“Como dona de casa, há um ano, eu ia com o ticket do meu marido que era de R$ 360 e fazia uma compra boa, que dava para o mês inteiro. Eu comprava mistura e uma boa cesta básica. Hoje em dia eu não compro nem o essencial, quanto menos mistura”. O desabafo é de Andréa Bala, moradora da Baixada Santista (SP), e reflete a realidade dos brasileiros mais pobres em 2021, com a piora da pandemia, a escassez de empregos e os preços dos alimentos que não param de subir.
Com três filhos pequenos, Andréa conta que além dos itens básicos, notou aumento do preço em biscoitos recheados e iogurtes. “Hoje não dá pra comprar as coisas com menos de R$ 500, isso porque eu compro no mercado que vende atacado. No mercado de bairro, pode aumentar quase duas vezes esse valor”, alerta a dona de casa.
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A atualização do salário mínimo, direito da Constituição e atualizado em fevereiro de 2021, aponta que o trabalhador empregado em em regime formal, com carteira assinada, precisa receber pelo menos R$ 1.100 mensais. Dados da Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), revelam que o salário mínimo necessário no país deveria ser de R$ 5.375 por mês, considerando o valor de todos os alimentos que compõem a cesta básica.
Na equação do aumento da fome no Brasil, está o preço dos combustíveis, a redução de produtos no mercado interno e a desvalorização da moeda brasileira. De acordo com a economista e supervisora de preços do Dieese, Patrícia Lino Costa, o aumento no valor dos alimentos é amparado pela redução da oferta de alguns itens no mercado nacional, a exemplo do leite e da carne bovina, exportados principalmente para a China. “Só em São Paulo, registramos um aumento de 20% no valor da cesta básica. É um aumento muito expressivo e que é agravado pelo problema da oferta de produtos”, explica.
Além da oferta no mercado interno e a valorização do dólar frente ao real, Patrícia aponta outros fatores que também influenciam na alta dos preços da gôndola do mercado. “O problema começa lá na ponta, quando a gente não vê incentivo à agricultura familiar e ao estoque mínimo, por exemplo. Depois vem a distribuição, que gera gastos em um cenário em que não existe nenhuma menção do governo sobre reduzir o preço do combustível, do diesel ou do gás”, ressalta a economista.
A agropecuária teve crescimento de 2% enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) caiu 4,1 em 2020 (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
A vice-presidente do Conselho Curador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, Wania Santana, afirma que é vergonhoso que um país com tanto potencial produtivo como o Brasil tenha pessoas passando fome. Ela explica que o segmento do agroindustrial no Brasil, que não sofreu perdas nas transações comerciais, diferente de quase todos os setores da economia nacional, poderia ter um papel muito significativo para o combate à fome. “Com o dólar nesse preço, é claro que as exportações ganham mais força e o aumento dos preços contribui para a alta no número de pessoas em condição de insegurança alimentar aqui”, afirma Wania, que também é historiadora e integrante da Coalizão Negra por Direitos, articulação do movimento negro organizado e que luta contra a fome no Brasil.
Depois de um ano de pandemia, lidando com o desemprego e falta de oportunidades de trabalho, a moradora da Vila Penteado, periferia da Zona Norte de São Paulo, Priscila Gabriel, conta que precisou cortar itens da lista de compras. Para alimentar a família de cinco pessoas, os preços da carne, do arroz e do óleo pesaram ainda mais na conta. “Antes tinha o auxílio emergencial, então ficamos numa situação ainda pior”, relata a profissional autônoma, que atua como trancista de cabelos.
Wania aponta a cesta básica como item elementar quando se trata da crise sanitária e econômica vivida no Brasil e questiona: “Qual é o objetivo de você homologar algo que nós sabemos pelos números que não vai ser suficiente?”. Para ela, a aprovação de um auxílio emergencial de R$ 250 reforça posicionamentos já conhecidos do governo Bolsonaro. “Não é só humilhar as pessoas, é você demonstrar que o destino das pessoas é insignificante”, conclui.