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Avanço da Covid-19 em aldeais de Pernambuco preocupa organizações indígenas

17 de dezembro de 2020

Etnias totalizam 595 infectados pelo vírus e 12 óbitos só no estado; ineficiência na realização das testagens e pouca estrutura para assistência agrava o cenário

Texto: Victor Lacerda I Edição: Lenne Ferreira | Imagens: Eric Gomes 

“São tempos difíceis na nossa nação. São tempos de pedir força, coragem e valor para passarmos por tantas perdas de pessoas tão estimadas pelo nosso povo, suas famílias e amigos”. O trecho anterior foi retirado do texto de despedida, publicado no perfil do Instagram do Povo Pankararu, em homenagem à Sinesia, merendeira da aldeia Espinheiro, localizada na cidade de Tacaratu, que morreu no último 6 de dezembro, depois de contrair a Covid-19.

A morte de Sinésia representa mais um alerta sobre o avanço da doença em territórios indígenas de Pernambuco. Com histórico de desassistência por órgãos governamentais e falta de políticas públicas que garantam mais acesso à saúde, aldeias do estado carecem de uma cobertura mais ampla da rede de atendimento, o que reafirma um cenário de vulnerabilidade que se repete em outros estados do Brasil. Em todo país,  já são cerca de 900 óbitos em terras indígenas. Pernambuco registra 12 mortes em cinco aldeias.

Segundo informações coletadas pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) – organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil que há 48 anos atua em defesa dos direitos dos povos indígenas do Brasil – e repassadas pelo assessor do conselho em Pernambuco, José Júnior Karajá, a articulação da população indígena no combate ao vírus no estado teve percalços para ser feita desde os primeiros indícios de casos. 

“A chegada da COVID-19 nas aldeias juntou-se com outras problemáticas que os povos já estavam vivenciando. Fatores como a preocupação com a proteção das terras e o controle de visitantes teve de contar com a disponibilidade dos jovens indígenas, que, por muitas vezes, passavam até oito horas nas barreiras sanitárias criadas para este contexto pandêmico. Além disso, a falta de água recorrente em algumas regiões dificultou campanhas de prevenção básicas, como o simples fato de orientar a lavagem das mãos”, pontua o assessor. 

Ainda no primeiro semestre deste ano, na segunda quinzena do mês de abril, um jovem integrante da Aldeia Pankararu, no sertão do estado, foi acometido pelo vírus e tornou-se um dos primeiros contatos com a doença registrados pela Secretaria Estadual de Saúde em Pernambuco (SES-PE). No mesmo mês, o órgão também identificou o primeiro óbito da população, um indígena Fulni-ô – povoado que integra o município de Águas Belas, no Agreste de Pernambuco -, o mais afetado pela Covid-19, com 221 casos confirmados e 5 mortes. O Governo de Pernambuco só passou a detalhar o número de casos de Covid-19 em terras indígenas a partir do boletim epidemiológico de 22 de julho. 

Segundo dados do boletim de 16 de dezembro da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE), 595 casos foram confirmados em aldeias do interior, 1.907 descartados e 12 óbitos. Depois do povo Fulni Ô, o segundo lugar no mapa do contágio é o povo Pankararu, localizado nos limites dos municípios de Tacaratu e Petrolândia, com 121 casos; a terceira colocada é o povo Xukuru, situada no município de Pesqueira, Região Agreste, com 161 contaminados. Os dois povoados registraram, cada um, duas mortes pela Covid-19. Outros três povoados também entraram para a lista de óbitos: Pankará, no município de Carnaubeira da Penha, com um óbito registrado; Pipipã, pertencente à região de Serra Negra, com um; e Kambiwa-Tuxá, também com um.

Visando uma projeção mais exata sobre o número de casos nas aldeias indígenas do estado e buscando documentar a situação de vulnerabilidade, a Rede de Monitoramento de Direitos Indígenas em Pernambuco (REMDIPE) tem atuado na formulação de boletins regulares desde o início da pandemia. Além disso, a entidade também se preocupou em entender as principais causas que motivaram a chegada do vírus no interior do estado, onde está a maior parte dos povos indígenas.

Em boletim apresentado ainda no início da pandemia , no dia 2 de maio, a Rede, em conjunto com a Comissão de Professores/as Indígenas em Pernambuco (COPIPE), Comissão de Juventude Indígena em Pernambuco (COJIPE) e Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) já demonstravam preocupação com a situação indígena diante da ameaça da Covid-19.

“Para combater a chegada da Covid-19 em seus territórios, os povos indígenas criaram barreiras sanitárias nas vias de acesso às aldeias antes mesmo dos primeiros casos confirmados. Há, entretanto, uma série de entraves para a manutenção das mesmas, que vão desde o elevado número de vias de acesso ao território e a proximidade dos centros urbanos, até a falta de itens de higiene pessoal (álcool em gel, álcool 70 e sabão) e de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s)”, alertava o documento.

A REMDIPE e demais coletivos de organizações da causa índegena em Pernambuco, ainda indicaram os caminhos que levaram o vírus para os povos do estado a fim de conter o avanço. “O vírus saiu da capital e seguiu para o interior, tendo como principal rota a BR 232, que dá acesso para cidades de médio porte no nosso estado. Daí, seguiu para os municípios menores”.

Apesar das recomendações feitas aos órgãos competentes para conter o avanço da Covid-19 nas comunidades indígenas, as estatísticas comprovam que o vírus tem se alastrado. Dados apresentados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), por meio campanha “Nossa Luta É Pela Vida”, apresenta um relatório nacional documentando, ao todo,  42.019 casos confirmados, 894 óbitos e 161 povos afetados no país até o último balanço. 

Assistência limitada

A propagação da Covid-19 em territórios indígenas está relacionada com o atendimento ineficiente do órgão responsável, o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), que reconhece a falta de uma cobertura para todos os povoados indígenas pernambucanos. Nem  todos contam com polos de saúde fixos para atendimento. Enfermeira e responsável pelo núcleo de atenção à saúde indígena, do DSEI Pernambuco, Ana Paula Gomes, diz que muitos entraves dificultam o controle efetivo da proliferação do vírus nas aldeias. Um deles foi o aumento da busca pela testagem para identificar a presença de anticorpos da Covid-19. 

“Nosso pólo de Distrito Sanitário no estado não dispõe de laboratório próprio e acaba dependendo da rede laboratorial dos municípios e os indicados pelo governo. Após as eleições, como tivemos um aumento significativo na busca pelos testes, os resultados tendem a demorar mais a saírem, causando uma descredibilidade na população sobre o cenário de pandemia em que estamos vivendo”, afirma. Para a gestora, as ações educativas realizadas esbarram nos costumes e tradições culturais dos povos.

Nas aldeias não assistidas, o atendimento é feito de forma itinerária, usando como base escolas, espaços comuns de convivência e casas de lideranças.  Qualquer ação de combate à doenças em territórios indígenas assistidos pelas unidades de responsabilidade sanitária federal, só chegam para terras homologadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). O Distrito é uma das unidades gestoras descentralizadas do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), do Governo Federal. 

Atualmente, o estado conta com 565 profissionais distribuídos nas aldeias, entre eles enfermeiros, médicos, farmacêuticos, agentes de saúde, nutricionistas e demais trabalhadores, que fazem trabalho educativo, além de realizarem testagens e sanitização dos espaços de uso coletivo. Para dar suporte ao contingente de doentes, o governo contratou 7 profissionais, 3 enfermeiros e 4 técnicos de enfermagem. A rede também conta com a colaboração de agentes indígenas que fazem o repasse de informações sobre os casos onde vivem. 

Para o assessor do CIMI em Pernambuco, Karajá, o atendimento não dá conta do contingente da demanda. Segundo ele, nem mesmo o número de EPI’s e exames de testagem disponibilizados atingiam a quantidade necessária para atender toda a população e cita exemplos. “De início, ficou evidente que os equipamentos de proteção não chegariam para todos. Para se ter uma ideia, muitos dos agentes de saúde indígenas tiveram de confeccionar suas próprias máscaras. A mesma dificuldade de acesso acontecia com os pedidos de exames para diagnóstico da COVID-19. Chegou um tempo que os testes mal davam até para os próprios profissionais que estavam no fronte contra a doença. Para a população no geral, os exames passaram a seguir ordem de preferência ao serem autorizados, e só eram realizados se houvesse a identificação de sintomas aparentes”, denunciou. 

O assessor ainda ressalta a preocupação com a falta de outras políticas públicas que viabilizem outras fontes de renda das aldeias, que, por muitas vezes, dependem da ligação com o comércio do centro do município em que integram. “Algo que não é falado é como esses povos conseguiram, durante a pandemia, terem algum tipo de arrecadação financeira própria. Muitos esquecem que a inserção de campanhas em apoio às aldeias indígenas em todo o país também refletem a precarização de uma economia que gira em torno da agricultura e do artesanato, que se é consumida pelos centros urbanos, ou seja, com barreiras, sem renda”, pontua Karajá.  

Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE) afirma monitorar casos de suspeita e confirmação junto aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) e às Gerências Regionais de Saúde (Geres) desde o início das atividades de proteção contra a pandemia no estado e explicita algumas das ações do Governo de Pernambuco em territórios indígenas.

“Durante este período, a SES ainda disponibilizou testes rápidos para detecção da doença, álcool em gel e protetores faciais para esta população. Além disso, realizou trabalho de orientação visando a não exposição à Covid-19, como evitar aglomerações, realização de higiene constante e adequada das mãos e manter o distanciamento entre as pessoas, assim como para não compartilharem objetos de uso individual e a importância do uso de máscaras”, destaca o texto. 

Vacinação prevista não atinge a todos

Apresentado ao atual presidente, Jair Bolsonaro, na última quarta-feira (16), o Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 insere os povos indígenas em categoria de prioridade na campanha de imunização prevista para 2021. 

Na chamada “Fase 1” de aplicação, a população integrará período que contará com 108,3 milhões de doses de vacina, e prevê atender uma média de 50 milhões de brasileiros. Neste período, serão atendidos trabalhadores da Saúde, população idosa a partir dos 75 anos de idade, pessoas com 60 anos ou mais que vivem em instituições de longa permanência, população indígena e comunidades tradicionais ribeirinhas.

O anúncio, no entanto, não tranquiliza a todos os povos. Em tabela que integra o planejamento apresentado, estão previstos 410.348 indígenas a serem atendidos, enquanto, em censo apresentado ainda em 2010 pelo IBGE, o número da população já batia a casa de 896.917, excluindo, assim, mais da metade.

Em Pernambuco, de acordo com informações da Secretaria de Saúde, o programa de imunização estadual conta com 1,7 milhão de seringas em estoque e mais 1,8 milhão de unidades compradas, aguardando a entrega pelo fabricante. Em andamento, a secretaria afirma existir um processo licitatório para aquisição de mais sete milhões de seringas, com previsão de conclusão em janeiro de 2021. 

“Assim que o Estado receber as suas doses, encaminhará os imunizantes e os insumos necessários para todos os 184 municípios pernambucanos”, afirma o órgão, em nota.

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