A fome já atingiu 19 milhões de brasileiros nesta pandemia, de acordo com a pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PESSAN). Em 2019, antes do período pandêmico, o número de pessoas em situação de rua já havia aumentado 53% na comparação com 2015.
Os artistas urbanos, que vivem a realidade das ruas de perto, têm se mobilizado para conter parte desses avanços, que atingem principalmente a população negra. João França (o M.I.A) e Fernanda de Deus (a Vismoart) são dos artivistas conhecidos na cena artística urbana da cidade de São Paulo. Com extintores carregados de tinta, a dupla fez barulho na maior capital do país com a intervenção “Olhais Por Nóis” (2016), no Monumento às Bandeiras, estátua Borba Gato e Pátio do Colégio. As intervenções da dupla propuseram reflexões sobre questões sociais e levantou o debate sobre figuras homenageadas na metrópole.
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Para tentar conter os avanços da fome, em 2020 o casal criou o “Nós Por Nóis”, projeto que leva alimentação para quem vive nas ruas. A iniciativa também atua em algumas periferias das regiões Leste e Oeste da cidade, mas se concentra especialmente no centro.
“Nossa principal atuação é no centro, onde o número de pessoas em situação de rua aumenta a cada dia, e agora com a segunda fase de lockdown as pessoas estão jogadas pelas ruas do centro, sem nenhum tipo de assistência do estado. Nossa meta como artistas urbanos é retribuir a rua tudo que aprendemos nela”, afirma Fernanda.
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João, que foi dependente químico por cinco anos, diz conhecer de perto esse cenário. “Conheço na pele a realidade das ruas geladas de São Paulo, onde pessoas são tratadas como lixo pela sociedade e totalmente esquecidas pelo poder público. O projeto vai muito além de um prato de comida, é uma forma de amenizar o sofrimento de quem é invisível na nossa sociedade”, explica.
Violência e higienismo
Na maior cidade do país, as ações do poder público voltadas à população de rua possuem um histórico de violência e higienismo, com expulsões, jatos d’água e avais para abordagens policiais invasivas.
No fim da gestão de Fernando Haddad (PT), em 2016, o prefeito assinou o decreto 57.609 de zeladoria urbana, uma possível resolução para estabelecer os direitos humanos da população de rua. No primeiro ano de mandato de João Doria PSDB), o então prefeito publicou alterações no decreto que geraram controvérsias e iniciaram o debate sobre a gestão higienista. Na alteração, o prefeito liberou ações a qualquer dia e horário, autorizando a retirada dos objetos de “sobrevivência”, como cobertores e papelões, e abria brechas para uma abordagem mais truculenta e agressiva.
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O mesmo se repetiu durante a pandemia. A atual gestão, do prefeito Bruno Covas (PSDB), instalou no início de 2021 pedras de paralelepípedo embaixo de alguns viadutos da cidade, o que gerou uma série de manifestações. Com a repercussão negativa, a própria prefeitura acabou terminando o serviço de retirar as pedras.
Questionados sobre quais iniciativas poderiam ajudar a conter esses aumentos, a dupla de artivistas é categórica. “Do poder público não esperamos mais nada. Com ou sem pandemia eles devem e podem fazer diversas iniciativas para conter a fome e a desigualdade social, porém nada é feito. Neste momento não seria diferente”, avaliam João e Fernanda.