O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) atualizou nesta quarta-feira (9) a chamada “lista suja” do trabalho escravo, incluindo 155 novos empregadores que mantiveram trabalhadores em condições análogas à escravidão. A lista agora conta com 745 nomes e inclui casos em diversos setores da economia, do trabalho doméstico à produção agropecuária.
A lista é uma ferramenta pública de transparência que divulga os nomes de empregadores flagrados após processo administrativo com direito à ampla defesa. A inclusão só ocorre quando há decisão final da fiscalização. O cadastro é utilizado por bancos e empresas para avaliar riscos socioambientais em concessões de crédito e contratos.
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Entre os novos casos, 18 se referem a trabalho doméstico, o maior número da série histórica. Também se destacam atividades como criação de gado (21 empregadores), cultivo de café (20) e produção de carvão vegetal (10).
Mulher surda mantida por 40 anos em casa de desembargador
Entre os nomes incluídos, está o da médica Ana Cristina Gayotto de Borba, esposa do desembargador Jorge Luiz de Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Ela é apontada como responsável por manter, ao longo de mais de quatro décadas, Sônia Maria de Jesus, uma mulher surda que não aprendeu Libras, em regime de trabalho doméstico sem salário, direitos ou liberdade.
Sônia foi retirada da creche aos nove anos e passou a viver com a família Borba. Realizava tarefas domésticas diárias, como arrumar camas e cuidar da sogra da desembargadora. A fiscalização registrou que ela não tinha registro em carteira, salário, férias ou 13º salário. Também não tinha documentos, não se comunicava com fluência e dormia em espaços improvisados na casa.
A operação de resgate ocorreu em 2023. Mesmo assim, Sônia retornou à casa do casal após decisão judicial. O nome de Ana Cristina foi incluído na lista como empregadora. Segundo os auditores, a responsabilidade é compartilhada com o marido, embora ele não tenha sido formalmente incluído no cadastro.
Outros casos de destaque na lista suja
A nova atualização também inclui outros empregadores com histórico de violações. Entre eles, destaca-se o de Marcos Rogério Boschini, administrador da Fazenda São Paulo, em Goiás. Ele é genro de um dos condenados pela Chacina de Unaí, episódio ocorrido em 2004, que resultou na morte de três auditores fiscais e um motorista.
Na fazenda administrada por Boschini, 84 trabalhadores foram resgatados em situação análoga à escravidão durante a colheita de cebola. As condições de trabalho foram consideradas precárias e degradantes pela fiscalização.
Outro caso relevante é o da rede de supermercados Oba Hortifruti, que mantinha trabalhadores alojados em uma residência sem ventilação adequada, sem camas e sem roupas de cama. O local não oferecia condições mínimas de habitabilidade. Após a fiscalização, a empresa firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho para reparação das irregularidades.
A empresa FBC Backstage Eventos, terceirizada contratada para prestar serviços no Rock in Rio 2024, também foi incluída na lista. Durante a inspeção, fiscais identificaram que 14 trabalhadores enfrentavam jornadas de até 21 horas por dia, dormiam no chão de galpões e não recebiam alimentação adequada. As condições de trabalho foram consideradas degradantes, e os trabalhadores relataram exaustão física e ausência de garantias legais básicas.
O que diz a lei
O trabalho análogo à escravidão é definido no Brasil pelo artigo 149 do Código Penal e inclui condições como servidão por dívida, jornada exaustiva, condições degradantes e restrição de liberdade. A lista suja foi regulamentada em 2016 e reafirmada como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020.
Empregadores permanecem na lista por dois anos. Durante esse período, são monitorados e só podem ser retirados caso cumpram obrigações legais e não reincidam.