A Justiça do Pará manteve cerca de 250 famílias rurais em território federal no município de Senador José Porfírio, região da Volta Grande do Xingu, no Pará. Elas foram ameaçadas de despejo pela mineradora Belo Sun Ming Corporation, controlada pelo banco canadense Forbes & Manhattan, que tem um projeto de instalação de uma imensa mina de extração de ouro na região.
A decisão da Vara Agrária de Altamira é de 19 de outubro e atende Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pela Defensoria Pública do Pará há mais de dez anos. Além da Belo Sun, o documento tem como alvo os supostos donos das fazendas Galo, Ouro Verde e Ressaca, que venderam as terras de propriedade federal de forma irregular e ilegal à mineradora.
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Segundo a ação da Defensoria, depois da compra da terra, a mineradora teria colocado placas no território das fazendas com restrições à pesca, à caça e à agricultura. A proibição também foi barrada pela decisão judicial, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.
Segundo a defensora pública agrária, Andréia Barreto, autora da ação, as placas proibitivas impactam diretamente a subsistência da população local. “Isso afeta as famílias à medida que as comunidades têm sua atividade pautada na caça e na pesca, sendo muitos pescadores profissionais. Portanto, ao colocar placas proibitivas para o exercício dessa atividade, [a empresa] causa danos à subsistência das famílias, e a decisão acaba confirmando isso”, explicou.
O documento aponta que a área do empreendimento é ocupada por cerca de 900 pessoas, correspondendo a 251 famílias, que exercem posse agrária mansa e pacífica do local. Segundo a Defensoria, os direitos de moradia e trabalho dessas famílias ultrapassam a discussão sobre a titularidade da terra.
Um informante ouvido pela Defensoria denunciou que a negociação da venda das terras, feita entre a Belo Sun e os fazendeiros que se diziam proprietários das localidades, ocorreu “como se as pessoas que moram na área fossem ‘bichos’”. Um outro denunciante detalhou que, em 2019, seguranças armados da empresa Invicta foram enviados pela mineradora para despejar os moradores.
A Alma Preta questionou a Belo Sun acerca da recente decisão judicial. Até a publicação desta reportagem não houve resposta. O espaço segue aberto.
Ilegalidades
Além dessa, a Defensoria Pública tem outras duas ações ajuizadas contra a Belo Sun, dos anos de 2017 e 2020. Nos documentos, a instituição aponta ilegalidades no licenciamento ambiental do projeto.
“Na ação de 2017, a Defensoria aponta que não foi feito um estudo aprofundado das áreas de impacto direto e indireto do projeto. A gente diz que houve um subdimensionamento, que áreas de assentamento foram desconsideradas e que normas ambientais também não foram levadas em conta dentro do licenciamento. A própria empresa fez inúmeros cadastros ambientais rurais e aquisição de áreas que a gente considera ilegal”, pontua Andréia Barreto.
“Além dessa ação, a Defensoria aponta, na ação de 2020, que o licenciamento ambiental não considerou as comunidades ribeirinhas. Já no ano de 2022, as defensorias públicas do Pará e da União ajuizaram uma ação conjunta onde questionam a ilegalidade da compra de uma área de 2,5 mil hectares dentro de um projeto de assentamento denominado Ressaca, e essa compra ilegal foi validada pelo Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], que também é réu na ação”, acrescenta a defensora.
O que é o projeto da Belo Sun?
O projeto Volta Grande, da mineradora canadense, pretende ser a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil. O empreendimento aceleraria em proporções industriais a extração do metal, com previsão de extração de 74 toneladas de ouro em 20 anos de operação, por meio da escavação de crateras de 300 metros de profundidade cada e uma barragem de rejeitos com cerca de 13 andares de altura.
A área compreendida pelo projeto abrange, além de comunidades ribeirinhas e pescadores, indígenas das etnias Juruna, Arara, Xipaia, Xikrin e Curuaia, e comunidades camponesas, incluindo mais de 500 famílias já assentadas por meio de programas do governo federal voltados à reforma agrária, que devem ser afetadas direta ou indiretamente.
Para especialistas, além do impacto às comunidades, o empreendimento pode causar danos irreparáveis ao meio ambiente, inclusive com riscos de rompimento da futura barragem, que pode inundar a área com 9 milhões de metros cúbicos de lodo tóxico em poucos minutos.
‘Mina de sangue’
Relatório divulgado no dia 29 de maio deste ano pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) aponta os riscos decorrentes do projeto de mineração na Amazônia. Intitulado “Mina de Sangue – Relatório sobre o Projeto da Mineradora Belo Sun”, o documento classifica o empreendimento como “uma das principais ameaças aos direitos ambientais e dos povos indígenas sobre suas terras reconhecidas pela Constituição Federal de 1988”.
Segundo o relatório, a mineradora estaria se utilizando da “intimidação” para “silenciar as discussões acerca do empreendimento” e acusa a Belo Sun de praticar “abuso do poder econômico”.
Ainda de acordo com a organização, a mineradora viola direitos de consulta livre, prévia e informada às comunidades, previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Devido às irregularidades apontadas, a obra da Belo Sun passa por impasse judicial e está embargada desde 2014. Naquele ano, ações da DPE e do Ministério Público Federal (MPF) apontaram a ausência de estudo sobre os impactos socioambientais e a falta da consulta às populações locais.
Em 2017, o projeto chegou a obter licença pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), mas, no ano seguinte, uma sentença da Justiça Federal de Altamira suspendeu as licenças ambientais estaduais para a mineradora. A decisão foi reiterada no dia 13 de setembro deste ano, quando o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou que o licenciamento ambiental do projeto deve ser federalizado e conduzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).