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Sem direito à presunção de inocência, jovem negro é mantido preso há dois anos sem provas

Ailton da Silva foi condenado a sete anos de prisão sem a confirmação de que de fato cometeu o crime do qual foi acusado; família denuncia falta de provas e racismo 

 

Ailton Vieira, 25 , jovem negro preso pelo porte físico terá recurso no STJ

Foto: Imagem: Arquivo pessoal

22 de março de 2022

O catador de material reciclável e entulhos em obras Ailton da Silva, jovem negro de 25 anos, está preso há quase dois anos no CDP (Centro de Detenção Provisório) de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, sem nenhum benefício de flexibilização da pena de sete anos por roubo à mão armada.

Ailton afirma que não cometeu o crime e o seu advogado aguarda a avaliação de um recurso processual no STJ (Superior Tribunal de Justiça). A prisão e a condenação do jovem tem como base o depoimento da vítima, que viu o suposto ladrão por menos de dois minutos e com capacete. O reconhecimento, após ter sido abordado por PMs em uma avenida distante do local do roubo, foi feito pelo ‘porte físico‘.

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No dia do crime, ele e um amigo iam para uma adega no bairro do Capão Redondo para comprar cigarros. A vítima e um motorista de Uber foram assaltados, minutos antes, por uma quadrilha com cinco pessoas em quatro motos, numa espécie de arrastão.

Nas buscas pelos criminosos, os PMs pararam o catador e o amigo, que não estavam nem com o dinheiro e nem com o celular da vítima, mas mesmo assim foram fotografados e levados para a delegacia, no dia 25 de maio de 2020.

“Quando meu irmão foi preso, uma parte da gente também foi presa. É difícil estar num daqueles que sabem que é inocente, são dois anos perdidos na vida de todos. Cada dia que passa, eu sinto mais revolta”, diz Alessandra da Silva, 35 anos, auxiliar de confeiteira, irmã de Ailton.

O jovem tem dois irmãos e duas irmãs, a família faz vaquinha com a ajuda de amigos para enviar o sedex de mantimentos todos os meses para o CDP de Osasco. O catador era quem cuidava da mãe, dona Carmem Lúcia, que convive com sequelas graves de um AVC que aconteceu há seis anos. Ele e um irmão também ajudavam o pai, o senhor Jailton Severino, que é pedreiro. “Agora o nosso irmão mais novo tem que se desdobrar em dois para ajudar o pai nas obras”, lamenta Ângela da Silva, outra irmã.

O caso do Ailton foi julgado no fórum, foi analisado pelo Ministério Público e pela equipe da Polícia Civil e em todas essas oportunidades pesou a declaração dos polícias militares, que alegaram a “atitude suspeita” e o testemunho da vítima que nunca tinha visto o rosto do rapaz, mas o apontou como autor do roubo.

Os PMs que estavam seguindo a localização do celular da vítima desistiram de continuar a busca depois que prenderam o Ailton e o amigo. No processo, o fato do celular roubado não estar com os rapazes, apesar de ter sido rastreado até aquele local, foi considerado irrelevante.

“O princípio da presunção da inocência é um direito constitucional que gera uma série de direitos para o réu no processo penal, porém, isso não é o que acontece quando o acusado é negro”, aponta o advogado Irapuã Santana, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP).

De acordo com o rito processual, o Ministério Público, que é o autor da ação, precisa comprovar por todos os meios que ocorreu um crime, que há vítimas e que aquela pessoa que ele aponta como acusado é realmente o autor do crime.

“Isso é o que diz a Constituição, mas na prática, quando a pessoa é negra isso não acontece e é ela que tem que provar a sua inocência. Isso tem um aspecto psicológico gigantesco em relação à formulação da sentença e da convicção do juiz; e sobre o trabalho de quem deve fazer a produção de provas, que é o MP. Quem faz parte da população negra não é considerada uma pessoa com direitos”, explica o advogado.

A falta de reconhecimento institucional dos direitos da população negra também é apontada como um dos fatores que explicam o fato de Ailton da Silva continuar preso, segundo o seu advogado Flávio Campos.

“No caso do Ailton, não foi feito o procedimento previsto no código penal, que é apresentar a pessoa suspeita com outras pessoas com portes semelhantes, justamente para evitar uma prisão indevida. Esperamos que o STJ possa reformar decisões arbitrárias e injustas como essa”, cobra Campos, que também é ativista do movimento negro e de defesa dos direitos humanos.

Segundo Campos, no julgamento, feito no fórum, a juíza só perguntou para a vítima se ela reconheceu o suspeito na data do fato e se a pessoa era a mesma que estava ali presente.

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