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Herdeira da Flamboyant ré por homicídio em acidente de trânsito em 2020 ainda não foi julgada

Filha do dono da marca de iogurte dirigia um carro sem habilitação, quando se envolveu em um acidente com um motociclista, em Castanhal, no Pará.
Reprodução/Tribunal de Justiça do Pará.

Imagens do acidente de trânsito que envolveu a motorista não habilitada Yasmin de Lima Melo, herdeira da Flamboyant.

— Reprodução/Tribunal de Justiça do Pará.

12 de fevereiro de 2025

A Flamboyant é uma das maiores marcas de iogurte da Região Norte do país, com sede na cidade de Castanhal, nordeste do Pará. A empresa é do pecuarista Ivandilson da Costa Melo, que, em 2013, entrou na “lista suja” do trabalho escravo do governo federal por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão.

No dia 29 de agosto de 2020, um novo escândalo envolvendo a família Melo veio à tona: a filha de Ivandilson, Yasmin de Lima Melo, então com 20 anos, dirigia um carro sem habilitação quando se envolveu em um grave acidente de trânsito com um motociclista.

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A colisão, que também aconteceu em Castanhal, resultou na morte de Francisco Alenísio Pinto de Oliveira, de 54 anos. Ele faleceu menos de um mês depois, no dia 22 de setembro daquele ano.

O carro que Yasmin dirigia, uma Land Rover Evoque prata, pertencia a outra pessoa.

Francisco deixou uma filha de 18 anos, uma irmã e uma mãe idosa, que era dependente dele e morreu algum tempo depois. 

Além do processo contra Yasmin, a família dele também move uma ação na Justiça do Trabalho contra a distribuidora Marques & Melo LTDA., empresa onde Francisco trabalhava. Ele era vendedor externo e cumpria rota no momento do acidente.

O caso na Justiça

De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, é crime conduzir um veículo sem habilitação se isso gerar acidentes. A pena varia de seis meses a um ano de prisão ou multa. As leis de trânsito também criminalizam quem empresta um veículo à pessoa não habilitada.

Contrariando a legislação, o delegado responsável pela investigação, Johnny de Santana Ferreira, sugeriu o arquivamento do processo contra Yasmin. Para ele, não houve negligência ou imprudência por parte da motorista não habilitada, e a culpa do acidente foi da vítima.

Por outro lado, a defesa da família de Francisco diz que Yasmin não prestou atenção ao sinal que o motociclista deu enquanto desviava de outro carro parado na via.

Francisco Alenísio Pinto de Oliveira morreu um mês depois de sofrer acidente de trânsito. Foto: Arquivo pessoal.

Segundo o advogado Hugo Mercês, a desatenção da jovem teria causado a colisão, que arremessou o trabalhador cerca de 12,5 metros à frente.

O Ministério Público do Estado também discordou do delegado e afirmou que ele não levou em consideração o fato de Yasmin estar dirigindo sem habilitação. Por esse motivo, o promotor Reginaldo César Lima Alvares ofereceu denúncia por homicídio culposo no trânsito contra a mulher.

Alvares destacou que a motorista não tinha “capacidade técnica e legal” para dirigir o veículo, já que ela não tinha a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Ele também questionou por que o delegado não investigou a pessoa que entregou o carro a Yasmin.

A denúncia foi aceita pelo juiz Daniel Bezerra Montenegro Girão em junho de 2022, que tornou Yasmin ré por homicídio culposo no trânsito.

A dinâmica do acidente

O acidente de trânsito ocorreu por volta das 11h de 29 de agosto de 2020, no cruzamento da Travessa Quintino Bocaiuva com a Rua Senador Lemos, no centro de Castanhal. 

Segundo relatos obtidos pelo órgão municipal de fiscalização de trânsito, Francisco bateu na lateral do veículo dirigido por Yasmin.

Ele foi socorrido e chegou em coma a uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas morreu quase um mês depois, no dia 22 de setembro, vítima de insuficiência respiratória aguda.

No dia 6 de outubro daquele ano, a defesa de Yasmin alegou que Francisco estava consciente após o acidente e que faleceu cerca de um mês depois, sugerindo que o acidente não tenha sido a causa da morte. 

Em 20 de maio de 2022, após pedido do Ministério Público do Estado, Yasmin, que estava morando em São Paulo, prestou depoimento sobre o caso. Ela disse que foi surpreendida pela colisão da moto e que dirigia dentro da velocidade permitida.

Em resposta à denúncia do MP, a defesa de Yasmin argumentou que o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) expediu a habilitação dela em 15 de setembro de 2020, duas semanas após o acidente. Ou seja, ela já havia realizado os exames e testes de direção, aguardando apenas a emissão formal da carteira, que teria atrasado devido à pandemia de covid-19.

Até hoje, a família aguarda a reconstituição do crime, que está prevista para ocorrer nos primeiros meses de 2025. O julgamento do caso em primeira instância só ocorrerá após a reconstituição.

A defesa da família de Francisco também solicitou ao Tribunal de Justiça do Pará que determine à Polícia Científica a realização da perícia do acidente.

Motorista só está apto a dirigir após a emissão da CNH, diz especialista

De acordo com a advogada Neila Costa, conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB-PA) e especialista em trânsito, o motorista só está autorizado a dirigir quando ele possui a CNH em mãos. 

“A conclusão dos exames, por si só, não autoriza que o condutor seja considerado habilitado para condução de veículos automotores”, diz.

“Mesmo depois de ter realizado os testes, não existe nenhuma exceção legal que autorize qualquer condutor a dirigir sem a carteira de habilitação. No caso em questão, a condutora deveria ter aguardado a emissão formal do documento para que pudesse dirigir”, completa.

A especialista consultada pela Alma Preta ainda avalia que, diante da infração, Yasmin estaria sujeita a dois tipos de penalidade: administrativa e penal. 

“No caso da administrativa, nós temos uma infração considerada gravíssima. Nós também estamos diante da possibilidade de o autor ser acusado de lesão corporal culposa no trânsito, que é o artigo 303 do Código Penal. Também pode ser um homicídio culposo no trânsito, que é o artigo 302, caso a vítima não sobreviva. As penas podem incluir detenção, suspensão do direito de dirigir e outras medidas judiciais também”, conclui.

Outro lado

Procurada pela Alma Preta, a defesa de Yasmin de Lima Melo disse que não vai comentar o processo, pois ele ainda está em andamento.

A advogada Juliana Baratella ressaltou que “o foro adequado para a discussão do caso é o Poder Judiciário”.

O Tribunal de Justiça do Estado do Pará informou que o caso está na fase de “diligências periciais” e que, após essa fase, o juiz deve publica a sentença pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Castanhal.

Já os advogados de Ivandilson da Costa Melo, dono da Flamboyant e pai de Yasmin, disseram que não vão comentar o caso, já que o seu cliente não é parte do processo.

Em nota, a defesa esclarece que todos os processos por trabalho escravo contra o pecuarista foram encerrados e cumpridos.

Atualmente Ivandilson não está mais na Lista Suja, segundo a atualização de 9 de janeiro de 2025.

A reportagem também questionou a Polícia Civil do Estado sobre o posicionamento do delegado Johnny de Santana Ferreira pelo arquivamento do processo, mas não recebeu retorno até a publicação. O espaço permanece aberto para um posicionamento de Ferreira e da instituição.

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  • Fernando Assunção

    Atua como repórter no Alma Preta Jornalismo e escreve sobre meio ambiente, cultura, violações a direitos humanos e comunidades tradicionais. Já atua em redações jornalísticas há mais de três anos e integrou a comunicação de festivais como Psica, Exú e Afromap.

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