Um professor tem plantado a semente da ancestralidade negra na capital do Brasil. André Lúcio Bento, 46, docente da Secretaria de Educação do Distrito Federal, cultiva, no solo do planalto central, mudas de baobás. O projeto reúne professores e estudantes das escolas públicas para um aprofundamento na história dos povos africanos no país.
O projeto, que começou em 2019, com a catalogação das árvores presentes no Distrito Federal, assume agora, uma fase pedagógica. André Bento visita diariamente várias escolas da cidade para falar sobre a história dos povos negros por meio das plantas. Agora, com a flexibilização das medidas de segurança contra a Covid-19, o professor faz palestras e narra todo o processo de escravização durante suas intervenções.
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“Eu comecei apenas catalogando, plantei duas mudas no meu ambiente de trabalho, mas descobri que em várias partes do DF existiam baobás. Então, eu passei a mapeá-los e a plantar também”, explica.
Hoje, 19 baobás já foram plantados pelo projeto, um dos mais marcantes para ele está no Quilombo Mesquita, localizado na Cidade Ocidental, município do Goiás a cerca de 50 km de Brasília. De acordo com o especialista, a árvore mais antiga do DF data do nano de 1996, e está situada na Asa Norte, em frente à sede da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
“O objetivo é contribuir para a compreensão dessas árvores na condição de elementos centrais em termos culturais, sociais e religiosos. E como marcas da diáspora africana e de um possível mundo com mais igualdade nas relações étnicas” diz.
Apesar da importância histórico-cultural, o projeto independente enfrenta, também, o racismo. Algumas plantas foram quebradas ou serradas antes do seu amadurecimento. André Bento acredita que a ação de vandalismo acontece por conta da intolerância religiosa contra as crenças de matrizes africanas. “Duas mudas, que estavam evoluindo bem, foram serradas e quebradas. Quando as pessoas sabem que essa é uma planta que remete ao candomblé e outras religiões, há uma forte rejeição também. Então, têm aquelas pessoas que protejem, molham, fazem cercas e têm aquelas que vandalizam, infelizmente”.
Agora, o professor pretende entrar com o pedido de tombamento dos baobás plantados em Brasília. A ideia é preservar de forma legal esse patrimônio imateral. “Plantar baobás não interfere na flora nativa, pois a planta não se prolifera indiscriminadamente. É um benefício cultural para a população”, ressalta o docente.
O baobá
O baobá é uma árvore originária do continente africano, vinculada a medicina, culinária e religiosidade dos povos. Bento, que é doutor em linguística pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em cultura afro-brasileira e africana pela Universidade Federal de Goiás (UFG), conta que a importância do baobá pode ser dividida em três partes principais. Na culinária, a sua fruta e folhas são muito nutritivas, rica em proteínas e vitaminas A e C, sendo utilizada na fabricação de sucos, mingau, farinha e iogurte, por exemplo. Na medicina, têm propriedades antiinflamatórias, analgésicas e age contra diabetes mellitus e doenças cutâneas. Além de ser uma das plantas cultuadas como uma divindade em algumas culturas.
“É aos pés do baobá que os mais jovens e as crianças se reúnem para ouvir os ensinamentos dos mais velhos. As trocas de saberes dos mestres griôs significa a permanência da ancestralidade dos povos africanos. Em algumas culturas, ele é cultuado como um orixá”, afirma o docente.
Segundo o professor, a árvore mais antiga no Brasil tem, ao menos, 400 anos, o que significa que suas sementes foram trazidas pelos escravizados, no momento da colonização. Para ele, é muito significativo existir e plantar baobás no Brasil, que é o país com população mais negra fora das Áfricas. “É uma planta de conexão com nossos ancestrais. Por meio dela, podemos contar a história de resistência do nosso povo e manter a tradição viva”, diz.
Livro infantil
André Bento também é escritor e, recentemente, ele lançou o livro infantil “Tamara e Tamarindo na terra terra das coisas e pessoas doces”. A tamara e o tamarindo, frutos também de origem africana, se tornam personagens de um mundo mágico em uma terra onde tudo parece ser doce.
Na fantasia, a Tamara se pergunta se a vida é sempre doce. Entao, surge o Tamarindo que é um fruto azedo, provando o contrário. O texto trabalha a diversidade e traz personagens negros que, segundo o autor, ainda tem poucas referências positivas na literatura. A obra foi lançada em setembro 2021, pela editora Telha, e pode ser adquirida por R$ 40,00 pelo Instagram do professor.
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