O Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas e Álcool de São Paulo (COMUDA/SP) publicou uma nota pública em repúdio ao muro levantado na Cracolândia em maio de 2024. Segundo a entidade, a construção simboliza a falência de políticas públicas voltadas para a população vulnerável e usuária de substâncias psicoativas.
A nota, de 21 de janeiro, foi feita após uma visita técnica feita no local neste mês. Membros do conselho perceberam que a delimitação espacial imposta pela Prefeitura acarreta constrangimento ilegal e abuso de autoridade.
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Para ingressar no espaço cercado, usuários precisam se submeter a revistas policiais, e não há infraestrutura básica para atender às necessidades humanas. Falta sombra, banheiros, e há apenas um ponto de água potável, instalado durante a inspeção da Comissão.
Apesar das ações da gestão municipal, como a política de dispersão de usuários de drogas, o COMUDA/SP ressalta que a Cracolândia persiste, espalhando-se por outras áreas da cidade e agravando a vulnerabilidade social.
Na prática, novas “cenas de uso” têm surgido em diferentes regiões da capital, o que evidencia o deslocamento do problema em vez de sua resolução.
Políticas de exclusão na Cracolândia e falhas na assistência
O muro, segundo o COMUDA/SP, escancara a ausência de uma política de drogas integrada e humanizada. A centralização das abordagens em ações repressivas, aliadas à presença ostensiva de forças policiais, limita o acesso a cuidados essenciais, como saúde e assistência social.
Para os conselheiros, essas medidas desarticulam a ação de equipes técnicas e negligenciam princípios de redução de danos, amplamente recomendados por organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o UNAIDS, programa da ONU voltado para o combate à AIDS.
Além disso, a inexistência de um espaço adequado para acolhimento e convivência dos usuários agrava a marginalização.
Essa proposta já foi tema de discussões anteriores e está nas recomendações do próprio conselho desde 2023.
Recomendações para uma abordagem humanizada
O COMUDA/SP apresentou um conjunto de medidas para reverter o cenário atual na Cracolândia e garantir direitos básicos. São elas:
- a instalação de infraestrutura básica como banheiros;
- chuveiros, abrigos e pontos de água potável;
- a criação de um Centro de Convivência;
- espaço para acolher usuários com foco na redução de danos e cuidados em liberdade;
- e a autorização de ações de redução de danos, como distribuição de preservativos, piteiras e protetores labiais.
O conselho também recomendou a implementação de um espaço seguro para uso de drogas, conforme o discutido na 8ª Conferência Municipal de Políticas sobre Álcool e Drogas.
Outra proposta foi a formação de um grupo de trabalho intersetorial, com a reunião de representantes do COMUDA/SP, Ministério Público, Defensoria Pública e gestores municipais.
A nota pública reforça que a atual política de segregação não soluciona os problemas estruturais relacionados ao uso de drogas. Pelo contrário, contribui para a invisibilização da crise humanitária e afasta a sociedade do debate necessário sobre saúde pública, inclusão e respeito aos direitos humanos.
Críticas à gestão pública
O COMUDA/SP enfatizou a necessidade de maior transparência e diálogo com a sociedade, já que a ausência de planejamento e ações articuladas compromete a eficácia das políticas públicas e contribui para a perpetuação do problema.
A proposta de um Centro de Convivência, apresentada em conferências municipais, é um exemplo de alternativa real à exclusão e marginalização.
Embora a prefeitura afirme que o número de pessoas na região da Cracolândia tenha diminuído, o Conselho contesta a afirmação.
Para o COMUDA/SP, essa redução é apenas aparente, pois desconsidera o crescimento de cenas de uso em outras áreas e o aumento da concentração de pessoas durante a noite.