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Morte de recém iniciado no candomblé evidencia responsabilidade dos sacerdotes, dizem adeptos

Rapaz com diabetes não recebeu insulina nos 21 dias de recolhimento e teve sua alimentação negligenciada; família pede respeito ao luto e membros da religião se indignam com o ocorrido

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Reprodução/Roger Cipó

Imagem mostra um iyawô de costas

6 de outubro de 2021

Um iyawô (recém iniciado) faleceu após o processo de iniciação no candomblé, dia 22 de setembro, no Rio de Janeiro. Informações nas redes sociais dizem que o rapaz, de 22 anos, era diabético e necessitava de insulina diariamente, medicação que não foi ministrada durante os 21 dias de recolhimento. Além disso, de acordo com um vídeo que viralizou no Tik Tok, o iyawô se alimentou neste período com apenas três alimentos: inhame, canjica e acaçá, que é feito de farinha de milho branca. A alimentação inadequada e a falta de medicamento levaram o rapaz à morte, um dia após sua saída, segundo os relatos.

Em respeito à família, que já se posicionou nas redes sociais pedindo para que as pessoas não divulguem mais o vídeo em que o iyawô aparece debilitado, a Alma Preta Jornalismo não irá mostrar as imagens. Os familiares também disseram que não desejam conversar sobre o assunto, pois estão vivendo o luto, mas que os sacerdotes responsáveis pelo recém iniciado serão processados.

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A comunidade do candomblé na internet se manifestou contra a atitude do zelador responsável, afirmando negligência. Dentre diversas páginas e perfis, o assunto levantado foi o quanto é delicado o momento de iniciação, e como é necessário que os sacerdotes tratem o assunto com seriedade.

Para a sacerdotisa Aline Santos, Doné do axé Kwe Sinsèn Ifé Osun Tò Gbó Se Mi, de Nova Iguaçu – RJ, a morte do iyawô foi algo terrível para todos os adeptos da religião. “Todos nós do candomblé, que fazemos nosso culto com seriedade, recebemos essa notícia com tristeza, como algo aterrorizante. Quando descobri que o iyawô faleceu por falta de medicação adequada à sua doença, eu chorei muito, pois não consegui aceitar que em tempos de informação alguém possa agir com total desleixo e desumanidade”, desabafa.

Aline acrescenta ainda que “é dever do sacerdote zelar pelo bem estar físico e espiritual do neófito, isso inclui manter contato com a família do inciado para averiguação de qualquer necessidade do recolhido”, completa.

Alimentação

“O iyawô fica 21 dias recolhido, passando por um processo de aprendizado de rezas, cânticos, danças, e segredos inerentes ao seu orixá, vodun ou inkisse para o qual está sendo iniciado. Ele consome uma alimentação balanceada, parecida com uma dieta hospitalar, rica em proteínas, à base de carnes brancas, como frango e peixe, carboidratos, como arroz, e alguns legumes”, explica Doné Aline a respeito do processo de iniciação.

Além disso, a sacerdotisa ressalta que a alimentação do iyawô recolhido não leva nenhum tipo de condimento industrializado, gorduras ou frituras, a fim de zelar por seu bem estar físico durante os 21 dias. Frutas, legumes e água são indispensáveis na dieta.

“A presença de sal é mínima, frutas podem ser consumidas, e variados chás como camomila, erva doce, cidreira, colônia, erva mate. Fica à disposição do iyawô água fresca. É uma alimentação bem saudável”, reforça.

Durante o período, o iniciado também fica recluso de notícias do mundo exterior, por se tratar de um processo de purificação. Contudo, Doné Aline afirma que “ele sempre tem a companhia de seu pai criador ou mãe criadeira, que possui o papel de ensinar o iyawô a rezar, cuidar da roupa, da alimentação entre muitas outras coisas”, diz.

“Tortura não é sacrifício por orixá”

A Ekedji Brenda dos Santos, detentora da página do Instagram “Pelos Olhos de Um Adjá”, com mais de 13 mil seguidores, retrata diariamente como é a rotina em uma casa de candomblé. Para ela, independentemente dos preceitos que a religião traz em si, como o distanciamento de assuntos exteriores no período de recolhimento, a fome e os maus tratos não são justificáveis.

“Tortura não é sacrifício por orixá. Eu não entendo como as pessoas passam por isso e ainda permitem que outras pessoas vivam isso. A alimentação é primordial. É um direito básico”, relata.

Brenda nasceu e se criou dentro da religião e explica que um iyawô tem horário para tudo, tendo suas necessidades supridas por diversas pessoas, em especial, da iyágibonãn (ou mãe criadeira). A comunidade, segundo ela, cuida desse neófito “como um bebê”.

“Em casos em que o iyawô toma medicações controladas, não há nenhum mistério: ele toma a medicação no horário correto. Tivemos há pouco tempo uma menina que tomava medicações controladas para problemas emocionais e, todos os dias, sem exceção, esse remédio foi dado à ela”, explica a Ekedji.

Brenda Santos ainda salienta que, para além das medicações, é necessário se atentar a outras necessidades humanas, como o uso de óculos, aparelhos auditivos ou até mesmo colírios.

Alerta para a comunidade

“Acho que as pessoas têm que entender que não devem aceitar qualquer coisa ou estar em qualquer casa, e avaliar muito bem como as pessoas que estão ali vivem, se são felizes, se estão bem. Isso serve de alerta para as pessoas que estão chegando agora”, ressalta Brenda.

Doné Aline acredita também que, com a repercussão após a morte do iniciado, os sacerdotes em geral irão ficar mais atentos a cada iniciado que entra na religião. Para ela, é imprescindível haver um resgate sobre atenção, carinho e amor à vida de cada neófito.

“O ronkó (quarto de recolhimento) é o local de gerar uma nova vida, então cada sacerdote terá um novo olhar sobre a iniciação. Acredito que até os que assumiram sacerdócio sem ter o devido preparo irão ficar mais atentos, pois saberão que qualquer deslize pode provocar algo ruim, como o que aconteceu”, afirma.

“É necessário que não ocorram mais casos como este e que a morte do iyawô não fique impune. É preciso união de todas as casas de candomblé, que as casas matriz fiscalizem o que as casas descendentes estão fazendo, é urgentemente necessário um padrão, um código de conduta, comprometido com a vida de cada ser”, pondera Doné Aline.

A Ekedji Brenda dos Santos acredita ainda que para que fatos como esse não contribuam para o aumento da intolerância religiosa às religiosidades de matriz africana, é necessário falar sobre candomblé e mostrar o que é orixá, para que a sociedade não enxergue o fato como um todo. Além disso, o comportamento dos adeptos à religião também deve servir de espelho.

“Colocar orixá nas rodas de conversa serve para que as pessoas passem a entender os porquês e motivos, quem são os nossos deuses e qual o propósito da religião. Precisamos parar de nos esconder. Temos que agir com naturalidade. Temos que defender quem nós somos”, conclui.

Leia também: ‘Deputado baiano propõe criação de mês de combate ao racismo religioso’

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