PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

DPU quer paralisar mineração próxima a quilombos na Chapada Diamantina

Há mais de quatro anos, comunidades quilombolas de Bocaina e Mocó, em Piatã/BA, sofrem os impactos da poluição sonora e ambiental provocada pela empresa Brazil Iron

Imagem de uma casa quilombola. Ao fundo, a mina da Brazil Iron localizada na serra.

Foto: Imagem: Rodrigo Wanderley/ Reprodução Mongabay

7 de outubro de 2022

A Defensoria Pública da União (DPU) protocolou uma ação civil pública que pede a suspensão de atividades de mineração em área próxima a comunidades quilombolas da zona rural do município de Piatã, situado na Chapada Diamantina, na Bahia. Com pedido de tutela provisória de urgência, a ação foi ajuizada no dia 30 de setembro contra a empresa Brazil Iron Mineração Ltda e a Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão federal que fiscaliza a atividade.

O interrompimento das atividades se daria enquanto a empresa não comprovar o cumprimento de medidas determinadas em notificações de fiscalização ambiental. Segundo Luciana*, quilombola da região atingida, as comunidades de Bocaina e Mocó são as mais próximas e mais diretamente afetadas pela exploração de minério de ferro da empresa.

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

A região é alvo de atividades minerárias há mais de nove anos. De acordo com a quilombola, a Mina Mocó foi instalada em 2011 na zona rural de Piatã. Ela ressalta que, a partir de 2019, as atividades da mineradora se intensificaram, impactando mais fortemente as comunidades.

Um dos impactos observados é a poeira gerada pela atividade minerária. Segundo as comunidades quilombolas, a empresa funcionou por um longo período sem utilizar filtro, o que lançava partículas de minério de ferro na atmosfera. Além disso, as atividades de explosões na mina e o fluxo intenso de caminhões é outro fator que gera a poeira que se espalha pela serra e pelas comunidades.

“A principal atividade e fonte de renda aqui é a agricultura familiar. É um costume passado de geração em geração e a gente foi impactado diretamente pela poeira, porque ela acaba assentando nas roças. As pessoas ficam bem inseguras de comprar os produtos aqui das nossas comunidades e isso desestimula os quilombolas a plantarem”, explica Luciana.

Folha com poeira escura

Água misturada ao minério de ferro na folha de couve | Crédito: Rodrigo Wanderley/ Reprodução Mongabay

Algumas famílias foram obrigadas a deixar a área por não conseguirem mais exercer as atividades de subsistência. Alguns moradores também relatam a invasão em seus terrenos para a abertura ou expansão de estradas, sem a solicitação de uma autorização formal ou informal e sem a posterior indenização.

Um segundo impacto observado é sobre a água. Segundo as comunidades, a poeira com metais pesados também parou nas represas, rios e nas águas consumidas pela população. Luciana destaca que já foram encontradas substâncias tóxicas à saúde, e que ainda houve casos de resíduos da mineração e poeira caindo em nascentes de rios e na represa que abastece a comunidade, devido ao tombamento de uma carreta da empresa e abertura de estradas para escoação dos minérios.

“O Rio do Bebedouro abastecia parte da comunidade e havia várias famílias que cultivavam plantações, agricultura familiar e criações de animais com o uso da água desse rio. Então, além da mineradora fazer uma estrada cortando cinco nascentes que caíam lá, eles ainda começaram a jogar os resíduos da mineração na cabeceira do rio. Então, hoje em dia, a gente não tem mais esse rio, que era um curso d’água aqui na Bocaina que nunca secava. Hoje a gente só vê a poeira escura da mineração de ferro”, relata Luciana.

Nascente do Bebedouro

Nascente do Bebedouro assoreada por pó de minério | Crédito: Acervo pessoal quilombola

Além da deterioração das estradas e abalos nas estruturas das casas, a quilombola também ressalta que os impactos se verificam na saúde da população das comunidades. Há relatos de pessoas que desenvolveram problemas respiratórios, na pele, além de questões psicológicas, como ansiedade e depressão.

“O ano de 2019 foi bem complicado, porque a Brazil Iron fazia as explosões na mina e não avisava. A gente tomava susto, as crianças choravam, as pessoas mais idosas ficavam com pressão alta por conta das várias bombas que ele soltavam e em qualquer horário do dia”, conta Luciana.

Foi a partir de mobilizações, protestos e das diversas denúncias das comunidades quilombolas, que a empresa passou a adotar algumas adequações como instalação de filtro nos procedimentos e alarmes antes das explosões.

Luciana também complementa que a própria instalação da mineradora não acompanhou a consulta prévia, livre e informada às comunidades quilombolas, conforme é indicado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Poeira da mineração nas serras

Atividade da mineradora ao fundo | Crédito: Acervo pessoal quilombola

Há uma falta de diálogo da Brazil Iron com as demandas propostas pela comunidade. “Toda vez que eles são pressionados, buscam fazer algo superficial, mas não querem realmente escutar os problemas e resolver. Em todos os lugares que a gente tenta dialogar, eles não dão espaço pra gente falar”, relata Luciana.

Suspensão das atividades como medida emergencial

Em agosto de 2021, a Associação Comunitária dos Moradores das Comunidades do Carrapicho, Mutuca, Sítio dos Pereiras e Capão e a Associação Comunitária dos Pequenos Produtores Rurais do Mocó I e Mocó II encaminharam uma representação para a Defensoria Pública da União, contendo registros fotográficos dos fatos narrados. Juntas, as comunidades são compostas por 147 famílias, predominantemente negras e identificadas como remanescentes de quilombos.

Imagem da mineradora

Imagem da Mina Mocó | Crédito: Rafael Martins/ Reprodução Mongabay

Segundo informações da DPU, antes de levar o caso à Justiça, o defensor regional de Direitos Humanos na Bahia, Vladimir Correia, enviou ofícios com pedidos de informações para os seguintes órgãos: Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA) e para a Agência Nacional de Mineração (ANM).

Em resposta, em janeiro deste ano, a Sesab apresentou relatórios que confirmam que a empresa gera poeira e material sem ter medidas eficazes de controle e monitoramento necessários para mitigar os impactos ambientais. O Inema confirmou que, em 2019, concedeu duas autorizações ambientais à Brazil Iron para realizar a lavra experimental, com produção de 300 mil toneladas por ano. De acordo com o Instituto, durante a análise desses processos, não foram localizadas comunidades tradicionais nas proximidades e a informação não constava nos documentos apresentados pela empresa.

De acordo com o entendimento do defensor público Vladimir Correia, a não localização de comunidades quilombolas próximas à mina pode ser vista como uma falha do poder público de não manter dados atualizados e de não trocar informações entre eles.

“A certificação das comunidades quilombolas fica a cargo da Fundação Palmares e a demarcação no INCRA, então eu acredito que esses órgãos deveriam trocar essas informações com os órgãos estaduais de produção ambiental, os federais também e com outros órgãos para não ficar a cargo só da pessoa que vai exercer a atividade. De todo o modo também é uma falha da empresa que não consultou esses órgãos antes para saber se aquela região era uma área que está em processo de demarcação das terras”, explica o defensor público.

Protesto comunidades quilombolas

Comunidades quilombolas protestaram contra os impactos | Crédito: Reprodução/ RedeGN

Ainda de acordo com a DPU, o Inema informou que já teria detectado as irregularidades e, além disso, a empresa também não teria apresentado ao órgão a certificação emitida pelo Exército para uso de explosivos. Em razão das falhas, em 2020, o instituto emitiu notificações à empresa pedindo adequações. Com a persistência do problema, no dia 26 de abril deste ano, o Instituto interditou temporariamente a mineradora, que conseguiu reverter a situação e tem realizado atividades na área.

Entre algumas das adequações que a empresa precisa fazer estão: realizar análise de corpos hídricos para verificar contaminação por minério de ferro e reparar os danos causados à Rodovia BA 148, por conta do tráfego de caminhões e máquinas pesadas. A DPU também pede que a empresa se abstenha de invadir os terrenos das comunidades sem autorização formal e o pagamento de indenização, por danos morais coletivos, em montante não inferior a R$ 5 milhões, a serem aplicados em ações sociais na área afetada.

Estrada esburacadas

Estradas impactadas por atividades da mineração | Crédito: Reprodução/ Teia dos Povos

A ação vai tramitar na Vara Federal da Subseção Judiciária de Jequié. “Após o ajuizamento da ação, nós estamos aguardando uma decisão liminar do juiz, no sentido de suspender as atividades da empresa enquanto não se adequar às normas ambientais e às condicionantes impostas pelo Inema. A gente depende da análise do judiciário e do proferimento da decisão. A liminar é mais no sentido de adotar medidas urgentes, medidas que necessitam de provimento mais rápido para que novos danos e danos irreversíveis não ocorram”, explica Vladimir Correia.

Posicionamento da Brazil Iron

A empresa Brazil Iron é uma subsidiária brasileira da companhia de mineração inglesa Brazil Iron Trading Limited. A mineradora foi questionada pela Alma Preta Jornalismo sobre as denúncias e relatos das comunidades impactadas pelas atividades minerárias e sobre os diálogos com os quilombolas em relação à mitigação dos problemas enfrentados.

A Brazil Iron respondeu que, por enquanto, não emitirá nenhum parecer sobre o assunto.

Leia também: Pará: quilombolas denunciam devastação de igarapés da região

*Luciana é um nome fictício adotado para preservar a pessoa.

Apoie jornalismo preto e livre!

O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo.

Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor.

O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade.

Leia Mais

PUBLICIDADE

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano