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Lei 10.639 completa 22 anos com desafios para implementação do ensino afro-brasileiro nas escolas

Mais de 70% das cidades não cumprem a legislação de 2023; especialista aponta racismo estrutural, falta de formação de professores e ausência de verba como principais entraves à implementação
Crianças realizam projetos de ciências no pátio da antiga Escola Municipal de Ensino Fundamental - EMEF Infante Dom Henrique, agora chamada EMEF Espaço de Bitita, em homenagem à escritora Carolina Maria de Jesus, no Canindé. Após 22 anos de implementação, a lei 10.639 que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira é negligenciada por mais de 70% dos municípios brasileiros.

Foto: Rovena Rosa/Agência

9 de janeiro de 2025

Em 9 de janeiro de 2003 foi sancionada a lei federal 10.639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para tornar obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nos currículos das escolas públicas e privadas do Brasil.

Considerada uma vitória do movimento negro e um marco para a educação nacional, a lei visava romper com um currículo eurocêntrico e promover uma educação que refletisse a diversidade cultural do país.

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Passados 22 anos, a celebração dessa legislação vem acompanhada de um olhar crítico sobre os avanços e, principalmente, os obstáculos ainda presentes na sua plena implementação.

Dados divulgados pelo Instituto Alana apontam que 71% das cidades brasileiras não cumprem as diretrizes da lei, mantendo um ensino que ignora ou marginaliza a contribuição africana na formação social, cultural e econômica do Brasil.

Obstáculos para implementação da lei 10.639

Para a pedagoga e doutoranda em Educação Luiza Mandela, o principal entrave à implementação da legislação é o racismo estrutural, que permeia todas as esferas da sociedade, inclusive o sistema educacional. 

“Pensar na inclusão da história e da cultura afro-brasileira e africana nos currículos é algo que o Brasil precisa repensar profundamente. O país precisa se rever como nação e enfrentar essas questões de forma séria”, afirma em entrevista com a Alma Preta.

Além disso, a ausência de formação docente específica, falta de monitoramento da aplicação da lei e insuficiência de recursos financeiros tornam o cenário ainda mais desafiador.

Um levantamento repercutido pelo portal Geledés revelou que apenas 8% dos municípios destinam verba específica para ações voltadas à implementação da lei, evidenciando sua baixa prioridade no planejamento educacional.

Embora os obstáculos sejam numerosos, algumas iniciativas municipais mostram que mudanças são possíveis. Macaé, no Rio de Janeiro, é um exemplo. O município conta com uma Coordenadoria de Igualdade Racial, que oferece formação contínua para educadores, cursos de letramento racial e verba específica para a implementação de políticas públicas voltadas à diversidade étnico-racial.

No entanto, práticas como essas são raras. A ausência de políticas efetivas em larga escala contribui para a manutenção de currículos eurocêntricos, ignorando a pluralidade cultural brasileira e perpetuando desigualdades educacionais e sociais.

O impacto do tema no Enem e o papel da educação Infantil

O Enem de 2024 trouxe visibilidade ao tema ao abordar a omissão no cumprimento da lei 10.639 na redação. O impacto foi significativo, ainda que momentâneo. 

Luiza relata que muitos professores se sentiram pressionados a abordar o tema, mas a falta de formação e de materiais adequados dificulta a continuidade do debate de forma estruturada.

“O impacto do tema no Enem foi momentâneo, mas precisamos garantir que ele se traduza em políticas públicas. É essencial que os professores tenham acesso a formações contínuas e que a lei seja integrada de forma natural ao currículo escolar, não limitada a datas específicas”, destaca Mandela.

Para a pedagoga, a educação infantil é uma etapa estratégica para transformar esse cenário. “É nela que ocorre a construção da identidade e da subjetividade das crianças. Se tratarmos a diversidade desde cedo, o impacto será significativo no desenvolvimento das próximas gerações”.

Ela destaca a importância de materiais pedagógicos que reflitam a diversidade – como bonecos negros, histórias afro-referenciadas e jogos inclusivos – aliados à formação contínua dos educadores

“Não se trata de parar para trabalhar uma educação antirracista, mas de entender que ela é parte intrínseca da educação”, afirma.

Propostas para avançar

Para superar os desafios da implementação da Lei 10.639, Mandela sugere a obrigatoriedade de disciplinas sobre relações étnico-raciais em todos os cursos de nível superior e um fortalecimento do judiciário para tratar crimes de racismo com seriedade. 

“O letramento racial é urgente em todos os âmbitos das políticas públicas, para que o crime de racismo não seja banalizado nem tratado como algo normal nas relações sociais”, defende.

Atualmente, Luiza Mandela está à frente do Mandela Pod, um podcast que aborda temas como educação, saúde, arte, empreendedorismo e intolerância religiosa sob a ótica das relações étnico-raciais. Para ela, o podcast é um espaço essencial para demonstrar a presença e relevância da população negra na sociedade brasileira. 

“O podcast não apenas sensibiliza sobre a importância de uma educação antirracista, mas também evidencia que somos produtores de intelectualidade. Ele mostra que o antirracismo não é apenas um tema; é um aspecto central da sociedade. Nós, intelectuais, produzimos conhecimento em diversas áreas, e temos muito a dizer”, conclui a pedagoga.

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  • Giovanne Ramos

    Jornalista multimídia formado pela UNESP. Atua com gestão e produção de conteúdos para redes sociais. Enxerga na comunicação um papel emancipatório quando exercida com responsabilidade, criticidade, paixão e representatividade.

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