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Resistência Indígena: Entenda porquê o termo “índio” é considerado pejorativo

“Indígenas são aqueles que levam no corpo e na alma o seu território, onde quer que estejam”. A declaração da ativista Valquíria Kyalonã, do povo Xukuru (PE), reflete sobre o uso constante da palavra "índio", que reduz a diversidade de uma população que não aceita mais o lugar folclórico

Texto: Lenne Ferreira e Victor Lacerda | Edição: Lenne Ferreira | Imagem: Agência Brasil 

Entenda porque o termo "índio" é pejorativo

19 de abril de 2021

Marcado no calendário nacional como Dia do Índio, o 19 de abril foi assim instituído em 1940. A data foi criada para visibilizar as lutas de uma população que sofre com o apagamento desde a invasão dos portugueses, em 1500. A efêmeride, entretanto, carrega no título os resquícios de uma discriminação que ainda perpassa existências indígenas desconsiderando a pluralidade ética. “O uso recorrente do termo ‘índio’ representa um processo de não reconhecimento dos povos que existiam antes mesmo do que chamamos de ‘Brasil’”. A declaração da ativista Valquíria Kyalonã, povo Xukuru (PE), simboliza o eco de discussões nem tão novas de uma população que não aceita mais o lugar folclórico.

Já há alguns anos, termos como “índio” e “tribo” vêm sendo questionados pelos povos originários, que compreendem que tais categorias foram criadas pelos colonizadores como forma de reduzir a pluralidade de cerca de 1.000 etnias indígenas que existiam no país na época do “descobrimento”. Essa e outras reflexões levam a alternativas que fujam do senso comum, que trata uma cultura tão diversa de forma genérica reduzindo a diversidade das etnias brasileiras. Por isso, a adoção do termo ‘indígena’, que significa ‘natural do lugar que se habita’, tem sido indicada como definição mais correta para se referir aos povos originários. 

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A diversidade da população indígena foi catalogada em 2010, em um estudo apresentado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com os dados, o país possui 817.963 mil pessoas indígenas, presentes em 305 etnias diferentes e que falam mais de 274 línguas. Esse expressivo número, embora muito abaixo da população dizimada pelos colonizadores, representa a diversidade de saberes ancestrais e a pluralidade das culturas do povo que tem suas histórias intrínsecas à história do país. Um acervo que não pode ser alcançado por uma palavra que incita usos pejorativos e coloca a população não só como “diferente” e alheia à sociedade contemporânea, como, também, a identifica como “atrasada”. 

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Para Valquíria Kyalonã, natural do povo Xukuru da Serra do Ororubá, em Pernambuco, e estudante de licenciatura em História pela Universidade Federal do Estado, o uso equivocado do termo “índio” acompanha a história desde a chegada dos colonizadores. “Isso aconteceu em virtude de Cristóvão Colombo, que acreditava que havia chegado às ‘Índias’. Assim, há 500 anos buscamos ressignificar aquilo que nos foi pregado arbitrariamente para seguirmos resistindo com a nossa identidade, nossos costumes e toda nossa cultura”, explica. 

A ativista ainda afirma que a diversidade entre os povos deveria ser o real motivo de um dia dedicado à celebração da cultura, que deu as bases para a construção do país. “Além de nomenclatura, é importante ressaltarmos o quanto somos multiétnicos e multi linguísticos. Como qualquer outro povo, nós temos nossas particularidades. Nós, do povo Xukuru, da Serra do Ororubá, estamos realizando um trabalho de reuso da nossa língua ‘Brobô’, que estava adormecida, mas, que, para nós, tem uma importância histórica e cultural imensa. Através dessas ações, resgatamos os nossos saberes e seguimos avançando, sem deixarmos que os nossos costumes caiam em esquecimento ou sofram apagamento”, pontua.

Como forma de ressignificar o uso do termo e do olhar genérico sobre tantas especificidades apresentadas por cada população, a graduanda em História sugere mudança no estudo de base sobre os povos nativos. “Indígenas são aqueles que levam no corpo e na alma o seu território, onde quer que estejam. Isso deveria ser de entendimento coletivo como base da educação do nosso país. Por isso, acredito que a nossa cultura deve ser trabalhada nas escolas, na base da formação, mesmo que seja um trabalho a passos lentos, de ‘formiguinha’. Só assim as pessoas entenderão quem nós somos e a importância da nossa história. As instituições de ensino devem se preocupar com um ensino que pontuem a desconstrução e a valorização de cada povo, nos colocando como protagonistas de nossas histórias e de tudo o que fizemos para sobrevivermos”, finaliza.

Professor, escritor, palestrante, contador de histórias, empresário e filósofo, Daniel Munduruku problematizou os esteriótipos em torno da populção indígena em publicação feita nesta segunda-feira (19) em seu perfil nas redes sociais, que apontou que a diferença entre os códigos culturais não podem seguir desvalorizadas. “Eu sou um ser de verdade. Ao mesmo tempo que eu tenho experiência de vida na floresta, eu tenho a experiência de vida na cidade e isso me fortalece ainda mais, me tornando ainda mais um indígena com mais dignidade, com mais respeito (…) Que vocês possam olhar para os nossos povos com dignidade e respeito, lembrando que nós somos diferentes, sim, mas as nossas diferenças não servem para nos separar de ninguém. Pelo contrário, servem para dizer quem nós somos. Ser diferente não é ruim ou o pior do mundo. Pior do mundo é o desrespeito, é o preconceito, é a falta de cuidado com a cultura, com a inteligência e com os nossos saberes”.

Dia de Luta

O dia começou com intervenção em Brasília. O Conselho Indigenista Missionário ocupa Brasília com representações indígenas de todas as regiões do Brasil. Os povos denunciam as ações prejudiciais do agronegócio e do garimpo nos territórios demarcados, além da gestão do governo de Jair Bolsonaro diante da pandemia. A Covid-19 já levou mais de 1.000 vidas indígenas.⠀

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A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em publicação feita em sua página oficial, reiterou a importância da população na luta por direitos e também sugere uma identificação de quem são os indígenas do Brasil. “Somos sementes plantadas através de nossos cantos por justiça social, por demarcação de território, pela floresta em pé, pela saúde, pela educação, para conter as mudanças climáticas”, afirmou a entidade.
O Dia do “Índio” é celebrado em 19 de abril por causa do primeiro Congresso Indigenista Interamericano, que reuniu representantes de várias etnias de países como México e Chile, em 1940. A proposta do evento era discutir as diversas pautas envolvendo a situação dos povos indígenas nas américas. 

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