Pesquisadores negros e periféricos se debruçaram para entender as características de tais movimentos sociais, rejeitados por organizações tradicionais e reduzidos a grupos identitários
Texto e imagem / Pedro Borges
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Os movimentos negros e periféricos foram analisados por pesquisadores, também pertencentes a esses grupos sociais, entre os dias 1º de Fevereiro e 31 de Maio de 2018. Resultado de provocação feita no projeto “Reconexão Periferias”, idealizado pela Fundação Perseu Abramo, que teve início em 31 de Janeiro e não tem previsão para encerramento, o estudo traça o perfil desses agrupamentos culturais e políticos, respeitando a diversidade existente.
A análise tomou como base um levantamento do Mapa das Organizações da Sociedade Civil, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que apresenta grupos registrados com CNPJ. Por meio das palavras chave “periferia”, “favela”, “popular” e “cultura”, foram localizadas 400 mil iniciativas, que não se sabe, porém, se estão ativas ou inativas.
Diante do que foi observado, os pesquisadores destacaram a resistência e a autonomia das pessoas e dos movimentos que compõem o espaço e a ideia de “periferia”.
“Formadas a partir de projetos de ampliação territorial que pouco consideraram as necessidades de seus habitantes, as periferias contaram com o agenciamento de seus atores para se constituir na forma que são: casas autoconstruídas por muitas mãos, ruas, becos e vielas que possibilitam o transitar local, transporte alternativo, movimento de mães crecheiras, associação comunitária, igrejas, saraus no bar, baile nas ruas e samba na barraca de lanche”, aponta o documento.
A multiplicidade e a força desses territórios são refletidos nos movimentos sociais, que tratam os problemas locais como formas de debate sobre temas de amplitude nacional.
Um dos exemplos apresentados é o próprio genocídio negro, antes visto como algo “local” e que passou a ser encarado como um problema do país, pelo menos por parte da esquerda, segundo Danilo Morais, sociólogo doutor pela UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos) e professor da fundação Hermínio Ometto, de Araras (SP).
“A denúncia sobre a seletividade do sistema penal e de justiça como um todo – que inicia, por exemplo, na filtragem racial na ação da polícia -, colocava-se como pauta fundamental de movimentos culturais de periferias já nos anos 1990, conforme notabilizou-se no hip-hop – nas letras de rap, grafites, pixos, etc. -, mas não foi acolhida com centralidade dentre as pautas do campo ‘progressista’”, afirma.
Imagem: Facebook / Periferia em Movimento
Movimentos sociais periféricos e o campo progressista
A relação entre estes movimentos e o campo progressista fez parte também da análise. Segundo os pesquisadores, olhares mais tradicionais excluem e não enxergam os coletivos de cultura e negro, por exemplo, como movimentos sociais.
Para Juliana Borges, pesquisadora em antropologia e consultora do projeto Reconexão periferias, um dos motivos para essa discrepância é a dificuldade de reconhecer diferentes formatos.
“Por muitos movimentos periféricos, notadamente os contemporâneos, não terem um modelo de organização tão bem delimitado, não se pautarem apenas na disputa institucional, fugirem de regras hierárquicas rígidas e buscarem mais processos em rede, em formatos mais autônomos, pode haver esta dificuldade de reconhecimento”.
Outra dificuldade está na ideia de que os coletivos negros, periféricos, feministas e LGBT fazem enfrentamento no campo “identitário” e os movimentos sociais tradicionais enfrentam os problemas “estruturais” da sociedade.
A esquerda então deixa de enxergar raça e gênero como questões estruturais, e ao tentar debater as inúmeras pautas sensíveis a esses grupos, faz sem ter feito discussão interna.
“Celebra-se a ‘diversidade’ enquanto não se discute a posição das pessoas que a produzem e enunciam. Mas essa diversidade foi também construída de forma generalizada, sem levar em consideração os diferentes intragrupos, a diferença entre as diferenças”, descreve a pesquisa, sobre como as diferenças não são discutidas dentro desses mesmos grupos.
O que fazer?
De acordo com Juliana Borges, a participação política destes agrupamentos exige uma diferente análise para a ação política ser acertada.
“Buscamos apresentar que a história não espera. Se compreendermos que movimentos sociais são atores e atrizes sociais em movimento, trabalhando em rede, devemos, então, englobar esta ampla gama de organizações no entendimento de movimentos sociais.”
Mais do que isso, o texto aponta a necessidade de “ter esses atores/sujeitos como protagonistas no processo de construção política” e “redistribuir as ‘cadeiras de poder’”, dividir não apenas a responsabilidade da construção democrática, mas também os espaços decisórios nesta construção”.
A necessidade de reconhecer e possibilitar o espaço de protagonismo, segundo Jaqueline Santos Lima, doutora em antropologia pela Unicamp e consultora do projeto Reconexão Periferias, se faz pela importante atuação desses grupos, que “são o centro da radicalização pela democracia”.
“Os coletivos negros e periféricos têm atuação pautada na experiência vivida, cotidiana, o que alimenta suas perspectivas e atuação política. São compostos por agentes transformadores que mobilizam pessoas, disputam imaginário e incidem em espaços estratégicos de decisão”, completa a doutora em antropologia pela Unicamp e consultora do projeto Reconexão Periferias.