A direção da PRF (Polícia Rodoviária Federal) tem até o dia 14 de junho para justificar as mudanças que aconteceram desde 2019 e extinguiram a disciplina de Direitos Humanos nos cursos de formação e de reciclagem dos cerca de seis mil agentes da instituição no país.
A solicitação de esclarecimentos e a recomendação para que a PRF volte a ter uma disciplina spbre o tema foi feita pelo Ministério Público Federal de Goiás, na recomendação número 19, do dia 30 de maio.
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No mesmo documento, o MPF também questiona o motivo da extinção das comissões de Direitos Humanos no âmbito da PRF, por meio de uma portaria do dia 3 de maio de 2022, cerca de 20 dias antes do assasinato do Genivaldo de Jesus. Homem negro e neurodivergente, ele foi trancado em uma viatura com bombas de gás lacrimogêneo e gás de pimenta. Genivaldo morreu por asfixia depois de abordagem por estar de moto sem capacete em Umbaúba (SE), a cerca de 100 km de Aracajú.
Os procuradores da República em Goiás Mariane Guimarães de Mello Oliveira e Marcello Santiago Wolff, que assinam a recomendação, afirmam que a morte brutal de Genivaldo é prova da importância do treinamento em Direitos Humanos na PRF e que a extinção dessa disciplina vai contra a Constituição Federal.
“[A formação em Direitos Humanos] é necessária para incutir no policiais rodoviários federais as competências mínimas para o exercício qualificado de relevante função social voltada à defesa e à promoção de direitos no Estado democrático de direito”, dizem os procuradores no documento.
Troca
Em novembro do ano passado, a PRF trocou o corregedor-geral e quem assumiu o cargo foi Wendel Benevides Matos, que já tinha exercido essa função na subsede de Sergipe, entre 2013 e 2015.
Antes de voltar para a PRF, durante boa parte do governo Jair Bolsonaro, Matos atuou no Ministério da Família e Direitos Humanos, ao lado da ministra Damares Alves, gestão que recebeu diversas críticas por medidas que enfraqueceram iniciativas de defesa de minorias, combate ao racismo e promoção da diversidade. Entre 2019 e 2021, Matos foi coordenador-geral da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
O ativista do movimento negro, Wagner Moreira coordenador do IDEAS – Assessoria Popular, tem um relato sobre este período.
“Em 2019 estávamos articulando diálogos abertos em formato de pré-conferências populares sobre nove eixos, correlatos elencados pelo Fórum Popular de Segurança Pública da Bahia e um dos eixos era Profissionais da Segurança. Naquele contexto sentamos para dialogar com um grupo diverso de policiais que se intitulavam progressistas e estavam buscando se atualizar para dialogar melhor junto aos seus pares. Estavam presentes policiais militares civis, rodoviários estaduais e federais”, explica Moreira.
O desfecho do encontro aponta, na avaliação do ativista, o retrocesso que o país vive em relação à defesa dos direitos humanos.
“E lembro como hoje, quando um policial rodoviário federal que ministrava aula, narrando que assim que acabava o curso, a turma se organizava para promover o ‘enterro’ dos direitos humanos. Construíram uma miniatura de caixão de papelão com as iniciais ‘DH’ e literalmente enterravam”, comenta.
A Alma Preta Jornalismo procurou a assessoria da PRF questionando o fim da disciplina nos cursos de formação e reciclagem e a extinção das comissões de Direitos Humanos após a chegada do corregedor-geral Wendel Benevides Matos e se há ligação entre os fatos. A PRF não respondeu.
Para Moreira, no entanto, o estudo desse tema na formação e na reciclagem dos agentes não pode ser a única ferramenta.
“A reforma das polícias precisa ter um projeto mais robusto para ser apresentado. Os direitos humanos não podem estar de fora, mas não pode ser uma cota, para legitimar a imobilidade institucional”, comenta Wagner Moreira.
A recomendação do MPF-GO também sugere à Polícia Rodoviária Federal que a disciplina tenha carga horária mínima compatível com as principais matérias do curso de formação de agentes; que entre os docentes que ministrem os cursos de formação, adaptação, habilitação e especialização de policiais rodoviários, deverá haver representantes da liderança negra, dos povos de terreiros, da população LGBTQIA+, de combate à violência contra mulher e estudiosos da temática.