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Conheça a cultura ballroom e a sua importância para a comunidade LGBTQIA+

Em Salvador, coletivos buscam fomentar a cultura criada pela população LGBTQIA+ negra e latina em Nova York e apontam quais barreiras ainda precisam ser superadas

Travesti é fotografada em uma Casa da cultura ballroom

Foto: Foto: Divulgação/Chantal Regnault

14 de junho de 2022

“A cultura ballroom é o inverso de tudo o que a nossa sociedade é: misógina, transfóbica, racista e podre”. É assim que Pietra Fellipa, performer e criadora do coletivo ‘House of Astra’, define o movimento criado pela população LGBTQIA+ negra e latina em Nova York, considerada um dos principais espaços de política e acolhimento de corpos historicamente marginalizados na sociedade, como travestis, pessoas trans, gays e lésbicas.

Criada em meados dos anos 70, nos Estados Unidos, as ‘ballrooms’ eram bailes voltados para a população LGBTQIA+, negra e latina que se expressavam através de performances, intervenções artísticas, desfiles e danças. Com a explosão de casos do HIV/Aids por volta de 1980, as comunidades também passaram a abrigar pessoas que viam nesses espaços um refúgio para as violências sociais.

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O movimento teve como percussora a drag queen e travesti negra, Crystal Labeija, que passou a fazer protestos contra os padrões racistas e transfóbicos dos concursos de beleza, que excluiam corpos negros, travesti e trans. A partir disso, Crystal criou a ‘House of Labeija’ (Casa da Labeija, em tradução livre), e deu início às primeiras ‘ballrooms’.

“A sociedade coloca pessoas pretas em lugares de não pertencimento, de não bonitas, de não amadas… Pessoas trans também são colocadas nesse lugar e a ballroom vem para acolher essas pessoas, não só a população LGBTQIA+, mas também pessoas que não são vistas como possibilidade de estar na sociedade”, comenta Pietra Fellipa, uma das pioneiras na formação de um coletivo ‘ballroom’ em Salvador.

crystal labeija the queen siteCrystal Labeija | Foto: Reprodução/ Documentário ‘The Queen’ (1968)

Na capital baiana, o movimento passou a ganhar força em 2019, quando coletivos se reuniram em busca de difundir e resgatar a cultura que faz parte da luta política da comunidade LGBTQIA+.

A performer e dançarina Pietra Fellipa foi uma das primeiras a formar um coletivo em Salvador, a ‘House of Padam’, atual ‘House of Astra’. O coletivo, que originalmente surgiu em Brasília, hoje conta com 18 membros também organizados em unidades em Manaus e Rio de Janeiro.

Atualmente, Pietra Fellipa ocupa a posição de “Mother” da ‘House of Astra’, termo que na cultura ballroom representa a figura da mãe das casas, ou seja, a responsável pelas(os) integrantes do coletivo.

“Quando a gente fala de acolhimento, de amor, a gente não tem como falar outra coisa a não ser a mãe. E o termo “mother” vem para suprir todas as necessidades. É a pessoa que abre mão das suas coisas pelos seus filhos e não só dos seus filhos, mas pelas pessoas que ela gosta”, diz Pietra.

pietra fellipa sitePietra Fellipa | Foto: Arquivo Pessoal/Pietra Fellipa

Na cultura ballroom, as ‘Houses’ (Casas) eram uma espécie de “aquilombamento”, ou seja, espaços físicos liderados por uma “mãe” ou um “pai” que acolhiam e forneciam cuidados para jovens negros e latinos da comunidade LGBTQIA+ que viviam em situação de vulnerabilidade ou haviam sido expulsas(os) de casa.

house of pendavisDivulgação/Chantal Regnault

Com o passar do tempo, as Casas passaram a ganhar novas configurações, sem necessariamente se estabelecer como um espaço físico, como conta o dançarino e um dos fundadores da ‘House of Tremme’, Lip Moreira.

“As Casas não necessariamente existem enquanto um espaço físico. A galera se une pela vida, pelos interesses, afetos, pelas necessidades de estudo, trabalho, e cada Casa adota os filhos de uma maneira”, conta Lip Moreira.

O performer Ian Tremme, “father” da ‘House of Tremme’ destaca a importância das travestis na criação de um espaço de acolhimento e cultura para a comunidade LGBTQIA+.

“É uma comunidade que surge em conjunto com a comunidade LGBTQIA+ preta e latina, mas o primeiro grito foi das travestis, foi um espaço que elas criaram para poder existir e a gente precisa entender sobre quem é essa comunidade”, afirma o artista.

Fathers da Tremme foto José Bittencourt“Fathers” da House of Tremme | Foto: José Bittencourt

‘Todo mundo quer os nossos corpos, mas a gente não tem valor de mercado’

Além de desfiles e performances, a dança é um dos principais elementos da cultura ballroom. Dentre uma variedade de estilos, um dos movimentos mais populares é o ‘Vogue’, uma dança que surgiu baseada nas capas de revista da marca e teve como um dos pioneiros o performer e dançarino Willi Ninja.

willi ninja siteWilli Ninja | Foto: Chantal Regnault

Mesmo com a contribuição mundial da cultura ballroom para o cenário da música pop, da moda e comportamento, integrantes ainda apontam uma desigualdade no reconhecimento e investimento nas produções feitas pela comunidade LGBTQIA+.

“O que a ballroom precisa hoje, no Brasil e no mundo, é de investimento. Todo mundo quer o ‘voguing’, todo mundo quer grandes modelos que tenham estéticas diferentes, todo mundo quer os nossos corpos, mas a gente nunca tem esse valor de mercado”, destaca Lip Moreira.

A insegurança, a falta de políticas de proteção e de investimento na potência cultural LGBTQIA+ também são apontadas como umas das principais barreiras para os coletivos em Salvador.

Segundo último relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), Salvador é a capital mais perigosa para a população LGBTQIA+, sendo a Bahia o segundo estado com maior número de assassinatos da comunidade.

Em 2021, a capital baiana registrou 12 mortes de pessoas LGBTQIA+, seguida por São Paulo, com 10 ocorrências. Os números apontam que o risco de uma pessoa LGBT da Bahia ser vítima de morte violenta é 75% maior ao de um paulistano.

Em relação ao perfil das vítimas, o GGB aponta que os homens gays são os mais vitimizados pela violência letal, o que representa 51% das pessoas assassinadas no ano passado. Em seguida estão as travestis e transexuais, com 36,67% dos casos. Quanto à cor das vítimas assassinadas, 28% eram brancas, 25% pardas, 16% pretas e uma pessoa era indígena.

“Ainda existe um estereótipo em relação a gente, principalmente por ser a maioria pessoas trans, travestis, pessoas pretas e estamos sempre nesse lugar, de corpos dissidentes. Somos pessoas que a sociedade chama como pessoas perigosas e que não merecem afeto”, diz Pietra Fellipa.

“A gente (mulheres trans) está à frente da movimentação e somos o alvo principal. Somos um colete à prova de balas da nossa própria comunidade”, finaliza Pietra.

Leia também: Pink Money: consumo ideológico e o mês do orgulho LGBTQIA+

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