Por: Pedro Borges e Solon Neto
O filósofo e quilombola Antônio Bispo dos Santos, conhecido como Nêgo Bispo, faleceu no domingo (3), por conta de uma parada cardiorrespiratória. Depois da morte da liderança, de 63 anos, movimentos negros, em especial os quilombolas, lamentaram a perda e ressaltaram as contribuições do intelectual para o povo negro.
A Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) emitiu nota nas redes sociais destacando a “contribuição inestimável para a compreensão e preservação da cultura e identidade quilombola” na vida e obra do filósofo.
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A Alma Preta entrevistou duas lideranças quilombolas para compreender o legado deixado pelo intelectual. Maíra Silva, coordenadora da área de racismo ambiental do Instituto Peregum, acredita que o ativista foi uma referência para os povos negros da diáspora.
“Ele reafirma esse legado para todos nós, principalmente para nossa juventude quilombola, de que a gente já tem a tecnologia necessária para as transformações nos nossos territórios. Nêgo Bispo foi e sempre será um marco civilizatório para nós, povos diaspóricos de todo o Brasil”, disse.
Já Selma Dealdina, coordenadora nacional da Conaq, destacou as reflexões feitas por Bispo sobre ancestralidade e os desafios do tempo presente: “Acho que são várias reflexões, como sobre a questão da academia, do pegar os saberes e transformar em mercadoria, do que é conhecimento, o que é conhecimento da ancestralidade. O Bispo vinha conversando também muito com a gente sobre o processo de descolonizar nossos pensamentos”.
Além de ampla repercussão na mídia e nas redes sociais, autoridades do governo federal também lamentaram o falecimento de Nêgo Bispo. Em nota, o Ministério da Cultura classificou o intelectual como “um dos maiores nomes do pensamento negro contemporâneo brasileiro” e salientou que o quilombola “deixou um rastro de conhecimento que inspirou reflexões sobre igualdade racial”.
Já o Ministério da Igualdade Racial (MIR) publicou nas redes sociais que Bispo deixa um “legado gigante para a preservação da cultura e identidade quilombola”. O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), também usou as redes para lamentar a morte de Bispo, apontado pelo mandatário como “importante intelectual” e ativista social das “comunidades tradicionais que constituem parte importante da nossa identidade”.
O debate climático
A morte de Nêgo Bispo aconteceu durante a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), que ocorre este ano em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. O encontro reúne uma delegação de dez quilombolas e ativistas do movimento negro, articulados pela Coalizão Negra por Direitos.
Bispo tinha uma trajetória intelectual de reflexões sobre o meio ambiente e crítica ao atual modelo desenvolvimentista e seus impactos sobre os recursos naturais. O pensador também defendia a ideia de contracolonialismo como forma de resistência social de povos tradicionais. Maíra Silva, do Instituto Peregum, acredita que ele tenha se tornado uma referência para essa discussão na área climática.
“Ele, como intelectual e filósofo, foi muito importante para nos posicionar sobre essa questão da emergência climática. Ele enfatizava como nós, povos quilombolas e diaspóricos, fomos importantes para o desenvolvimento desse país”, ressalta.
Selma Dealdina recorda que o intelectual apontava que os conceitos da agroecologia e de ambientalistas já eram dominados por povos quilombolas. “As reflexões que o Bispo fazia sobre a agroecologia, sobre o ambiente, sobre mudanças climáticas e tantos outros temas é que, na verdade, a gente trata como nomenclaturas o que as comunidades quilombolas sempre fizeram”, disse.
A coordenadora da Conaq também lamentou a perda da liderança de Antônio Bispo dos Santos: “É um misto de saudade, um misto de dor, um misto de luto, mas também a certeza de que ele deixou o recado dele, deixou o legado dele para que a gente possa perpetuar e, sem dúvida nenhuma, continuar o seu legado é levando para as pessoas os conhecimentos”.
Legado intelectual
Nascido em 1959, no vale do rio Berlengas, no Piauí, o filósofo, professor e líder quilombola Antônio Bispo dos Santos é autor de livros como “A Terra dá, a Terra quer”, de 2023, e “Colonização, Quilombos: modos e significações”, de 2015.
O pensador foi formado por meio de saberes tradicionais no quilombo Saco Curtume, no município de São João do Piauí, a cerca de 400 quilômetros de Teresina, e viajou o Brasil ministrando cursos e palestras, tendo sido professor convidado do Encontro de Saberes da Universidade de Brasília (UnB) e da Formação Transversal em Saberes Tradicionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A atuação política de Bispo foi marcada pela luta pela terra e pela mediação entre as autoridades locais e os povos quilombolas, diretamente ou por meio de organizações como a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (Cecoq/PI) e a própria Conaq. Como intelectual, promoveu cosmovisões de povos tradicionais, apontados por ele como contracolonizadores.