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Profissionais do transporte são os que mais convivem com casos de racismo no trabalho, revela pesquisa

Levantamento, realizado pelo Instituto Locomotiva, ouviu 1.200 usuários e mais de mil profissionais do setor; motoristas de ônibus, aplicativos e taxistas são os que mais convivem com discriminações raciais

Imagem mostra passageiro atrás de uma janela de ônibus, sentado e usando máscara

Foto: Imagem: Tânia Rêgo / Agência Brasil

30 de março de 2022

Uma recente pesquisa apresentada pelo Instituto Locomotiva aponta que os profissionais de transporte são os mais observam e/ou sofrem por casos de racismo durante o trabalho. O estudo também insere a porcentagem de usuários de transportes que presenciaram esse tipo de situaçãp. Ao todo, 1.200 passageiros e mais de mil profissionais da área foram consultados. 

Entre a classe, os motoristas de ônibus e cobradores são os profissionais que mais observam casos de racismo no seu trabalho (75%), seguidos de motoristas de aplicativo (73%) e taxistas (65%). Um exemplo de condutor que já passou por episódios de discriminação é Matheus Rodrigues, 24. Trabalhando para a Uber há três anos, o profissional revela ter sido vítima desse tipo de agressão por inúmeras vezes.

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“Um dos episódios que marcou foram quando duas senhoras solicitaram o meu carro e, quando cheguei na residência, tiveram vários comportamentos ‘estranhos’. Perguntando a mim a própria placa do meu carro, dizendo que iriam compartilhar a rota com terceiros e reproduzindo áudios fakes, simulando que alguma pessoa estava no viva-voz com elas durante o transporte”, conta.

Matheus aponta que, pelo tempo trabalhando como motorista, já consegue identificar padrões de desconfiança de passageiros que assimilam raça com tendência ao crime. Entre as práticas, costumeiramente o condutor é questionado se o carro é dele próprio. 

“São diversos comportamentos que já consigo perceber e tirar de tempo, não me abalar, mas é difícil. Um passageiro já cancelou a corrida por eu estar sem barba, diferente com o que ele tinha visto na foto, mas o carro era o mesmo. Sei que tem a questão da segurança, mas o preconceito pesa, sim. O que resulta em trabalhar na tensão, em uma defensiva, observando como vão avaliar nosso trabalho quando desembarcarem”, relata. 

O estudo mostra ainda que 71% das pessoas negras que trabalham no trânsito sentem medo de sofrer racismo ou preconceito por sua cor. Entre a população negra em geral, esse número cai para 41%, o que mostra que quem está na rua por mais tempo sente mais medo de sofrer esse tipo de discriminação.

Os usuários também dizem já ter presenciado situações de discriminação racial nos transportes, totalizando 72% das 1.200 pessoas ouvidas. Do montante, 39% confirmaram já terem sido vítimas do crime, trazendo um balanço que revela mais um panorama racial ao país: uma em cada três pessoas negras já sofreu preconceito em seus deslocamentos. 

Entre as situações de preconceito vividas, 24% da população negra relatou ter sido menosprezada, 17% abordada de maneira desrespeitosa e 14% sofrido agressões verbais e ter sido alvo de expressões racistas. 

Em avaliação, profissionais que integraram a pesquisa tiveram que responder a comparativo sobre percepção da atuação de condutores de transporte negros e brancos. O levantamento aponta que seis em cada dez trabalhadores do setor acreditam que uma pessoa negra tem mais chance de causar medo nos passageiros que uma pessoa branca. O resultado é complementado pela diferença da chance de motoristas não pararem no embarque para um passageiro negro do que um branco: 61% contra 7%. 

A graduanda em Direito, Maria Vitória do Nascimento, 25, é um exemplo de que poderia ser incluída neste último levantamento. A estudante conta que teve sua corrida cancelada junto a um aplicativo por estar usando um elemento que remete à cultura negra e à ancestralidade. 

“Estava saindo de casa, após solicitar um carro. Quando desci e fiz sinal para o motorista, ele me olhou e prontamente deu ré. Parecia estar receoso por eu estar usando um simples turbante, que era o que marcava mais a roupa que eu estava usando. Fiquei abismada com como alguém poderia ter medo disso, mas logo interpretei como racismo mesmo. Só depois que acenei bastante e ele percebeu que eu não seria um risco, aceitou a corrida e eu pude entrar no carro”, conta.

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A graduanda em Direito, Maria Vitória, 25, teria sofrido discriminação por parte de um motorista de aplicativo por usar turbante (Imagem: Reprodução / Instagram)

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Usuários mudam deslocamento por discriminação

Para Maria Vitória, mulher negra, o episódio não foi o único. Ela conta que, ao usar transporte público, também percebe aquelas pessoas que, mesmo com o ônibus lotado, prefere não sentar ao seu lado ou de outras pessoas negras. Uma visão marginal do corpo negro que, para ela, faz parte de um racismo estrutural, velado e que gerou consequências no seu comportamento. 

“São situações que nos questionamos se não é paranoia ou imaginação da nossa cabeça. Frente a isso, minha mente tenta abstrair, me fazer pensar que não se trata de discriminação racial, mas no fundo isso me toca de forma muito significativa. Após o episódio do turbante, por exemplo, quando eu sei que vou usar esses serviços de transportes privados, eu evito usar. Acaba que entro em um processo de anulação das minhas raízes para evitar determinadas situações”, desabafa. 

Situações como as apontadas por Maria reiteram uma mudança de comportamento, também, ao planejar os deslocamentos. A pesquisa afirma que 29% dos negros declararam que já mudaram a forma de se locomover pela cidade devido a situações de preconceito ou discriminação. Entre mulheres negras, o número chega a 31%. 

Pelo que revela o estudo, as mulheres negras também são as que mais se sentem vulneráveis nos deslocamentos: 72% delas temem sofrer algum tipo de assédio sexual, 64% agressão física e 47% sofrer algum tipo de racismo.

Mais dados e interseccionalidades sobre discriminação e transportes, o Instituto Locomotiva disponibiliza o dossiê.

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