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Mulheres ocupam 60% das moradias precárias no Brasil

Dados sobre o déficit habitacional no Brasil apontam que a questão da moradia digna é ainda um sonho distante para as mulheres, que às vezes se sujeitam à violência doméstica para ter onde morar

Imagem mostra uma mulher negra em moradia irregular

Foto: Imagem mostra uma mulher negra em moradia irregular

16 de março de 2022

“É de extrema importância entender que as mulheres negras e periféricas são as mais afetadas com a falta de moradia e moradia inadequada, e que esse problema tende a ser muito mais severo nas regiões Norte e Nordeste do país”, aponta Raquel Ludermir, doutora em Desenvolvimento Urbano, coordenadora nacional de incidência política da ONG Habitat para a Humanidade Brasil.

Para ela, entender os efeitos das discriminações e desigualdades interseccionais no acesso e nas condições de moradia é um passo fundamental para construção de políticas públicas que respondam à real necessidade da população, pois segundo informações da Fundação João Pinheiro (FIP), o déficit habitacional brasileiro também é uma questão de gênero, que acomete – principalmente – as mulheres.

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Os dados da FIP mostram que, em 2021, 15 milhões de moradias inadequadas são ocupadas por mulheres, número que representa 60% dos do total no Brasil. Contudo, e a partir dessa análise, Raquel Ludermir pontua que essas dimensões muitas vezes são invisibilizadas nas estimativas e médias nacionais.

“É justamente esse o perfil [mulheres negras e periféricas] mais afetado quando se fala, por exemplo, em quem precisa escolher entre comer ou pagar aluguel (ônus excessivo com aluguel), quem mora de favor na casa de amigos ou parentes por não ter alternativa (coabitação involuntária), ou quem precisa carregar baldes d’água na cabeça para necessidades básicas, como cozinhar e lavar roupa (carências de infraestruturas)”, salienta.

Precariedade

A doutora em Desenvolvimento Urbano ressalta que habitação adequada é a porta de entrada para uma série de direitos. “Olhar para o problema da moradia na perspectiva de gênero ajuda a entender que as condições de moradia das mulheres tendem a ser ainda mais precárias do que a média, e que isso tem repercussões na saúde, educação e bem estar das mulheres”.

No entanto, as informações do relatório da FIP não são animadoras. No indicador de precariedade habitacional, por exemplo, a análise mostra que enquanto houve uma taxa de crescimento de 7% ao ano entre as mulheres em situação habitacional precária, no caso dos homens esse crescimento foi apenas de 1,5%.

Ainda sobre a precariedade habitacional, outro número relevante é que, no Sudeste, a taxa é 67,5% feminina, ou seja, mais do que o dobro da masculina, que fica em 32,5%.

Leia também: ‘Mulheres negras chefiam maioria das famílias com risco de despejo em comunidade do Recife’

Raquel Ludemir pondera que é importante entender que essas desigualdades têm efeitos hoje e também ao longo das gerações, principalmente “para as mulheres, desproporcionalmente afetadas”, e suas famílias.

“Casa é um local de descanso e de convívio familiar, funções essenciais para a saúde física e mental. Também é local de estudo e desenvolvimento humano, e, muitas vezes, local de produção, geração de renda e sobrevivência”, destaca.

Moradia e violência doméstica

“Em uma pesquisa recente sobre as trajetórias de moradia de mulheres residentes em assentamentos precários, pude observar como as violências – física, psicológica, moral, sexual e patrimonial – atravessam a vida das mulheres desde a infância”, afirma Raquel Ludemir

A doutora está correta em sua análise, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. A OMS aponta que uma em cada três mulheres no mundo sofre violência doméstica. No Brasil, cerca de 80% dos casos conhecidos de violência contra a mulher são exercidos por parceiro íntimo, atual ou passado, e por parentes, como pais, irmãos, filhos, tios e sogros.

Além disso, casos de violência são rotineiros na vida das mulheres: 43% reportam sofrer violência diariamente e 35% semanalmente, de acordo com o Dossiê da Agência Patrícia Galvão.

“Infelizmente, ainda existem muitas mulheres que precisam tolerar esse tipo de violência por não ter para onde ir. A falta de alternativa de moradia não é a única, mas, certamente, é uma importante questão que influencia a decisão das mulheres que pretendem terminar relacionamentos abusivos. Muitas fogem de casa depois de episódios de violência aguda e buscam abrigo na casa de parentes, mas terminam voltando quando já não são mais bem vindas onde conseguiram abrigo temporário, ou quando as coisas se acalmam”, pondera Raquel Ludemir.

A doutora em Desenvolvimento Urbano ainda salienta que algumas mulheres optam por permanecer na relação para proteger seus bens e a herança dos filhos, e/ou também por não conseguir o afastamento do agressor do local de convívio, mesmo depois de determinadas medidas protetivas.

Além disso, outras mulheres enfrentam uma escalada da violência, que chega ao ponto de ameaças de morte, justamente quando elas tentam se separar e ficar com a casa ou bens aos quais têm direito e terminam fugindo de casa para evitar o feminicídio, de acordo com Raquel.

“Ou seja, a violência doméstica e ameaça de morte têm sido usadas como ferramenta de despejo e despossessão das mulheres e, infelizmente, ajudado a perpetuar as desigualdades materiais entre homens e mulheres, que são a base do machismo e patriarcado”, ressalta.

Abrigo seguro ainda é uma realidade distante

“Uma situação marcante é quando meninas são abusadas por pais ou padrastos e saem de casa, por vezes, migrando para outras cidades, em busca de trabalho, mesmo que precário, mas que ofereça também moradia”, complementa Raquel.

A organização Habitat Para a Humanidade Brasil aponta que no Brasil existem menos de 80 casas-abrigo para mulheres em situação de violência doméstica e familiar. A política de abrigamento restringe essas vagas para mulheres em situação de risco iminente de morte. Antes do risco de feminicídio, não existe abrigamento para mulheres em situação de violência doméstica.

Alguns estados e municípios possuem previsão para oferecer auxílio-aluguel para estas mulheres, mas tanto o valor quanto o volume de atendimento nessa modalidade são insuficientes. Em uma cidade do tamanho de São Paulo, por exemplo, apenas 32 sobreviventes receberam bolsa-aluguel, concedida pela Secretaria Municipal de Habitação (Sehab-SP), no primeiro semestre de 2015. Mesmo assim, o programa foi suspenso em 2016.

“Ainda hoje, mulheres em situação de violência doméstica ainda são encaminhadas para abrigos de população em situação de rua, ou mesmo encaminhadas para casa de parentes distantes, em um sentido que é contrário à autonomia delas”, avalia Raquel Ludemir.

Políticas públicas

O problema da moradia no Brasil é extremamente complexo e requer políticas públicas que vão desde a melhoria habitacional, a regularização fundiária, e a implantação de infraestrutura em assentamentos precários, até a produção de novas moradias para fazer frente ao déficit habitacional no país, segundo a doutora em Desenvolvimento Urbano.

Para ela, em todas essas medidas, é importante priorizar os grupos historicamente vulnerabilizados, como as mulheres, população negra e de baixa renda.

“Considerando as relações entre violência doméstica e moradia, é urgente ampliar o serviço de abrigamento para atender mulheres vítimas de violência antes que elas estejam diante do risco de feminicídio, e garantir a efetividade de medidas protetivas para as mulheres que desejam e têm o direito de permanecer na casa onde conviviam com o agressor”, complementa.

Raquel avalia ainda que também é importante que as mulheres, e os operadores da rede de atendimento à vítima de violência, entendam que perder parte de uma casa (ou terreno) na separação – ou na partilha de herança –, ter direitos sucessórios negados ou diminuídos, quando pais priorizam filhos em detrimento das filhas na antecipação de herança, por exemplo, constituem a violência patrimonial contra a mulher, já prevista na Lei Maria da Penha desde 2006.

“Muitas mulheres desconhecem seus direitos de propriedade e, portanto, não conseguem identificar quando estão expostas a este tipo de violência patrimonial”, complementa.

Contudo, a doutora lamenta que nos últimos anos, houve um desmonte das políticas urbanas e de habitação no Brasil. Em 2021, por exemplo, mesmo durante a pandemia, o Governo Federal cortou 98% dos recursos para a produção de moradia para a população de baixa renda, enquanto a população em situação de rua, os despejos, e as remoções forçadas não pararam de crescer.

Para ela, “o resultado das eleições presidenciais será determinante para a luta pelo direito à cidade. Nós da Habitat para a Humanidade Brasil continuaremos produzindo informações e fortalecendo territórios, denunciando violações de direitos, e incidindo por políticas públicas que visem cidades mais justas, sustentáveis e democráticas”, finaliza.

Leia também: ‘Famílias que vivem à beira de córrego em SP denunciam risco de perder moradia’

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