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Policiais forjam flagrante para incriminar jovem negro no Capão Redondo, em São Paulo

20 de julho de 2020

Testemunha revelou ter sido coagida a apontar rapaz como ladrão; no mês seguinte, a mesma delegacia também registrou a prisão de outro jovem negro apenas com base na aparência física

Texto: Juca Guimarães e Thais Nunes I Edição: Nataly Simões I Imagem: Alma Preta

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Um jovem negro, de 21 anos, foi preso em flagrante acusado de roubar uma motocicleta no Capão Redondo, bairro da periferia da Zona Sul de São Paulo. Ele estava dentro de casa quando foi levado pelos policiais militares. A prisão, no dia 10 de junho, foi feita sem mandado judicial. Dias depois, a vítima do roubo voltou à delegacia e declarou ter sido coagida pelos PMs a apontar o rapaz como o ladrão. O reconhecimento foi feito pelas roupas, voz e porte físico. Em contrapartida, os policiais prometeram recuperar a motocicleta roubada.

O caso foi registrado no 47º Distrito Policial, também no Capão Redondo, a mesma delegacia que registrou em 25 de maio o caso do catador de materiais recicláveis Ailton Silva, de 23 anos. Ele foi preso em flagrante por policiais militares da 3ª cia do 37º batalhão sob acusação de participação em um roubo de celular. Ailton, que é negro, afirma inocência e foi reconhecido apenas pelo “porte físico”.

De acordo com o boletim de ocorrência da prisão do Ailton, os policiais rastrearam o celular roubado de uma passageira de transporte por aplicativo. O procedimento, no entanto, foi abandonado depois que prenderam o jovem e um amigo dele. Na delegacia, ao apresentarem os dois amigos como suspeitos, os PMs disseram que o aparelho poderia estar com um suspeito que fugiu em outra motocicleta.

A vítima do roubo da motocicleta revelou a coação sofrida pelos PMs quando foi fazer a declaração de localização da moto no dia 12 de junho. Ela, sozinha, encontrou a moto completamente destruída. O dono do veículo é um auxiliar de garçom e contou que um policial branco o levou até o estacionamento da delegacia, onde tinha uma viatura com o rapaz negro dentro.

No depoimento, a vítima contou que mesmo não reconhecendo o rapaz, que estava usando roupas diferentes, foi até o delegado e contou que ele era o ladrão, seguindo a orientação do policial militar. O PM disse ainda para a vítima que se ela “titubeasse” na hora o delegado iria soltar o suspeito. O policial afirmou que eles iriam pressionar o suspeito dentro da delegacia até ele contar onde estava a motocicleta.

 

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“Os policiais têm uma noção limitada e duvidosa do que é segurança pública e do papel deles. Eles [policiais] acabam elegendo vilões numa narrativa heroica e se convencendo que jovens negros são perigosos e precisam estar preso”, analisa o advogado Flávio Campos.

Campos fez a defesa da modelo Babiy Querino, que ficou presa dois anos acusada de participar de um roubo de carro que ela não cometeu. De acordo com o processo, ela teria sido reconhecida pelo cabelo, mesmo com provas e testemunhas de que estava em outra cidade no dia do crime.

“O policial constrange a vítima a reconhecer uma pessoa que não foi a autora do crime. Na visão do policial, a vítima não tem certeza de uma coisa que ele tem certeza, que aquela pessoa precisa estar presa. Por isso, ele forja as provas”, explica o advogado.

A atitude dos policiais em forjar um depoimento também contraria o princípio constitucional da presunção de inocência. “É uma ação que também atinge o princípio da dignidade da pessoa humana e induz o Ministério Público a um dolo eventual. Esses casos vão ser cada vez mais repetitivos. Precisa de um debate sério na Justiça sobre a realidade da produção de provas nos inquéritos”, pondera Campos.

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou ao Alma Preta que o inquérito do jovem negro preso em flagrante em junho foi concluído e encaminhado à Justiça. O acusado foi solto pela promotoria, mas a pasta não explicou se foi por conta do novo depoimento da vítima. A família do rapaz preso injustamente e que foi solto posteriormente não aceitou conceder entrevista à reportagem por medo de represálias.

Em nota, a assessoria de imprensa da SSP disse que “diante da denúncia apresentada, a corregedoria vai apurar os fatos”. Sobre o caso do Ailton, preso desde maio, a pasta não respondeu se o caso será reavaliado para investigar as circunstâncias do reconhecimento.

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