‘Pelo direito à vida das crianças negras!’ – a Articulação Negra de Pernambuco, junto a coletivos e movimentos sociais, denunciam, em nota de repúdio publicada na última segunda-feira (20), o caso de falecimento de Samuel Jefferson Rodrigues, mais conhecido como Samuelzinho. A criança negra, de acordo com os pais, tinha um ano e 8 meses e teve sua vida interrompida por negligência médica em um hospital da rede privada no município de Olinda, em Pernambuco.
O caso aconteceu no dia 22 de novembro, quando Samuel, segundo os responsáveis, apresentava quadro de febre, palidez, extremidades frias e vômito, quando a família se encaminhou à unidade de emergência. Mesmo pedindo por uma atendimento de socorro imediato, os pais de Samuel contam que não receberam a assistência médica devida, com intervalos de espera longos e falta de atenção com o quadro da criança.
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Pelas informações dadas à Articulação Negra, os pais relataram que, já no atendimento inicial, o pai da criança, por iniciativa própria, teve que ir em busca de um termômetro para aferir a temperatura de Samuel, frente à falta de atenção dos profissionais presentes, que não respondeu aos pedidos de ajuda da família.
A intransigência no atendimento seguiu, de acordo com informações relatadas pela mãe. Segundo ela, durante o atendimento com a médica plantonista, a pediatra ignorou o relato feito sobre os sintomas da criança que, no momento, já apresentava sinais graves, como a boca pálida e as extremidades frias. Mesmo com o quadro de urgência perceptível, os pais contam que a criança não foi examinada de maneira completa.
45 minutos para a primeira medicação
Samuel teria recebido a primeira medicação após 45 minutos da chegada ao hospital. A única profissional de enfermagem disponível no momento informou que a medicação requisitada para a criança não havia chegado na farmácia.
Uma lavagem nasal prescrita pela médica foi realizada e, logo após esse momento, a profissional de saúde mandou a mãe deitar Samuel na maca para iniciar a medicação, o que ocasionou um quadro de convulsão. Em resposta à angústia dos pais sobre a reação do filho, a técnica informou que era normal e que a criança poderia apresentar outros sintomas, como sonolência. Em seguida, Samuel foi levado para outra ala do hospital em que os familiares não poderiam estar presentes. Após horas, chegou a notícia de que o filho não tinha resistido.
Para a surpresa dos pais, o atestado de óbito do menino Samuel apresentou causa indeterminada, mesmo o corpo sendo enviado ao Serviço de Verificação de Óbito. O Instituto de Medicina Legal também realizou averiguação, mas, até o momento, não apresentou o laudo oficial, o que deixa a família sem uma resposta concreta sobre o que aconteceu com a criança desde a apresentação dos sintomas, atendimento e o falecimento.
Em conversa com a Alma Preta Jornalismo, a mãe destacou a falta de atenção e escuta no atendimento de saúde dado às crianças negras. “Não fui ouvida! Em um atendimento de saúde, a criança deve ser tratada com igualdade, com cuidado e humanidade. Além disso, deve ser levado em conta o respeito e a voz da mãe, dos responsáveis, pessoas que conhecem tão bem seus filhos”, declara.
Já o pai fez um apelo para que a sociedade se atente à forma como as pessoas negras são tratadas nos mais variados serviços. “Nós não somos tratados de igual modo nem no shopping, nem no restaurante, muito menos em um hospital. Só que, nesse último caso, a nossa vida pode ir embora, sem um mínimo de cuidado, atendimento e atenção. A sociedade precisa entender isso e entrar na exigência por tratamentos iguais”, afirma.
Movimentos denunciam racismo no atendimento
Em nota publicada na última terça-feira (20), junto aos coletivos e movimentos sociais, a Articulação Negra de Pernambuco relacionou o caso com o racismo, que se apresenta como estrutural no país. Os movimentos ainda destacaram a desumanização do corpo negro, pontuando que casos como o de Samuel levam à percepção errônea de que corpos negros são feitos para suportar toda e qualquer tipo de dor.
“Viemos por meio desta nota exigir justiça por Samuel que, assim como tantas outras crianças negras, tiveram sua infância interrompida precocemente devido ao racismo que diminui a expectativa de vida de tantos meninos e meninas negras. Não aceitaremos calados e caladas a todas essas violações de direitos as quais somos submetidos diariamente. É por isso que gritamos: Justiça por Samuel!”, finaliza a nota.
Tuca Andrade, mestranda em serviço social e militante da Articulação, reitera que tornar pública a denúncia de negligência médica com uma criança negra ajuda que outras famílias se atentem ao racismo institucional e o denunciem.
“Mesmo com a falta de convivência no ambiente profissional de saúde, o que dificulta o acompanhamento de casos como o de Samuel, nós podemos ver nos dados a diferença do tratamento de crianças negras, além do nível de mortalidade em relação às crianças brancas. É preciso que a população se aprofunde sobre o tema e que, como medida que valerá para o futuro de demais crianças negras, os profissionais de saúde passem por um processo de humanização em seus atendimentos”, argumenta.
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Ato #JustiçaPorSamuelzinho marca um mês de falecimento
Para além da nota publicada e o compartilhamento da hashtag #JustiçaPorSamuelzinho, o movimento negro realiza, nesta quarta-feira (22), um ato presencial em frente à unidade da rede hospitalar privada em Olinda. Manifestantes se organizarão, às 14h, na Avenida Carlos de Lima Cavalcanti, 5027, em Bairro Novo, exigindo a responsabilização pela morte da criança. O ato marca exatamente um mês do falecimento de Samuel.
A família espera que, após o ato, o caso não caia na impunidade. “Levamos nosso filho com sinais vitais. Por conta de um atendimento negligenciado, o meu filho veio a falecer. Não existe dor maior. É insustentável viver sem ele”, finalizam.
Agora, o caso segue em acompanhamento pelo Projeto Oxé – atendimento jurídico e psicossocial contra o racismo, iniciativa da Rede de Mulheres Negras, do Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (GAJOP) e da ANEPE.
A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a assessoria do hospital, mas, até o fechamento desta publicação, não recebeu posicionamento.
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