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Reconstituição da Chacina da Gamboa é feita após oito meses

Caso completa oito meses nesta terça-feira (1), sem a responsabilização dos quatro policiais envolvidos nas mortes de três jovens

Imagem mostra familiares e moradores da Gamboa em protesto pelas mortes de três jovens negros pela PM

Foto: Foto: Divulgação

1 de novembro de 2022

Conhecida como “Chacina da Gamboa”, a ação policial que resultou na morte de três jovens negros passa por reconstituição nesta terça-feira (1), em Salvador. O caso completa oito meses sem a responsabilização dos quatro policiais militares envolvidos na ação realizada na madrugada do dia 1º de março.

A reprodução simulada foi dividida em duas etapas. A primeira começou na noite da segunda-feira (31), com a participação dos PMs envolvidos no caso. Já nesta terça-feira (1), será a vez das testemunhas apresentarem as suas versões.

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A Chacina da Gamboa aconteceu na madrugada do dia 1º de março, quando Patrick Souza Sapucaia, de 16 anos, Alexandre dos Santos, 20 anos, e Cleverson Guimarães Cruz, 22 anos, foram mortos por agentes do Batalhão de Rondas Especiais (Rondesp) após uma ação na região da Gamboa, na capital baiana.

Segundo a Polícia Militar, os agentes foram em direção ao bairro após uma denúncia de que homens armados estavam na região. Ao chegar no local, os policiais teriam sido recebidos a tiros por um grupo e revidaram. Com isso, segundo a polícia, três homens fugiram para um imóvel e foram encontrados caídos no chão em posse de armas de fogo e drogas.

caso gamboa siteImóvel onde os três jovens negros foram encontrados na comunidade da Gamboa, em Salvador | Foto: Kelly Hosana/SSP-BA

No entanto, familiares e moradores afirmam que os policiais já chegaram no local dando tiros e atingiram os garotos, que foram levados para uma casa abandonada, onde uma cena de crime teria sido forjada. Na manhã do ocorrido, moradores da comunidade fizeram um protesto e fecharam a Avenida Lafayete Coutinho, popularmente chamada de Contorno, principal via de acesso à Gamboa.

Segundo Wagner Moreira, coordenador do IDEAS – Assessoria Popular, que presta suporte jurídico às famílias das vítimas, a reconstituição é uma etapa importante do processo, pois representa o controle externo da atividade policial e a quebra do monopólio da narrativa dos policiais sobre o ocorrido.

“Para os familiares, é um aceno de que ao menos, parte do estado enxerga indícios de irregularidades na ação e se predispôs a apurar”, comenta Moreira.

Wagner Moreira também destaca a importância da implementação das câmeras nos uniformes dos policiais como forma de dar mais celeridade ao processo de apuração.

“É uma ação que poderia ser possível a partir da implementação das câmeras nos uniformes dos policiais. O que permitiria apurações com outro nível de rapidez e minúcias do ocorrido. A não implementação das ‘bodycam’ (câmera corporal, em tradução livre) torna o formato atual de reconstituição uma prática quase medieval”, ressalta o coordenador.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou que a reconstituição tem como objetivo de “esclarecer a dinâmica da operação policial que terminou com três mortos”.

Conforme a SSP-BA, os laudos da reprodução serão anexados ao inquérito que apura o caso e a previsão é que o relatório da Polícia Técnica sejá concluído em até um mês, podendo ser prorrogado.

Um dos jovens foi executado, aponta inquérito

Conforme o inquérito policial, ao qual a Alma Preta Jornalismo teve acesso, ao menos um dos rapazes foi executado. Segundo o laudo cadavérico, Cléverson Guimarães foi atingido por um tiro disparado de frente para trás e na posição de cima para baixo. Antes do disparo, ele já tinha sido atingido por uma bala.

Leia também: Caso Gamboa: PM envolvido já havia torturado um dos jovens antes

Ainda de acordo com o inquérito, assinado pelo corregedor-geral da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), Nelson Gaspar Neto, há uma série de indícios de que as mortes não foram justificadas. Um dos pontos é que duas das três armas apontadas como as que foram encontradas com os rapazes apresentavam dificuldade de manuseio para ser utilizada durante um confronto.

A Corregedoria também destaca que houve uma desproporcionalidade do uso da força por parte dos quatro policiais, que estavam em maior número de pessoas e de armas – e equipados com submetralhadoras e pistolas de calibre 40, em “perfeito estado de funcionamento no momento da realização das condutas investigadas”, conforme trecho do inquérito.

De acordo com o inquérito, o ingresso dos policiais na comunidade da Gamboa de Baixo também gerou risco para os moradores da região.

jovens gamboaPatrick Sapucaia, Cléverson Guimarães e Alexandre dos Santos foram mortos em março deste ano durante uma ação policial na comunidade da Gamboa, em Salvador | Foto: Dindara Paz/Alma Preta Jornalismo

Diante dos fatos, a Corregedoria recomendou abertura de processo administrativo contra os policiais envolvidos nas mortes, no entanto, o pedido foi rejeitado pelo comandante-geral da Polícia Militar, coronel Paulo Coutinho, como revelou reportagem do Correio*.

Testemunhas

A Alma Preta também teve acesso aos depoimentos das testemunhas e decidimos não revelar alguns nomes para preservar a identidade.

Uma delas contou que no dia do ocorrido buscava água em uma tubulação na comunidade quando ouviu disparos de arma de fogo na região da Gamboa e resolveu entrar em casa. No depoimento, ela conta que conhecia os rapazes e chegou a ouvir o grito de socorro de um deles que, segundo ela, reconheceu ser de Alexandre.

Ainda conforme a testemunha, ela chegou a gritar “solta os meninos, pegou no erro leva preso”, no entanto, continuou a ouvir gritos de socorro e passou a chamar os moradores para saírem e tentar inibir a ação policial.

Após os gritos e os disparos de arma de fogo, ela conta que viu um policial chegando com uma água e uma vassoura para lavar as escadas que davam acesso ao imóvel onde os rapazes foram mortos para lavar sangue.

A informação sobre o sangue nas escadas se encaixa com uma das análises da Corregedoria, que identificou que manchas de sangue encontradas na escadaria próximo ao imóvel onde os jovens foram mortos possuíam compatibilidade genética com o perfil de Patrick Sapucaia, de 16 anos.

O inquérito também traz o depoimento da mãe de Cléverson, um dos rapazes assassinados. Em depoimento, ela informou que o filho usava drogas quando era mais novo e chegou a ser preso aos 17 anos por ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas. Em um dos trechos, a mãe da vítima diz que sempre ensinou ao filho a nunca reagir a uma ação policial.

Já a mãe de Alexandre, narra que foi até a casa onde o filho foi levado após uma vizinha contar que ouviu pedidos de socorro do jovem. A mãe então teria pedido para ver o filho, quando ouviu ele falar: “Deixa eu falar com minha mãe”. Em seguida, um policial armado teria mandado ela se retirar e, enquanto subia as escadas, ouviu disparos e passou a pedir socorro. Logo após, ela viu o corpo do filho sendo colocado no fundo da viatura.

Posicionamento

A Alma Preta Jornalismo questionou a Polícia Militar sobre a rejeição da recomendação da Corregedoria-Geral mesmo com os indícios de irregularidades cometidas pelos policiais durante a ação. No entanto, não obtivemos retorno até o fechamento da matéria.

Leia também: Após sofrer ameaças e ataques racistas, Alma Preta entra com representação criminal

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