No sul da Bahia, indígenas das etnias Tupinambá de Olivença, de Belmonte e Pataxós tentam pressionar o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para finalizar o processo demarcatório de três territórios ocupados tradicionalmente pelos povos originários, que aguardam reconhecimento há mais de dez anos.
As Terras Indígenas Barra Velha do Monte Pascoal, Tupinambá de Olivença e Tupinambá de Belmonte somam mais de 108 mil hectares de terra e, juntas, abrigam uma população superior a 4 mil indígenas.
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No dia 12 de março, o Conselho Indígena Tupinambá de Olivença (CITO) e outras lideranças das etnias tiveram uma reunião com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, em Brasília (DF). Na ocasião, os indígenas solicitaram a assinatura da portaria demarcatória para os territórios, pedido que foi negado pela pasta.
Em entrevista à Alma Preta, a anciã e uma das lideranças da CITO, Yakuy Tupinambá, explica que o Ministério Público Federal (MPF) já concedeu um parecer favorável à finalização, que tem sido ignorado pelo governo federal.
“Houve um relatório, que, inclusive, passou no Supremo Tribunal Federal (STF). Disseram que a história desses territórios não seria impactada pelo Marco Temporal. Isso foi em uma leitura judicial, que depois foi referendada pelo MPF”, esclarece a liderança.
Segundo a procuradoria da República do MPF, não há nenhum impedimento jurídico ou técnico que impeça a conclusão da regularização fundiária das três áreas. Yakuy Tupinambá recorda que o contexto de incerteza agrava a insegurança da população.
“A gente está sob ameaça constante de mineradoras, do setor imobiliário e turístico, fazendeiros e da milícia armada da Invasão Zero. Essa vulnerabilidade favorece todo o tipo de violação dos direitos humanos. Não podemos esquecer que esses povos vivem momentos de violência há cinco séculos”, conta.
Lula prometeu demarcação
A liderança recorda que durante o evento de chegada do Manto Tupinambá, em julho de 2024, o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) se comprometeu a dar atenção à demarcação do território junto ao ministro Lewandowski.
“De lá para cá, ele [o presidente] não se pronunciou. E todas as vezes que nossas lideranças políticas vão a Brasília, ele é muito blindado. Inclusive, recentemente tivemos delegações de três povos que tiveram dificuldades em cumprir a agenda com o MJSP. É assim que os governos tratam a questão indígena”, completa.
À reportagem, Curupaty Tupinambá, liderança que participou da reunião com o Ministério da Justiça, destaca que, em 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou a aplicação do Marco Temporal para os territórios Tupinambá de Olivença. O colegiado votou em unanimidade pela demarcação da área.
“O MPF, o jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), fizeram um estudo aprofundado da questão da terra Tupinambá, e ela não se enquadra na tese do Marco Temporal. Ela não cumpre nenhum dos requisitos desta lei”, esclarece Curupaty.
O encontro com o ministro Lewandowski, responsável por assinar as portarias demarcatórias, só ocorreu depois de muita insistência dos movimentos indígenas, que desde dezembro do ano passado tentavam um espaço na agenda da pasta.
“Ele [o ministro] chegou duas horas atrasado, e dizendo que teria pouco tempo para discutir o assunto. As lideranças então começaram suas falas e a resposta foi a mesma que os assessores estavam nos dando há um tempo, que não poderia assinar a demarcação das terras, pois não há segurança jurídica”, relata.
A pasta também teria informado que seria necessário aguardar o desfecho da Câmara de Conciliação do STF para a análise do Marco Temporal, além do julgamento do tema pelo Congresso.

O líder lembra que duas terras indígenas foram demarcadas em dezembro de 2024, período em que a Câmara de Conciliação já havia entrado em vigor. Para Curupaty, não há justificativa para usar a cúpula do Supremo como impeditivo para a regularização.
“A nossa indignação é que a gente percebe uma falta de vontade política do governo federal em dar continuidade nas demarcações de terra aqui na Bahia. A especulação imobiliária, as minerações e todos esses outros grandes projetos têm grandes interesses nas áreas reivindicadas pelas comunidades indígenas. E isso se torna um empecilho”, avalia a liderança.
Em nota enviada à Alma Preta, o Ministério da Justiça declarou que o processo demarcatório das terras em questão são analisados individualmente, com base em aspectos jurídicos.
“A análise tem como pano de fundo a discussão, no Supremo Tribunal Federal, a respeito da constitucionalidade da Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023). A determinação do STF foi pela suspensão, em todo o país, das ações judiciais que, de alguma maneira, estejam atreladas ao debate da constitucionalidade da Lei do Marco Temporal até que o Tribunal se manifeste definitivamente sobre o tema. A decisão impacta o avanço dos procedimentos administrativos de demarcação que estão judicializados”, diz trecho do comunicado.
Territórios enfrentam ataques durante impasse demarcatório
Ainda de acordo com Curupaty Tupinambá, a morosidade na publicação da carta demarcatória tem implicado em ataques às comunidades que ocupam as terras. O “Movimento Invasão Zero”, milícia de fazendeiros e grileiros, que visa retirar forçadamente os indígenas em retomada na região, representa uma ameaça constante aos direitos dos indígenas.
“Houve um ataque na comunidade Pataxó de Barra Velha (BA), onde mataram um parente e balearam outro. Queimaram carros e casas. Aqui, com os Tupinambás de Olivença, já começaram as ameaças. Hoje, inclusive, um parente pegou carona com um fazendeiro que dizia que os proprietários rurais da região iriam se colocar novamente no território. Ou seja, expulsar os indígenas”, conta o líder.
O ataque referido ocorreu no Território Barrra Velha, da etnia Pataxó, no extremo Sul da Bahia. A área é uma das três reivindicadas pelos indígenas. No dia 11 de março, Vitor Braz, de 53 anos, foi morto após uma invasão de homens armados.
Desde o início do imbróglio na demarcação, a liderança destaca que muitos indígenas já morreram nos ataques. No momento mais conflituoso, mais de 30 indígenas foram mortos nas tentativas de impedir a retomada das terras.
Curupaty ainda denuncia a ausência dos órgãos do governo em fornecer o suporte adequado para manter a segurança nos territórios em disputa.
“Eles dizem que estão ajudando, mas não vemos nada. Até porque a Lei 14.701/2023 proíbe a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) de agir”, completa.
Ainda no comunicado enviado à reportagem, o Ministério da Justiça afirmou que, por determinação da pasta, a Polícia Federal (PF) tem acompanhado a situação na região, a fim de garantir a segurança dos povos.