No dia 10 de outubro, logo após o início do novo conflito entre Israel e Palestina, a rede de supermercados francesa Carrefour publicou nas redes sociais imagens da entrega de cestas básicas para soldados de Israel. No dia seguinte, imagens dos soldados israelenses com os produtos do Carrefour se tornaram públicas.
Ainda nas redes sociais, o Carrefour informou que a doação de milhares de suplementos aos soldados israelenses se tratava apenas de “um início”. A empresa afirmou ter “orgulho” de um esforço nacional junto dos funcionários e dos “bons cidadãos” que de maneira voluntária preparam bolsas para os soldados.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
O BDS, movimento de boicote econômico a Israel, lista uma série de empresas que violam os direitos palestinos. Entre as companhias, está o Carrefour.
“Várias empresas, ao contrário, lucram com os crimes cometidos contra o povo palestino e esse é o caso do Carrefour. A campanha de boicote serve para pressionar a empresa que cesse sua cumplicidade com o regime e ao mesmo tempo enfraquecer o estado de apartheid de Israel com a perda de investimentos”, destaca Andressa Oliveira, coordenadora de campanhas para a América Latina do Comitê Nacional Palestino do Movimento BDS.
O movimento social critica as parcerias feitas pelo Carrefour com empresas que se colocaram nos territórios da Palestina.
No dia 6 de março de 2022, o Carrefour emitiu um comunicado público para anunciar que mais de 150 lojas do mercado Yenot Bitan teriam acesso aos produtos da marca Carrefour, inclusive as unidades construídas em territórios ocupados por colonos israelenses. A Electra Consumer Products é dona da Yenot Bitan’s, ambas fazem parte de um grupo econômico chamado ELCO.
Instituições de direitos humanos internacionais, como a Who Profits, sinalizaram que a Electra Consumer Products instalou ar-condicionados em prédios públicos nos assentamentos de Modiin Illit, Maaleh Adumim e Givat Zeev, áreas em territórios ocupados ilegalmente por Israel. A Electra Infraestrutura venceu concursos para a construção de grandes obras como rodovias e túneis na Jerusalém Oriental, outro território ocupado por Israel.
De acordo com o BDS, isso significa que o “Carrefour vai se unir com companhias diretamente cúmplices com a ocupação de Israel e a colonização da região oeste”, ação descrita como um “crime de guerra”. As mobilizações do BDS contra a parceria entre Carrefour e as empresas israelenses geraram manifestações em diferentes países, em especial do mundo árabe.
“Israel mantém um regime de colonialismo, apartheid e ocupação do povo palestino. Isto só é possível graças ao apoio internacional. Os governos não conseguem responsabilizar Israel, enquanto as empresas e instituições em todo o mundo ajudam Israel a oprimir os palestinos”, afirma Andressa.
As companhias Electra Consumer Products e Yenot Bitan’s estão em uma lista de 112 empresas com assentamentos ilegais em territórios palestinos, de acordo com a ONU. Dessas 112, 94 pertencem a Israel e as outras 18 são de outros seis países, como Estados Unidos, Reino Unido, Luxemburgo, Holanda, Tailândia e França.
Essas medidas de aproximação foram celebradas pelos dois governos. Em novembro de 2022, a embaixada francesa em Tel Avivi celebrou a chegada da primeira unidade do Carrefour no país. Um mês antes, o embaixador francês, Patrick Lasfargues, diretor global do Carrefour para parcerias, enviou uma mensagem de apoio a Tel Aviv e de parabenização pela expansão.
“Nós encontramos com o time da Electra Consumer Products um espírito forte de empreendimento confirmado pela aquisição, em 2021, da Yenot Bitan. Nós também estamos confiantes que a chegada do Carrefour em Israel vai ser significativo para ajudar a desenvolver a experiência do comércio local, bem como o poder de compra do cliente com melhores ofertas a preços mais acessíveis”, disse Lasfargues.
A Alma Preta Jornalismo procurou o Grupo Electra e não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O Carrefour também não se posicionou acerca das parcerias desenvolvidas em territórios palestinos ocupados por soldados israelenses.
O BDS
O movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) surgiu em 2005, depois de uma união de 170 sindicatos palestinos, redes de refugiados, grupos organizados de mulheres, entre outras instituições, como forma de pressionar o regime de Israel de maneira não violenta. O movimento se inspirou nas ações tomadas contra o Apartheid da África do Sul, que recebeu pressão internacional para acabar com as legislações segregacionistas em favor dos brancos.
A estratégia tem se mostrado vitoriosa, com conquistas ao longo dos 18 anos do movimento. Em 2014, por exemplo, o governo chileno freou a possibilidade de construção de uma zona de livre comércio com Israel, depois da pressão interna e externa por boicote. No mesmo ano, o governo do Rio Grande do Sul anulou o desenvolvimento de um projeto de cooperação militar com a empresa israelense Elbit Systems para a criação de um microsatélite brasileiro, também depois de pressões.
O grupo propõe às pessoas deixarem de comprar em determinadas lojas, minar parcerias com outras empresas, pressionar para essas marcas não patrocinarem eventos, todas estratégias para expor a companhia.
O BDS acredita que esse seja o caminho para alcançar os objetivos do grupo, de acabar com a “ocupação e colonização de todas as terras árabes” e garantir o direito de ir e vir dos palestinos. Para o movimento, é fundamental que exista um reconhecimento dos direitos fundamentais dos cidadãos árabes-palestinos por parte de Israel e que haja o respeito ao direito dos refugiados palestinos de regressarem às terras, algo negado pelo governo de Israel.
Depois dessas garantias, o BDS acredita que o povo palestino terá a possibilidade de se autodeterminar e encontrar os caminhos para o futuro das questões territoriais. Sem isso, com um cenário de desproporção de forças, o BDS não enxerga uma saída para a situação. O grupo repudia todo e qualquer ato de violação de direitos humanos, como os que têm sido narrados desde o início do conflito, em 7 de outubro, mas destaca as disparidades existentes entre Israel e Palestina.
“Em qualquer situação de opressão, como o regime de 75 anos de colonização e apartheid de Israel, a violência é iniciada pela própria presença da opressão. A única forma de cessar a violência é que se cesse sua causa original, a opressão. O uso da força contra não combatentes é proibido, seja do lado do opressor ou do lado do oprimido, apesar do enorme desequilíbrio de poder e, principalmente, da assimetria moral igualmente enorme entre o colonizador e o colonizado”, explica Andressa.
Diante dos fatos, o BDS é a favor de um cessar-fogo imediato e total, bem como o fornecimento de bens e serviços fundamentais para os moradores da Faixa de Gaza. O grupo pensar ser fundamental “rejeitar os planos do eixo EUA-Israel para a transferência forçada de pessoas palestinas dentro de Gaza e de Gaza para o Sinai, no Egito”, bem como impor um “embargo militar e de segurança abrangente a Israel, como foi feito com a África do Sul do apartheid” e garantir a existência de investigações dos crimes de guerra cometidos por Israel no Tribunal Penal Internacional (TPI).