“Eles mataram os meninos, pegaram os lençóis na corda, enrolaram os corpos, saíram arrastando e ainda jogaram água para poder limpar o sangue”, relata Adriano Sapucaia, primo de Patrick Sapucaia, de 16 anos, um dos jovens negros mortos durante uma ação da Polícia Militar na comunidade da Gamboa, em Salvador.
Na madrugada da última terça-feira (1), Patrick Souza Sapucaia, de 16 anos, Alexandre dos Santos, 20 anos, e Cleverson Guimarães Cruz, 22 anos, foram mortos por agentes da Rondesp (Rondas Especiais) após uma ação na região da Gamboa, na capital baiana.
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De acordo com a PM, os agentes foram em direção ao bairro após uma denúncia de que homens armados estavam na região. Ao chegar no local, os policiais teriam sido recebidos a tiros por um grupo e revidaram. Com isso, conforme a polícia, três homens foram encontrados caídos no chão com posse de armas de fogo e drogas.
No entanto, familiares afirmam que os policiais já chegaram no local dando tiros e atingiram os garotos, que foram levados para uma casa abandonada, onde uma cena de crime teria sido forjada. Na manhã do ocorrido, moradores da comunidade fizeram um protesto e fecharam a Avenida Lafayete Coutinho, região que liga a Avenida Contorno e a Gamboa.
O primo de Patrick Sapucaia, Adriano Sapucaia, contesta a versão da PM. “Foi uma madrugada de terror dentro da comunidade quando os policiais desceram lá. Eu acordei era 3:40 da manhã, bem justamente na hora que eles estavam matando os meninos”, conta Adriano.
Morador da comunidade, Adriano diz que os jovens voltavam para casa quando teriam sido confundidos com o grupo armado, tentaram correr e foram mortos. “Os meninos estavam indo para casa e a polícia chegou. Eles se assustaram, correram e eles [a polícia] atiraram sem nem mesmo saber se os meninos eram envolvidos ou não”, relata Adriano.
Despedida
Alexandre dos Santos, Patrick Sapucaia e Cleverson Guimarães cresceram juntos na comunidade da Gamboa e se tornaram amigos. Como todo jovem, eles tinham sonhos, metas e objetivos que compartilhavam. Ao cântico de louvores e mensagens de paz, familiares, conhecidos e amigos das vítimas deram o último adeus a eles no Cemitério do Campo Santo, em Salvador, e pediram por justiça.
“Até quando nossos corpos vão ser a carne mais barata do mercado? Até quando temos que permitir que o jovem não possa completar 18 anos? Que o jovem não possa ir e vir? Isso é injustiça, isso é genocídio. É o povo negro sendo assassinado”, disse uma amiga da família de Patrick Sapucaia à TV Bahia.
O pai de Alexandre dos Santos, Jocelino Gomes, viajou mais de 800 quilômetros para se despedir do filho. Morador da cidade de Barreiras, no extremo oeste da Bahia, há dez anos, Jocelino foi avisado por telefone e disse ter ficado desacreditado com a morte do filho, que era o mais velho entre três irmãos por parte de pai. Para ele, o sentimento que fica é de revolta diante da impunidade.
“Quantos casos já aconteceram com jovens da periferia e nada acontece? Nossos governantes só pensam em si próprios. Eu só espero a justiça de Deus porque do homem, infelizmente, a gente não tem”, afirma.
Jocelino também contesta a versão de uma suposta troca de tiros dada pela PM e denuncia a letalidade policial. “Como é que você vai trocar tiro com a polícia e só sai um lado ferido e o outro ileso, sem um arranhão? Não existe isso!”, defende.
Uma tia de Alexandre, que não se identificou, mora na comunidade há 30 anos e denuncia ações truculentas na Gamboa. “Hoje eu boto meu pé na rua e fico com medo. Infelizmente, não foi o primeiro e nem será o último”, comenta.
Repercussão
Com a repercussão do caso, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seção Bahia (OAB-BA), Eduardo Rodrigues, informou que vai cobrar uma investigação urgente e transparente da Corregedoria da PM e da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) sobre o caso na Gamboa. Disse também que vai pedir o afastamento dos policiais envolvidos e ações de proteção às testemunhas.
“A OAB-BA cobrará ainda urgência na instalação de câmeras em viaturas e fardas da PM-BA, prometida pelo governo do estado desde o ano passado, que no mundo inteiro vem garantindo mais transparência às ações policiais, reduzindo sua letalidade e garantindo mais proteção aos próprios agentes e aos outros cidadãos”, aponta o presidente Eduardo Rodrigues.
Entidades baianas também se manifestaram e emitiram uma nota de repúdio sobre o caso e a violência policial na Bahia. No comunicado, também pediram pelo afastamento e responsabilização dos policiais envolvidos na ação.
“Uma ação violenta e arbitrária como essa não pode ficar impune! Exigimos o afastamento e responsabilização dos envolvidos. Que o Estado investigue criteriosamente as execuções e todas as demais ilegalidades causadas por seus agentes de segurança contra a comunidade da Gamboa de Baixo nessa madrugada, respeitando o protagonismo das vítimas e seus familiares”, completa a nota.
Até o momento, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), não se manifestou sobre o caso.
PM alega troca de tiros
Conforme nota divulgada pela Polícia Militar, guarnições da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT)/ Rondesp BTS foram acionadas com informações sobre a presença de homens armados na Avenida Lafayete Coutinho, localidade entre a Avenida Contorno e a Gamboa, na madrugada desta terça-feira (1).
Segundo a PM, os policiais foram recebidos a tiros por um grupo e após o revide as equipes encontraram três homens caídos ao chão em posse de armas de fogo e drogas. Outros suspeitos conseguiram fugir, de acordo com a PM.
A Polícia Militar também informou que os feridos foram socorridos para o Hospital Geral do Estado (HGE), mas não resistiram. Com eles, os agentes teriam encontrado um revólver calibre 38; duas pistolas, sendo uma de calibre .40 e outra de calibre 380; 177 papelotes de maconha; 233 pinos e dez embalagens de cocaína; 130 pedras de crack; três aparelhos celulares; uma balança eletrônica; R$ 172,00 em espécie e um relógio de pulso.
Por causa do protesto feito por familiares e moradores, o policiamento no local foi reforçado e conta com uma Base Móvel de Segurança. O caso segue sob averiguação da Corregedoria Geral da PMBA.
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