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Polícia mata 1 pessoa negra a cada 4 horas, diz relatório; média se repete há 5 anos

Considerando apenas os registros com informação de raça e cor, foram 3.169 mortes, sendo que 2.782 vítimas eram pretas ou pardas
Imagem mostra um grupo de pessoas negras e um policial armado ao lado delas.

Foto: Wiki Favelas/Reprodução

7 de novembro de 2024

Pelo quinto ano consecutivo, o relatório “Pele Alvo”, da Rede de Observatórios da Segurança, afirma que a polícia matou, em média, uma pessoa negra a cada quatro horas. A edição de 2023 foi publicada nesta quinta-feira (7).

A publicação existe desde 2019 e abrange atualmente nove estados: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.

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Em 2023, foram 4.025 pessoas mortas pelas polícias dos nove estados que integram a Rede. Considerando apenas os registros com informação de raça e cor, foram 3.169 mortes, sendo que 2.782 vítimas eram pretas ou pardas. Ou seja, 87,8% dos assassinados pelas polícias eram pessoas negras. 

As mortes se concentram na faixa etária de 18 a 29 anos em todos os estados da Rede de Observatórios. E, nesta edição, notou-se que a diminuição dos não informados nos dados de idade “coloca de vez o problema do racismo contra a juventude negra no centro do problema”. 

“Por exemplo, em 2022, metade das vítimas (50,4%) do Rio de Janeiro não tinham informação de idade e 36,2% tinham de 18 a 29 anos. Em 2023, os “não informados” caíram para 39,8% e, por consequência, o grupo passou a representar 40,4%”, exemplifica o relatório.

Com exceção do Piauí, em todos os estados a proporção de pessoas negras mortas pela polícia é maior do que a proporção dessa população nos estados.

Panorama nos estados

Pernambuco apresentou o maior aumento de pessoas mortas pelas polícias. O estado saiu de 91 vítimas em 2022 para 117 em 2023, um incremento de 28,6%.

A Bahia chama novamente atenção. De 2019 – ano do primeiro relatório – a 2023, o estado teve um aumento de 161,8% nas mortes decorrentes, saltando de 650 para alarmantes 1.702 vítimas. De 2022 para 2023, o aumento foi de 16,1% — de 1.465 mortes para 1.702 no ano seguinte.

O estado, pelo segundo ano consecutivo, superou o Rio de Janeiro que, segundo o relatório, historicamente se destaca pela alta letalidade policial.

O Rio surpreendeu com uma redução de 34,5% na letalidade policial e reduziu, após anos, o patamar de mais de mil óbitos. “Esforços como a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, pressões do governo federal e a repercussão negativa das constantes mortes de inocentes podem ser destacadas para que o ano tenha se encerrado com 871 casos”, analisa o relatório.

São Paulo observa um aumento de 21,7%, após anos de esforços para reduzir a letalidade policial. A causa seria a mudanças da política de segurança pública do governo de Tarcísio. 

“O novo governo estadual, que além de endossar o uso da violência como política, mudou o perfil da gestão da secretaria e reduziu os investimentos nas bodycams (item fortemente defendido como mecanismo de redução)”, argumenta a equipe de São Paulo no relatório.

Amazonas, Ceará, Maranhão e Piauí foram estados que apresentaram redução de 40,4%, 3,3%, 32,6% e 30,8% na letalidade policial, respectivamente. 

Os dados dos estudos são obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto às secretarias de Segurança Pública e órgãos correlatos.

Veja abaixo o contexto de cada um dos nove estados:

Amazonas

Nos últimos anos, a letalidade policial no Estado mudou sua distribuição territorial: se em 2022, 61,6% ocorreram na capital, em 2023, 54,2% aconteceram no interior. Essa mudança foi induzida por ocorrências no município de Rio Preto da Eva, de cerca de 25 mil habitantes. Com menos de 1% da população do estado, acumulou 15,3% das vítimas. 

A pesquisadora Tayná Boaes, da Rede de Observatórios da Segurança no Amazonas, afirma que as ocorrências da pequena cidade são frequentemente atribuídas a disputas entre facções criminosas, tráfico de drogas e conflitos socioambientais, mas que essas explicações não dão conta da complexidade local.

“Um ponto importante a ser destacado é que Rio Preto da Eva não está diretamente inserido nas principais rotas fluviais de entrada de drogas, o que sugere que as análises sobre o município muitas vezes caem em generalizações que não refletem as dinâmicas específicas de seu território”, analisa Boaes.

Apesar disso, houve redução de 40,4% da letalidade policial entre 2022 e 2023 — o que, segundo a equipe estadual, “ trata-se de um evento que ainda precisa ser melhor estudado”, já que não foi criada qualquer política pública específica para isso.

O relatório destaca ainda o fato de que, também em 2023, o secretário de segurança pública foi alvo de investigação, acusado de envolvimento com o tráfico de drogas. “É notável também o aumento de policiais acusados de participação no mesmo mercado”, ressalta o documento.

Bahia

Em 2023, a Bahia lidera no número de mortes por intervenção do Estado pela segunda vez consecutiva e se destaca por ser o único estado da Rede a registrar mais de mil mortes. Nele, estão cinco das dez cidades em que a polícia mais matou no Brasil.

Com 94,6% de vítimas negras e 99,5% masculinas, 62% dos assassinados pela polícia têm 18 a 29 anos.

A avaliação dos pesquisadores da Bahia é que, “apesar das propostas baseadas em ideologias de justiça social, o governo do estado ainda não conseguiu reverter a aplicação de violência letal, sobretudo em regiões consideradas favelas”. O estado é governado pelo PT há 17 anos, desde 2007.

 “As políticas de segurança seguem falhando na aplicação de mudanças estruturais na prática e na atuação policial de maneira efetiva, desconsiderando as desigualdades raciais”, afirma o relatório.

Ceará

No Ceará, o número de pessoas negras vitimadas pela letalidade policial foi oito vezes maior do que de pessoas brancas. É importante pontuar que 63,9% das ocorrências não tinham informação racial.

A maior concentração das mortes está em Fortaleza — mas os outros municípios que lideram a lista de letalidade policial não está na Região Metropolitana da capital, como em outros estados.

Fernanda Lobato, pesquisadora e especialista da Rede de Observatórios da Segurança no Ceará, observa que se mantiveram três municípios com maior número em relação ao ano passado — Fortaleza, Morada Nova e Juazeiro —, mas ainda há dúvidas sobre a dinâmica dessa violência.

“Juazeiro do Norte dá para a gente entender, já que é uma cidade bem maior e não pode ser comparada com outros municípios. Temos uma dinâmica da segurança pública, das forças do Estado e do próprio crime que é bem diferente nas cidades, e estamos observando essa variação. Claro que em municípios pequenos o número é menor do que na capital, mas há presença de casos de violência. E isso para nós já é um dado”, analisa Lobato.

Maranhão

Após anos de omissão dos dados de raça e cor, pela primeira vez desde que o Maranhão passou a fazer parte da Rede de Observatórios, em 2021, o estado forneceu essas informações sobre as vítimas de mortes decorrentes de intervenção do Estado. Um avanço importante no monitoramento de práticas policiais.

Mas, apesar do progresso, a qualidade das informações ainda é insuficiente, já que 67,7% das vítimas continuam com raça/cor não informada. “É preciso aperfeiçoar o registro e a transparência dos dados”, enfatiza o documento.

A capital São Luís concentrou mais vítimas (11,3%), mas a ausência de dados detalhados sobre outros municípios dificulta uma análise mais abrangente e impede que se compreenda completamente o impacto das ações policiais em diferentes locais.

Pará

Foram 530 vítimas em 2023. A estatística é interpretada como positiva pelo governo, já que em 2022 foram 101 casos a mais. Esses indicadores demonstram uma redução de 16,0% em relação a 2022. No entanto, mesmo com a diminuição, o alvo preferencial da polícia segue o mesmo: a juventude negra.

Ao analisarmos os dados, percebemos um aumento de vítimas negras em relação ao ano

anterior: foram 232 em 2023, ou seja, 32 casos a mais do que em 2022. Impressiona a quantidade de jovens mortos pela polícia: 336 tinham entre 12 e 29 anos, representando 63,3% dos casos. A maioria das vítimas tinha baixa escolaridade – 317 pessoas. 

As cidades com mais mortes estão na Região metropolitana de Belém e na rota do tráfico internacional de drogas (Abaetetuba e Moju)

Pernambuco

Pernambuco registrou o maior aumento de mortos pela polícia: aumento em 28,6% nas mortes decorrentes da intervenção do Estado tem chamado atenção para uma realidade que perdura em Pernambuco, principalmente com relação à preservação das vidas de pessoas negras. 

Dos 117 mortos, 95,7% eram negros e quase a totalidade eram homens (98,3%). A capital Recife quase dobrou a quantidade de vitimados – de 11, em 2022, para 20, em 2023, e cinco dos seis municípios com mais mortes estão na Região Metropolitana da capital.

Segundo dados da Secretaria de Assistência Social, Combate à Fome e Política sobre Drogas, pelo menos 42% das mortes violentas intencionais no estado têm ligação com a “guerra às drogas”.

Piauí

Apesar da redução de 30,8% na violência letal decorrente de intervenção do Estado, pessoas negras, especialmente as jovens, permanecem as maiores vítimas: 20 das 27 vítimas. 

A explicação para a redução dessas mortes, segundo o pesquisador Elton Guilherme, do Piauí, está na “própria potência de transformação da realidade do grupo afetado pela letalidade policial”. 

“Porque a gente entende que a estrutura subjacente, a Secretaria de Segurança Pública, não conseguiram reduzir o perfil racial na condição da letalidade das intervenções policiai. A juventude negra continua a morrer. E essa sobrevivência, vamos chamar essa redução de mortes de sobrevivência, é responsabilidade dos aspectos culturais, artísticos, políticos, de esporte, de lazer, que essa juventude apropria-se nas suas relações cotidianas. A juventude piauiense está se recusando a ser morta”, avalia Elton Guilherme.

Rio de Janeiro

Pela primeira vez, após cinco edições do Pele Alvo, o estado fechou o ano com menos de mil assassinatos. A diminuição nas mortes por intervenção é significativa: de 1.814 casos, em 2019, para 871, em 2023. 

Mais da metade delas está concentrada na capital e em Duque de Caxias, principal município da Baixada Fluminense.

São Paulo

O aumento da letalidade policial em São Paulo resulta, para os pesquisadores, da condução do governo estadual na segurança pública:

  • a militarização da Secretaria de Segurança, afastando o perfil legalista que historicamente ocupava a posição; 
  • cortes em programas de prevenção e em ações de inteligência (R$ 98 milhões a menos, incluindo os R$ 15 milhões que eram destinados às câmeras corporais); 
  • e mudanças substanciais no alto comando da PM, criando descontentamento na corporação. 

“Temos uma Polícia Militar que mata em excesso e morre mais de problemas psicológicos causados pela profissão do que em confrontos”, analisa o relatório. 

Os pesquisadores ressaltam que “a Operação Verão não foi um sucesso”. “ Foram 56 civis mortos em um curto espaço de tempo, incluindo Edneia Fernandes Silva, mulher negra, mãe de seis crianças, morta com um tiro na cabeça”. 

Edneia tem a mesma cor de pele de 66,3% das 321 pessoas mortas em São Paulo em 2023.

Maior transparência das polícias

Nesta edição, foi a primeira vez em que todos os nove estados responderam às solicitações via Lei de Acesso à Informação no prazo determinado pela legislação. Segundo o relatório, as autoridades do Piauí e da Bahia não respeitaram o limite de tempo e os formatos solicitados nos anos anteriores.

Além disso, houve melhora no preenchimento dos dados do Maranhão, que disponibilizou informações de raça e cor das vítimas pela primeira vez, e do Ceará, que passou de 73,1% de não informados em 2021 para 63,9% — uma proporção ainda longe do ideal. 

Os demais estados também apresentaram uma melhoria nas informações, com diminuição dos casos sem informação, seja por cor e raça, idade ou município.

  • Camila Rodrigues da Silva

    Jornalista com mestrado em economia e formação em demografia. Editora e repórter, com quase 20 anos de experiência em redações da grande imprensa e de veículos independentes de comunicação. Atuo na cobertura de direitos humanos desde 2012.

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