolvimento econômico, o Brasil tem plenas condições de liderar pelo exemplo do que tem que ser feito e pelo seu potencial de dialogar com todas as nações, de construir uma agenda reparatória, tanto para acabar com o racismo como o colonialismo, que ainda afeta os países da África e, principalmente, o Haiti”.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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