Oito em cada dez pacientes do SUS se declaram negros; Investimentos no setor foram congelados por 20 anos
Texto / Juca Guimarães I Edição / Simone Freire e Pedro Borges I Imagem / Sandro Barros / PMO
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A pandemia do Covid-19, o coronavírus, no Brasil teve, em cinco dias, um aumento de 160% no número de casos confirmados, segundo o Ministério da Saúde. Com o número de casos se alastrando consideravelmente, a previsão da pasta é que o Sistema Único de Saúde esteja sobrecarregado em poucos dias.
Esta hipótese gera diversas preocupações, principalmente para a população negra, que representa 80% dos pacientes atendidos pelo Sistema, e que já tem dificuldades de acesso ao atendimento de qualidade.
“A população negra já enfrenta um alto grau de vulnerabilidade pela falta de equipamentos da saúde pública, pelo sucateamento do SUS”, disse a bióloga Maria José Tavares, mestra em Patologia Humana pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Fundação Oswaldo Cruz.
Tavares considera o SUS um programa estratégico e capaz de combater a pandemia, porém, a atuação do governo aumenta os riscos para a população porque vai na contramão do investimento. Ela cita como exemplo a Proposta de Emenda Constitucional (PE) 95, aprovada no final de 2016 no governo Michel Temer (MDB), e que congelou por 20 anos os investimentos em Saúde.
Soma-se a isso o fato de, no final do ano passado, por exemplo, o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ter cortado cerca de R$ 7 milhões do orçamento para a pasta da Saúde.
Doenças crônicas
O vírus pode ser fatal para quem tem diabetes, asma ou hipertensão. Estas são doenças crônicas pelas quais a população negra está mais vulnerável. De acordo com o relatório de Política Nacional de Saúde da População Negra lançado em 2017 pelo Ministério da Saúde, por exemplo, a hipertensão é mais alta entre os homens e tende ser mais complicada em negros, de ambos os sexos.
Por sua vez, a diabetes atinge com mais frequência os homens negros (9% a mais que os homens brancos) e as mulheres negras (em torno de 50% a mais do que as mulheres brancas).
Quarentena?
Ficar em casa e evitar o contato social é a principal orientação para controlar a expansão do Covid-19, segundo os órgãos de saúde e autoridades dos governos federal e estaduais. A orientação tem como principal propósito evitar a sobrecarga no SUS.
No entanto, deixar de transitar pela cidade para não ir até o local de trabalho não é uma opção para muitos brasileiros. O serviço doméstico, por exemplo, requer que o trabalhador ou a trabalhadora esteja no local onde para onde foi tratado/a. Em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, por exemplo, apesar de contaminado pelo vírus, um casal manteve uma empregada doméstica trabalhando regularmente na residência.
Caracterizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) como uma atividade precarizada, com baixos rendimentos, baixa proteção social, discriminação e até assédio, o trabalho doméstico no Brasil tem mais de seis milhões de brasileiros. São mensalistas, diaristas, babás, cuidadoras, motoristas, jardineiros ou quaisquer outros profissionais contratados para cuidar dos domicílios e da família de seus empregadores.
“Os efeitos socioeconômicos do ‘Corona’ [Covid-19] serão dramáticos para os mais pobres e microempreendedores, autônomos e assalariados que não podem trabalhar de casa”, disse Joilda Nery, professora do Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA).
E a população negra, novamente, está em evidência nesta comparação. Do total de trabalhadores domésticos no país, 92% são mulheres – em sua maioria negras, de baixa escolaridade e oriundas de famílias de baixa renda.
“O formato de contenção da propagação do vírus não será efetiva para a população negra sem que o Estado atue no sentido de garantir a subsistência dessa população”, afirma Maria Tereza.
Prisão e rua
Condições de vulnerabilidade, como as das pessoas em situação de rua e da população carcerária, também acendem um alerta vermelho sobre o Covid-19.
São atualmente cerca de 758 mil presos, sendo que 61%, são pretos ou pardos, de acordo com o banco de dados do Ministério da Justiça.
“A população em situação de rua precisa de cuidados especiais. Ainda estamos no início da epidemia. Sem um plano o quadro pode ficar bem dramático. Outro ponto é sistema carcerário que, historicamente é lotado, Já proibiram as visitas, porém é importante mais medidas protetivas”, disse Maria Menezes.