Oswaldo de Camargo, um dos principais nomes da literatura contemporânea, participou de debate sobre o mais recente livro publicado pelo autor, “Negro Drama: a cor duvidosa de Mário de Andrade”
Texto / Pedro Borges
Foto / Pedro Borges
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O sucesso embranquece. A afirmação, repetida algumas vezes pelo escritor Oswaldo de Camargo dá o tom da obra escrita pelo poeta sobre outro escritor, o renomado Mário de Andrade.
O livro, “Negro Drama: a cor duvidosa de Mário de Andrade”, é uma série de ensaios sobre o embranquecimento de figuras negras e também sobre a possibilidade de mulheres e homens negros de pele clara de tentarem se passar socialmente como brancos.
“É uma pena que a gente perca, devido à cor duvidosa, que resvala só para o outro lado. Não estou negando o lado branco dos pardos e mulatos, mas eles geralmente resvalam só para o lado branco. É uma pena para a luta pela justiça, igualdade do negro brasileiro”, conta Camargo.
Neide Almeida e o livro de Oswaldo de Camargo sobre Mário de Andrade (Foto: Pedro Borges/Alma Preta)
A apresentação do livro e as reflexões do escritor foram a público no dia 30 de março, sábado, em debate organizado no Sesc Paulista, das 17h às 18h30. Ao lado de Oswaldo, participaram o músico Felipe Antunes, a poeta Patrícia Meira e a escritora Neide Almeida, que mediou a atividade.
“Embora a gente tenha feito uma conversa muito curta para extensão e densidade do tema, que é muito complexo e dá margem para muitas reflexões, acho que a gente teve uma conversa bem intensa, bem instigadora e que dá margem pra continuar essa conversa”, conta Neide Almeida.
O debate
A atividade se iniciou com música tocada e cantada por Felipe Antunes, seguida de uma poesia declamada por Patrícia Meira. Na sequência, o principal convidado da atividade, Oswaldo de Camargo, foi convidado para sentar e conversar com o público a partir das provocações.
Segundo Oswaldo, a curiosidade sobre a identidade racial de Mário de Andrade se iniciou quando se deparou com uma foto do falecido escritor em que ele apresentava traços negróides e o cabelo crespo. Oswaldo começou então a pesquisar sobre o assunto e encontrou uma série de referências à negritude de Mário de Andrade.
Felipe Antunes fez apresentações musicais durante a atividade (Foto: Pedro Borges/Alma Preta)
Nas palavras do próprio escritor do movimento modernista, Mário se descrevia como detentor de uma cor “duvidosa”. Não só, Oswaldo também descobriu uma série de referências de outros escritores da época que, inclusive, o discriminavam. Para Oswaldo, é uma pena que figuras negras como Mário de Andrade não tenham se posicionado enquanto tais reafirmado a negritude.
“É pena porque a fonte dessa luta pela igualdade, pela justiça, por colocar o negro no seu devido lugar, como cidadão, o que não se conseguiu totalmente ainda hoje perde, porque pessoas que poderiam, aceitando a sua posição negra, lutar para que isso chegue mais cedo possível, ficam indiferentes”, afirma.
Para o escritor, contudo, esse não é um problema restrito à Mário de Andrade. “Uma pessoa parda, mulata também pode fazer o jogo de ser branco ou não. Muitos fizeram e continuam fazendo o jogo, tem um bom dinheiro, tem uma boa casa, é muito fácil, ele resvalar para ser visto apenas como branco”, pontua.
Patrícia Meira concorda com Oswaldo. Ela afirma que o tom de pele e as características negróides da pessoa definem o quanto de competência a sociedade vai exigir dessa pessoa para ela consiga se desenvolver.
“O tom vai definir o dom. Cada um sabe o peso do tom que carrega. Ele sabia o peso do tom que carregava. Foi pelo menos o que eu consegui entender sobre tudo isso. Eu já li algumas coisas a respeito, mas não sabia tão profundamente como foi dito aqui hoje”.
Patrícia Meira em intervenção poética durante o debate no Sesc Paulista (Foto: Pedro Borges/Alma Preta)
O músico Felipe Antunes critica a opressão racial existente no Brasil e destaca a necessidade de construção de forças para a superação do racismo.
“Eu achei super interessante porque é uma maneira da gente criar alianças, que é uma das coisas que mais importa hoje em dia para os grupos raciais que não são negros. Já que é uma construção social, eu acho que a gente pode desconstruir. Eu trabalho assim, tenho pensado assim, de ir no caminho da desnaturalização e desnormatização. Virou normal tratar assim, do que de fato é a natureza do ser humano”, conta.