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O que o massacre no Pará mostra sobre o sistema prisional e racismo no Brasil?

18 de abril de 2018

Óbito de 21 pessoas em tentativa de fuga ocorrida há uma semana em Belém (PA) faz parte de eventos semelhantes ocorridos neste ano; casos evidenciam condições precárias dos presídios no país

Texto / Amauri Eugênio Jr.
Foto / Thiago Gomes/Ascom Susipe

Em 10 de abril, uma tentativa de fuga em massa do Complexo Prisional de Santa Izabel, em Belém (PA), resultou em 21 mortes. De acordo com a Segup (Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará), um agente, cinco detentos e 15 suspeitos de tentarem facilitar a fuga estavam entre as vítimas fatais.

O episódio resultou em visita feita por integrantes do Ministério dos Direitos Humanos ao presídio para averiguar as circunstâncias das mortes e solicitou ao governo paraense esclarecimentos a respeito das execuções.

Ainda, Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública, anunciou em 11 de abril que havia colocado a Polícia Federal e a Força Nacional de Segurança à disposição do governo estadual paraense.

Somam-se a este caso episódios como o em que houve nove mortes no Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia, registradas em 1º de janeiro deste ano, quando detentos de uma ala invadiram outras três alas e atacaram os detentos lá instalados.

O que esses episódios mostram?

Em primeiro lugar, a superlotação das unidades prisionais ao redor do Brasil chama a atenção para um dado alarmante. De acordo com o Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), do Ministério da Justiça, a população carcerária brasileira chegou a quase 727 mil detentos.

Tal marca coloca o Brasil como o terceiro país com a maior população carcerária no mundo, atrás da China, que tem 1,6 milhão detentos, e dos EUA, onde há 2 milhões de pessoas atrás das grades.

No Brasil, outro indicador que causa espanto é o sociorracial: mais da metade dos detentos tem entre 18 e 29 anos, além de 64% da população carcerária ser negra.

“Incluo a questão das pessoas menores de 18 anos privadas de liberdade, porque os dados se parecem bastante, com uma margem ou outra de pequena diferença. São também adolescentes de ambos os sexos, de maioria negra que estão nas unidades de socioeducação, que são na verdade a reprodução em menor escala das unidades prisionais”, explica Monique Cruz, pesquisadora da área de Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global, ONG atuante na proteção e promoção dos direitos humanos, sobre as razões pelas quais a população negra e jovens formam a maioria dos detentos.

Por sinal, o perfil médio de pessoas encarceradas tem como ponto comum a escolaridade muito baixa, a falta de vínculo formal de trabalho e a moradia em em bairros periféricos.

Dessa maneira, é inevitável relacionar a desigualdade socioeconômica entre pessoas negras e brancas, o que é refletido, inclusive, na composição da população carcerária, com a história negra no Brasil.

“É preciso lembrar que este ano, em serão completados 130 anos da ‘abolição’, o Brasil sequer colocou ou coloca em pauta a necessária reparação que nos foi negada pelos crimes cometidos contra as pessoas negras escravizadas e seus descendentes”, ressalta Monique, ao traçar paralelo com a política adotada pelo Estado no fim do século XIX para trazer colonos europeus ao Brasil.

Se durante os períodos colonial e imperial, a escravidão de pessoas negras e a consequente exclusão social eram partes de política pública do Estado, o modus operandi racista foi aprimorado com o passar do tempo.

Ou seja, a pessoa negra foi inserida em estigma relacionado à transformação de condutas criminosas em doença, o que colabora para a naturalização de sua imagem como alguém clinicamente propenso a ser criminoso.

“Por essas e outras questões encontramos no sistema de justiça criminal pessoas como Rafael Braga Vieira, condenado a 11 anos de prisão por uma quantidade forjada e irrisória de drogas ilícitas, e de ‘o filho da desembargadora que não se pode nomear’ com mais de 100 kg de drogas ilícitas, além de projéteis de armas de grosso calibre, sendo enviado para uma clínica psiquiátrica para tratamento de dependência química”, ilustra Monique, sobre a seletividade do poder público e da segurança pública para encarcerar pessoas negras.

Imagem: Agência Brasil

Ressocialização ou desumanização?

A superlotação e as condições insalubres de presídios brasileiros são nítidas. As condições insalubres e a superlotação reforçam o caráter punitivista e a dificuldade de ressocializar

“Esse tipo de mecanismo de punição não serve para absolutamente nada além de gerar sofrimento para a maioria e lucro para minorias no mundo inteiro”, ressalta Monique, sobre a estrutura do sistema prisional.

“Há superlotação, falta de alimentação adequada ou de qualquer tipo de alimentação, torturas estruturais – o ar é insalubre, as temperaturas são muito altas, não há água potável, acesso a medicamentos, roupas limpas ou condições adequadas de sono e iluminação”, detalha, ao falar sobre a escassez do acesso a projetos educacionais e de trabalho, em oposição à existência de tortura institucionalizada.

E o poder público?

Fala-se que o poder público, independentemente da esfera em questão, é omisso quando o assunto é o sistema carcerário brasileiro.

Contudo, na visão de Monique, o poder público tem responsabilidade total nesse caso, a começar que tais detentos estão sob a sua tutela uma vez que foram encarcerados.

Coincidência ou não, o Brasil responde por diversos casos de violações de direitos humanos em unidades prisionais.

“Recentemente, o Brasil foi chamado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) para responder sobre quatro casos que tramitam atualmente em uma audiência pública na qual a Corte afirmava haver ‘indícios de generalização dos problemas’ e nós, da sociedade civil, demonstramos que não são indícios, mas sim generalização”, ressalta a pesquisadora da ONG Justiça Global, sobre a convocação do país, em maio de 2017, para responder sobre os casos do Complexo Penitenciário de Pedrinhas (MA), da Unidade de Internação Socioeducativa – UNIS (ES), do Complexo do Curado (PE) e do Instituto Plácido de Sá Carvalho (RJ).

O que se pode concluir?

Ao levar-se em conta o modus operandi do sistema prisional brasileiro, na média, é possível estabelecer relação entre prisões generalizadas e o impacto causado nas vidas das famílias de tais detentos.

“Essa violência institucional que reverbera sobre a família, principalmente em relação às mulheres, é fator de fundamental importância no tocante ao adoecimento mental, pela violência de gênero que a instituição impetra sobre as mulheres e crianças e, consequentemente, o efeito social se pensarmos que são as mulheres negras a base da vida social”, descreve Monique, ao falar como o sistema prisional afeta, em particular, mulheres que tenham algum grau de parentesco com detentos.
Outro aspecto a ser levado em conta é o preconceito com presidiários após eles serem colocados em liberdade. Além da dificuldade em se realocar no mercado de trabalho, a perseguição simbólica, por causa do estigma social, e literal, por meio da hostilidade da sociedade civil e de agentes de segurança pública, tornam quase nulas as chances de o presidiário retomar a vida.
“Uma imensa lista de efeitos impossibilita a comunidade negra de se desenvolver, assim como as pessoas negras se livrarem de estereótipos e marcas históricas que a supremacia branca do judiciário – e legislativo colocam no nosso corpo, cultura e nas nossas formas de organização”, completa Monique Cruz.

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